Refugiados são enterrados em cemitério na Turquia
A cidade de Izmir, balneário do litoral turco, reservou área para os corpos de quem morre ao tentar atravessar o mar para chegar à Europa.
O imam Ahmet Altan é clérigo no cemitério municipal de Dogancay há 35 anos, no balneário litorâneo de Izmir, a terceira maior cidade da Turquia. Há seis meses, Altan ganhou uma atribuição especial: passou a ser o responsável pelas cerimônias e ritos que precedem os enterros de dezenas de refugiados sírios, mortos na travessia rumo à Europa. Cabe a ele realizar as abluções (limpeza com água de pés, mãos, nariz e orelhas), como prevê a fé islâmica, para o posterior embrulho dos corpos em lençóis brancos, como então serão levados para suas covas. “É a missão que me deram. Nós estamos vendo essa tristeza todos os dias, sempre tem um enterro”, diz Altan.
A cidade de Izmir, conhecida por seu clima multicultural e de tolerância, se tornou um dos principais pontos de partida para refugiados sírios que partem rumo à Europa, dada sua proximidade das ilhas gregas. O mar, ainda mais em um inverno rigoroso e de ventania, interrompe a viagem de muitos. A guarda costeira turca recolhe os corpos que vão para seu Instituto Médico Legal, na expectativa de que sejam identificados. Em caso positivo, a família escolhe o que fazer – se o corpo será levado à Síria ou será enterrado em Izmir. Sem identificação, os mortos têm seu DNA recolhido e arquivado – o que possibilitará um eventual reconhecimento no futuro – e então, seguem para o cemitério. Até agora, em Dogancay, já chegaram 530 corpos de vítimas de afogamento – 45% são crianças. Aberta no final do ano passado, sua área separada destinada aos refugiados já tem 72 covas. Os adultos são separados das crianças de até dois anos – nas covas, duas placas numeradas, no lugar do de um nome, adornam o túmulo.
“Eles estão desesperados, por isso arriscam suas vidas”, diz Altan. Para o imam, todos que estão ali enterrados são duplamente mártires para a religião islâmica, por serem vítimas de afogamento e por terem morrido como consequência da guerra. “Eles vão direto para o paraíso. Do outro lado, terão uma vida mais tranquila”, afirma.
Crise humanitária
No começo do mês, a Turquia e a União Europeia fecharam um controverso acordo para controlar o fluxo de refugiados que segue rumo ao continente. O acerto determina que refugiados que hoje abarrotam as ilhas gregas vão ser enviados de volta à Turquia. Em troca, pleiteantes de asilo que hoje estão na Turquia serão admitidos em algum país da Europa. Além disso, a Turquia exige que a política de emissão de vistos para que cidadão turcos entrem em território europeu seja facilitada. O governo turco também reivindica que as negociações para a entrada do país na União Europeia sejam retomadas. A política, apelidada de “um sai outro entra”, foi criticada por organizações internacionais e de direitos humanos. Segundo os críticos, ela pode ferir diretrizes firmadas a partir da Convenção de Refugiados das Nações Unidas, de 1951.
Além disso, ainda não está claro como o acordo será aplicado na prática – um vídeo produzido pela organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) exibe a violência de oficiais em uma operação de impedimento de travessia. O temor é que esse tipo de prática se torne regulamentado.Em números oficiais, a Turquia tem hoje, em seu território cerca de 2,5 milhões de refugiados da vizinha Síria. Em média, entre 2 e 3 mil pleiteantes de asilo chegam à Grécia todos os dias, a maioria vinda do país.
De acordo com a Organização Internacional para Migração (IOM, em sua sigla em inglês), só em 2016, pelo menos 354 pessoas morreram ou estão desaparecidas depois de tentar atravessar a rota pelo Mar Egeu.
TERESA PEROSA| DE IZMIR, TURQUIA
* A jornalista viajou à Turquia a convite do Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT)
Fonte: http://epoca.globo.com/