Sírio que fugiu do EI sonha com restaurante
Sírio é vendedor ambulante e vende quibes para sustentar a família. Brasileiro criou campanha de arrecadação para ajudá-lo a realizar o sonho do restaurante.
Um corredor estreito cercado por casas pequenas leva ao refúgio de famílias sírias que fizeram de Campo Grande um novo lar. É pelo mesmo caminho que Othman Assaf, de 37 anos, passa toda manhã com uma caixa de isopor repleta de quibes. Quem era acostumado a vê-lo cantando em programas da TV árabe, talvez não o reconheça hoje como vendedor ambulante. Ele mesmo tenta entender o que aconteceu.
Às 9h (de MS) os salgados já estão fritos, prontos para a venda. Assaf apoia o isopor no corpo e sai a pé pelas ruas do Centro da cidade. Entre uma loja e outra consegue encontrar clientes dispostos a pagar R$ 1,50 por cada quibe. A maior preocupação, porém, é com a qualidade dos produtos que ele vende. Para o vendedor, o cliente deve apreciar o salgado como se tivesse acabado de sair do forno e a caminhada sob sol e chuva compromete o resultado.
Campo Grande (Foto: Ronie Cruz/G1 MS)
O farmacêutico bioquímico Jurandir Rafael, de 43 anos, concorda com o sírio. Ele o conheceu através de uma irmã que trabalha em um posto de saúde. “Esses produtos não são de vender na rua, precisam ser apreciados. Ele precisa de um lugar fixo para vendê-los. Assim, as pessoas vão poder sentar para comer durante uma conversa, por exemplo. É de um sabor muito refinado”, comenta o Rafael, que virou admirador do quibe feito por Assaf.
Ao saber do sonho do sírio em ter um restaurante árabe, ele ficou sensibilizado pela história e resolveu criar uma campanha na internet para ajudá-lo. O objetivo é arrecadar R$ 40 mil ou pelo menos a metade dessa quantia para construir o restaurante. Interessados podem doar qualquer quantia ou, se preferirem, poderão optar pelas recompensas, obtendo um bônus ao doar. (clique aqui para contribuir)
Refúgio
Fugindo da guerra e do terror, Assaf e mais 4 milhões de pessoas deixaram a Síria desde o início da guerra civil, em 2011, para buscar refúgio em países como Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Turquia, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Ameaçado pelo grupo terrorista Estado Islâmico (EI), o muçulmano atravessou a fronteira com a mulher e os dois filhos até a Jordânia. Após um tempo no país, tiveram de ir em busca de um novo país.
Antes, a vida como cantor no oriente médio lhe rendia aproximadamente U$ 200 por dia. As ameaças constantes e a iminência de um ataque do Estado Islâmico o separou dos pais, dos irmãos e dos primos.
“Lá eu tinha casa boa, carro bom, a vida era boa. Mas ficou muito difícil. Encontrei um conhecido que me falou: ‘vai para Campo Grande. A cidade é mais segura do que outros lugares no Brasil. É uma cidade, bonita e boa de se viver”, relembrou Assaf, em meio aos tropeços na língua portuguesa, que aprendeu em 10 meses na capital sul-mato-grossense.
Sobrevivência
Em solo brasileiro, o sírio descobriu que para sobreviver com a família teria que abandonar a carreira artística. Assim, de cantor virou vendedor de quibes e vive hoje com a esposa e os dois filhos em uma casa emprestada, no bairro Amambaí. “Gosto muito do Brasil. É um país bonito. Tem gente de coração bom”, afirma enquanto segura o alcorão. O muçulmano guarda o livro sagrado do islã em cima de uma mesinha, no canto da sala.
Ele explica que são “todos irmãos aqueles que acreditam em um só Deus” e acrescenta que o que extremistas fazem em nome da religião “suja o islamismo”. “Aqui não diz para matar menino pequeno, mulher ‘grandon’ (sic), homem ‘grandon’ (sic)”, destacou ele se referindo às crianças e adultos mortos pelo terrorismo. Embora tenha saído da Síria, ele ainda acompanha as notícias do país pela internet e por conversas com familiares que continuam na região.
As notícias nem sempre são boas. Uma delas foi a morte do pai pelo Estado Islâmico (EI) e outra foi a do ataque em uma cidade síria que resultou na morte do tio recentemente.
árabes (Foto: Ronie Cruz/G1 MS)
Sonho
Pai da pequena Tamar Hanna, de 8 anos, e de Ibrahim, de 9 anos, Assaf acorda cedo para fazer a massa do quibe. Utiliza 50% de carne, 30% de trigo, cebola e temperos árabes, assim como se prepara na Síria.
Às 7h ele leva os filhos na escola municipal perto de casa. Quando retorna, a esposa já está de pé na cozinha enrolando os quibes. Ela está grávida de 5 meses.
O filho mais velho de Assaf, Ibrahim, sonha em ser engenheiro e até desenha como seria o restaurante do pai. Além do quibe, o vendedor sabe fazer outros pratos árabes, como Homus, Labni e Babaganuche. “Eu quero trabalho. As pessoas vêm e me ajudam. Eu poderia estar nas ruas pedindo dinheiro, uma ajuda aqui, uma ajuda ali para sobreviver, mas eu quero trabalhar. O meu sonho é ter um restaurante para trabalhar e cuidar da minha família”, enfatiza Assaf, com os olhos marejados.
* Sob supervisão de Gabriela Pavão, Juliene Katayama e Nadyenka Castro.
Fonte: g1.globo.com