Turquia: Vencedora ou perdedora na Síria?
“O país está em uma conjuntura crítica – ou talvez além dela. Por causa da triste perda de democracia dentro de suas fronteiras e repetidos erros do governo AKP [Partido da Justiça e do Desenvolvimento da Turquia] na Síria, por causa da turbulência no Meio Oriente e da cena mundial em mudança, nossas grandes cidades se tornaram um novo fronte para terroristas. Houve uma vez em que pensávamos que a Turquia seria um modelo brilhante para o mundo muçulmano; agora estamos preocupados que o nosso país possa de fato estar seguindo alguns de seus piores exemplos”.
Essas são as observações finais da renomada novelista turca Elif Shafak em um artigo de 3 de janeiro no jornal britânico The Guardian. Dentro da primeira hora do primeiro dia de 2017, o terrorismo havia atacado novamente em Istambul, levando 39 vidas, anunciando outro ano sombrio à frente para os turcos e levando às falas angustiadas de Shafak.
Seu artigo é apenas um de muitos ligando a mais recente escalada de terrorismo na Turquia à situação síria; de fato, este tem sido um tema recorrente nessa coluna do Al-Monitor. No espaço de um mês, a Turquia (Istambul duas vezes) foi chacoalhada por três grandes atentados terroristas que levaram muitas pessoas a verem uma correlação entre as políticas do Presidente Recep Tayyip Erdogan na Síria e reação dessas políticas nos sangrentos atentados terroristas em casa.
O perito veterano em Oriente Médio Patrick Cockburn escreve no The Independent que o que faz o “terrorismo” na Turquia diferente do da Europa e do Oriente Médio não é o número de mortos, mas a diversidade dos que estão realizando atentados terroristas.
Ele escreveu: “A matança feita por um atirador do Estado Islâmico [ISIS] de 39 civis em uma casa noturna em Istambul é o massacre mais recente na Turquia, onde carnificina como esse estão ocorrendo a cada algumas semanas. Os perpetradores podem diferir, mas o efeito cumulativo dessas autoridades é persuadir os turcos de que eles vivem em um país cada vez mais assustados e instável. Também está claro que o governo turco não sabe o que fazer para parar os atentados”.
Ele vê, assim como eu: “O governo em Ancara está fazendo as escolhas de costume quanto a rastrear esses diferentes grupos ‘até seus covis’. Mas isso vai ser mais de falar de que fazer. Tanto o [ISIS] quanto o PKK [o Partido dos trabalhadores do Curdistão] estabeleceram poderosos estados de fato na Síria e no Iraque, algo que poderia ter acontecido apenas por causa do envolvimento mal concebido de Erdogan na guerra civil síria depois de 2011”.
É quase um fato estabelecido que o ISIS já usou a Turquia com uma rota de passagem, ponto de transferência e santuário. Graças à atitude benevolente do regime de Erdogan, o credo salafita se espalhou na Turquia; sobre o solo fértil da Turquia, dezenas – se não centenas – de células do ISIS floresceram. Agora, o ISIS denuncia a Turquia como um inimigo e o governo de Erdogan como “apóstata”. Por causa de expurgos no aparato de segurança da Turquia logo após o golpe fracassado de 15 de julho de 2016, um enorme vácuo na inteligência foi criado, um que é quase impossível de preencher dentro de uma semana. Isso, por sua vez, encorajou atores dos múltiplos frontes em que Erdogan se engajou em uma guerra invencível na Síria para retaliar com terror e impunidade em solo turco.
Infelizmente há toda indicação de que o terrorismo vai atacar a Turquia em força durante 2017, e parece não haver muito que o atual governo posso fazer para prevenir isso.
“Em tempos de crise quando a violência assombra a terra, as pessoas clamam por um homem forte que lide com o problema. Mas e se o terrorismo gera caos em um país já sob o calcanhar de um homem forte?” Mark Almond perguntou no Daily Telegraph. Para ele, “A Turquia está em uma posição terrível única. Ela agora tem o presidente mais forte desde o golpe militar em 1980, possivelmente desde o próprio Ataturk noventa anos atrás”.
Ele continuou: “Mas a habilidade extraordinária do Presidente Erdogan em consolidar seu poder não foi equiparada por uma habilidade em resolver os problemas do país. Bizarramente, Erdogan é um fissurado por controle que não está de fato no controle das ameaças que sua sociedade enfrenta. Se bobear seu estilo caprichoso de governo gerou elas. Ao ignorar e encorajar jihadistas radiciais a lutarem contra o regime de Assad na Síria, Erdogan ignorou os riscos de uma reação”.
O retrato da Turquia exibido nos primeiros dias de 2017 trai as avaliações míopes dos que inadvertidamente apresentaram a Turquia próxima à Rússia como entre os vencedores na Síria. Ao contrário, por causa dos desenvolvimentos relacionados à Síria ou suas políticas equivocadas lá, a Turquia está desestabilizada. O que é mais alarmante é que sua instabilidade poderia se tornar permanente.
A Turquia é a coiniciadora, com a Rússia, do frágil cessar fogo na Síria; a Rússia é a protagonista da conferência de paz na Síria em Astana, Cazaquistão, em 23 de janeiro.
Contudo, a postura de Turquia foi alcançada apenas ao dispensar todos os pilares de sua política síria desde 2011.
Emile Hokayem, perito na Síria, em um editorial no The New York Times de 30 de dezembro intitulado “Como a Síria derrotou os Poderes Sunitas”, escreveu: “Dos três poderes sunitas, a Turquia tem o envolvimento mais profundo. … Desde que o Presidente Recep Tayyip Erdogan perdeu favor com Washington e a Europa devido a sua repressão doméstica e aventuras fora do país, sua sorte e destino estão agora amarrados à boa vontade russa. Moscou está explorando a fraqueza da Turquia”.
A boa vontade russa apenas se materializou em troca da aceitação da Turquia – e até sua assistência – na queda de Alepo. A Turquia, para andar no trem russo, distanciou-se dos grupos de oposição armada que dependiam do apoio turco desde 2011, o ano em que o levante sírio se iniciou. A cópia provisória do acordo entra a Rússia e a Turquia diz que “o governo turco garante o comprometimento da oposição em todas as áreas que a oposição controla ao cessar-fogo, incluindo qualquer tipo de bombardeio”.
Esses elementos da oposição síria que dependiam da Turquia de Erdogan estão agora à sua mercê, pois a política de Erdogan quanto à Síria, que foi estreitada unicamente à de impedir que os curdos tenham qualquer ganho, está à mercê da Rússia.
Lembrando como e de onde a política da Turquia quanto à Síria começou e vendo o ponto em que ela está agora, não seria imprudente dizer que a Turquia está entre os maiores perdedores na Síria.
O resultado mais perigoso pode ser que por causa da Síria, a Turquia poderia também se tornar uma perdedora em seu próprio país.
Cengiz Candar
Fonte: www.al-monitor.com