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Europa e Islã, entre terror e coexistência

Europa e Islã, entre terror e coexistência
abril 19
13:54 2016

Os brutais ataques terroristas em Paris e Bruxelas revelaram a fragilidade e a descoordenação dos serviços de inteligência e das forças policiais dos países europeus, em especial dos membros da União Europeia, o que facilitou em muito a ação dos jihadistas comandados pelo Estado Islâmico. Em meio ao pânico então criado, poucos se recordaram de que a al-Qaeda já pareceu todo-poderosa depois de derrubar as torres gêmeas nos Estados Unidos e conduzir uma sangrenta operação no metrô de Madri, em 2014. Desde então, contudo, foi incapaz de montar qualquer operação de vulto no mundo ocidental, pois os ataques em Londres, em 2015, se deveram a um grupo sem ligações externas.

Isso se deveu simplesmente ao fato de que, nos últimos quinze anos, os Estados Unidos se dedicaram de corpo e alma a reorganizar seu caótico sistema de segurança interna; em paralelo, utilizando as forças especiais e os drones, vêm gradualmente eliminando a cúpula antes liderada por Bin Laden, além de desbaratarem as linhas de comunicação e financiamento da organização. A lição é relevante: com muito esforço e muito dinheiro é possível conter substancialmente, se não eliminar, o terrorismo conduzido por grupos extremistas que têm suas bases no exterior.

A xenofobia, representada pela ascensão de partidos fascistoides, é uma resposta suicida para uma Europa que precisa superar o apartheid “de fato” que transforma os muçulmanos em cidadãos de segunda classe e homens bomba em potencial.

Por isso, no caso do Estado Islâmico, a Europa precisa emular com urgência o exemplo americano na reestruturação dos esquemas antiterroristas, atualmente incapazes de rastrear a movimentação de milhares de cidadãos que, tendo recebido treinamento ou participado da luta armada na Síria, retornam a seus países de origem sem serem interceptados pelas forças de segurança. Como parte do esforço a ser empreendido, precisará rever também os princípios do Tratado de Schengen, que havia abolido os controles de fronteira entre estados membros da UE e outras nações do continente (excetuado o Reino Unido e a Irlanda).

Além disso, como o EI possui um caráter territorial que a al-Qaeda nunca pretendeu ter, os países europeus terão de se engajar de forma mais direta nos combates em curso na Síria e no Iraque, onde, ao custo de trazer a Rússia de volta para o centro do tabuleiro diplomático-militar do Oriente Médio, o califado vem sofrendo pesadas baixas e cedendo o terreno antes conquistado. Os ataques aéreos são essenciais sobretudo a fim de obliterar o comércio ilegal de petróleo que constitui sua principal fonte de financiamento. Não por acaso, dias depois dos atentados de Bruxelas, a Bélgica anunciou que seus caças passariam a participar das investidas contra o Estado Islâmico.

No entanto, mesmo que um dia venha ser eliminada ou fortemente mitigada a ameaça do terrorismo baseado no exterior, permanece o fato de que hoje vivem na Europa mais de 50 milhões de muçulmanos, os quais continuarão se multiplicar a uma taxa mais alta que o resto da população e deverão representar mais de 10% do total em 2050. Curiosamente, esse imperativo demográfico havia sido apontado por ninguém menos que Muammar al-Gaddafi, que governava a Líbia com mão de ferro desde 1969, ao sentenciar em discurso pronunciado nos idos de abril de 2006: “Temos cinquenta milhões de muçulmanos na Europa. Há sinais de que Alá concederá ao Islã a vitória na Europa – sem espadas, sem armas de fogo, sem conquista -, transformando-a num continente muçulmano dentro de poucas décadas”.

Embora Gaddafi atribuísse essa dominação pacífica a um propósito divino, e não ao frio jogo das variáveis demográficas, diante da perda observada de fiéis pelos diversos ramos do cristianismo não é difícil prever que, ainda neste século, venham a existir mais mesquitas que igrejas no continente. No entanto, desde a ruinosa invasão do Iraque pelos Estados Unidos, que levou à eliminação do líder líbio e muitos outros governantes do Oriente Médio e do norte da África, surgiram grupos fundamentalistas que passaram a lançar mão de meios violentos para acelerar a vitória final. À vertente pacífica, em que o espermatozoide era visto como instrumento suficiente para alcançar o domínio sobre os infiéis, veio se somar a vertente terrorista, com o emprego de metralhadoras e explosivos, tornando mais complexo um dilema que a Europa já antes não sabia como resolver.

De fato, vindos inicialmente do Paquistão, da Turquia e do Magreb na década de 1960, grandes contingentes de seguidores do Islã passaram a ser essencialmente usados como mão de obra barata para exercer atividades que não mais atraíam os trabalhadores locais, sendo identificados sobretudo pela religião comum apesar de sua diversidade étnica e cultural. Jamais absorvidos pelas sociedades locais, hoje ocupam verdadeiros guetos onde se registram altíssimas taxas de desemprego, especialmente entre os mais jovens.

E é aí, mais que nos campos de treinamento na Síria, que mora o maior perigo do terrorismo fundamentalista quando a jihad se torna uma alternativa de vida para os jovens que não desfrutam de oportunidades iguais às de seus compatriotas. A xenofobia, representada pela ascensão de partidos fascistoides, é uma resposta suicida para uma Europa que precisa superar o apartheid “de fato” que transforma os muçulmanos em cidadãos de segunda classe – e homens-bomba em potencial.

Por Jorio Dauster

Fonte: www.valor.com.br

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