Acordo com Turquia é visto como vitória de Merkel
Angela Merkel apostou seu futuro político na garantia de um acordo com a Turquia que pudesse encerrar a crise migratória na Europa. A chanceler da Alemanha tem enfrentado um crescente clamor nos últimos meses inclusive do seu próprio partido – para fechar as fronteiras do país e conter a maré de refugiados. Mais de um milhão deles entrou na Alemanha no ano passado.
A oposição à política de Merkel de manter as fronteiras abertas enquanto busca uma resposta de comum acordo entre os membros da União Europeia para combater as causas da crise migratória pela raiz afetou as eleições municipais na semana passada. A parcela de votos conquistada pelo seu partido caiu, perdendo espaço para o partido Alternativa para a Alemanha, que tem uma postura agressiva contra a imigração.
Ainda assim, Merkel se manteve firme e, na sexta-feira, obteve o que queria: o compromisso da Turquia de mandar de volta todo imigrante que cruzar o Mar Egeu.
Merkel conquistou mais do que as autoridades alemãs acreditavam ser provável logo após o início da reunião de dois dias na Bélgica para discutir o acordo. Elas temiam que o governo turco reagisse exigindo concessões que a UE não teria condições de aceitar. Apesar de a UE ter concordado em trabalhar na direção de deixar de exigir vistos de viagem para os turcos em junho, ela não estava pronta para se comprometer com as 72 condições existentes para que isso ocorra; nem Chipre estava preparado para suspender seu veto aos próximos passos em relação à solicitação da Turquia para integrar a UE. Mas a Turquia acabou aceitando essas limitações, talvez um sinal de que o governo reconhece a necessidade de fortalecer sua relação com a UE, já que suas outras relações estratégicas estão sob pressão.
Obviamente Merkel ainda não está livre de turbulências políticas. Já existem enormes obstáculos práticos e logísticos para implementar os detalhes do acordo. Embora todos os imigrantes que cruzem o Mar Egeu supostamente já devam ser mandados de volta pela Turquia, pode levar semanas até que a Grécia – que conta com substancial assistência prometida de outros membros da UE – esteja pronta para avaliar o status de cada um, como é exigido pela legislação internacional, e então organizar sua deportação. Durante esse período, será exigido que a Grécia dê abrigo e alimente essas pessoas, enquanto deve prender os que representam risco de fuga.
Não está claro se a Turquia vai cumprir a sua parte do acordo para tentar impedir que novos barcos partam rumo à Grécia ou aceitar todos os que forem mandados de volta. Novas ondas de barcos chegaram à Grécia mesmo depois de o acordo ter entrado em vigor ontem. E certamente os traficantes de pessoas vão rapidamente buscar novas rotas para cruzar as fronteiras europeias.
Isso, no entanto, se o pacto for mantido. A posição de Merkel claramente vai ser fortalecida antes das eleições nacionais no segundo semestre de 2017. Apesar dos problemas que a chanceler enfrenta, sua taxa de aprovação estava em 54% no início de março, muito acima da taxa da maioria dos líderes mundiais.
Além disso, muitos alemães continuam a apoiar a abordagem dela para a crise, como evidenciado pela resposta impressionante dada pela sociedade civil alemã à chegada dos próprios refugiados. Os candidatos vencedores dos partidos Verde e Social Democrata em duas das eleições regionais na semana passada apoiaram a posição de Merkel e viram um aumento na fatia de votos que angariaram. Sem nenhum sucessor óbvio já alinhavado, é pouco provável que a chanceler enfrente qualquer desafio dentro de seu próprio partido, a União Democrática Cristã (UDC).
Mas isso pode mudar se o pacto com a Turquia não conseguir impedir a chegada de um número significativo de refugiados este ano. Mesmo assim, poucos acreditam que Merkel concordaria em seguir o exemplo da Áustria e restabeleceria controles sobre a fronteira alemã: ela permanece intensamente comprometida com a ideia de encontrar uma resposta europeia comum ao problema.
Merkel está ciente dos danos profundos que uma ação unilateral da Alemanha poderia causar na UE como um todo, tanto em relação à crise humanitária que isso geraria em países mais próximos dos pontos de entrada de migrantes quanto aos danos que seriam causados ao mercado único da EU – cujo modelo econômico depende de fronteiras abertas -, além do golpe psicológico para os esforços de aprofundar o projeto da integração Europeia.
Isso sugere que, se houver uma mudança de política na Alemanha, ela provavelmente terá de ser feita sob uma nova liderança – e quase que certamente em condições políticas caóticas.
A crise migratória já transformou o panorama político alemão, que até recentemente tinha se mantido relativamente imune ao tipo de política populista visto em todo o resto do mundo ocidental. O partido União Social Cristã, irmão do UDC, vem assumindo uma posição cada vez mais hostil em relação aos refugiados, enquanto seu parceiro de coligação, o partido Social Democrata, de centro-esquerda, vem defendendo uma ligação mais direta entre a generosidade para com os refugiados e a oferta de serviços de bem-estar social mais generosos no país.
Se os democratas cristãos de Merkel acabarem sucumbindo à pressão populista antes das eleições de 2017, o resultado pode ser o mesmo tipo de instabilidade política que está paralisando governos em todo o continente, tornando praticamente impossível qualquer resposta coordenada futura da UE. Muito mais que o futuro da própria Merkel depende do sucesso do pacto entre a UE e a Turquia.
Fonte: www.valor.com.br