Aliados próximos, Turquia e Catar abordam discretamente disputa energética no Chipre
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A Turquia e o Catar, aliados regionais próximos com apoio mútuo ao Hamas e à Irmandade Muçulmana, entraram em conflito devido ao envolvimento da QatarEnergy em um acordo de exploração de hidrocarbonetos na costa de Chipre — iniciativa que a Turquia considera ilegal.
A disputa, que se arrasta há anos, intensificou-se recentemente em reuniões sigilosas entre os dois países após Chipre emitir um aviso de navegação (NAVTEX) autorizando operações de perfuração na chamada “Bloco 5” do Mediterrâneo oriental. O NAVTEX permite atividades de 24 de dezembro de 2024 a 24 de fevereiro de 2025, permitindo que ExxonMobil e QatarEnergy avancem com o acordo assinado com Chipre em dezembro de 2021.
O Bloco 5 está na Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de Chipre e é alvo de disputa entre Turquia e Chipre, pois sobrepõe-se a áreas reivindicadas pela Turquia como parte de sua plataforma continental. No desenvolvimento dos campos de gás neste bloco, a QatarEnergy detém 40% do acordo de partilha de produção com Chipre, enquanto a ExxonMobil possui os 60% restantes.
Em 16 de janeiro, Chipres emitiu um segundo NAVTEX, anunciando que o navio de perfuração VALARIS DS-9 conduziria operações no Bloco 5 até 19 de junho de 2025.
O governo do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ainda não reagiu oficialmente. A única declaração veio de fontes anônimas do Estado-Maior turco, que disseram à imprensa local em 23 de janeiro que a Turquia monitoraria de perto as atividades e agiria para proteger seus interesses.
“O aviso de navegação emitido pela Administração Greco-Cipriota está fora de nossa Área de Jurisdição Marítima, aproximadamente 11,5 milhas (22 km) ao sul dela. Nesse contexto, estamos monitorando as atividades do navio em questão, iniciadas em 19 de janeiro de 2025”, disseram as fontes.
O Estado-Maior também prometeu proteger os direitos da Turquia e da República Turca de Chipre do Norte (RTCN) — Estado separatista reconhecido apenas por Ancara. A Turquia exerce forte influência na RTCN, mantém uma grande presença militar e sustenta sua economia financeiramente.
“A RTCN continuará a ser defendida com determinação, e qualquer violação de nossa plataforma continental será imediatamente confrontada. Nosso Estado compreende o assunto mais profundamente do que qualquer um, avalia todos os ângulos e define os passos necessários, que serão implementados no momento adequado”, disseram fontes ligadas ao Estado-Maior.
O comentário anônimo parece visar acalmar o público turco, responder a críticas da oposição e ganhar tempo para o governo Erdogan resolver discretamente a crise com autoridades do Catar.
A única resposta formal ao primeiro NAVTEX veio da Turquia na ONU, por meio do enviado da RTCN. Em 28 de dezembro de 2024, o embaixador turco Ahmet Yıldız apresentou uma carta incluindo um comunicado do representante da RTCN, Mehmet Dânâ, que expressou preocupação com o NAVTEX emitido pelo governo internacionalmente reconhecido de Chipre.
“A RTCN condenou a emissão do NAVTEX pela Administração Greco-Cipriota, permitindo perfurações no ‘Bloco 5’ de 24 de dezembro de 2024 a 24 de fevereiro de 2025. Essa ação, em colaboração com ExxonMobil e QatarEnergy, viola os direitos inerentes do povo turco-cipriota aos recursos naturais da ilha”, afirmou Dânâ.
Ele argumentou que a Administração Greco-Cipriota não representa toda a ilha e que suas ações unilaterais — como acordos de fronteira marítima, licenças para empresas e atividades de exploração — não são legítimas nem vinculantes para os turco-cipriotas.
“Essas ações ignoram a necessidade de consentimento e decisões conjuntas entre as duas comunidades da ilha”, acrescentou, prometendo medidas recíprocas para proteger os direitos da RTCN aos recursos hidrocarbonetos em Chipre e arredores.
O Ministério das Relações Exteriores turco, crítico do acordo de 2021 e firme em não permitir “exploração não autorizada em sua jurisdição marítima”, até agora silenciou sobre as recentes perfurações.
Quando criticado pela oposição, autoridades turcas alegaram ter garantias da ExxonMobil e QatarEnergy de não operar em áreas contestadas. Porém, nenhum documento comprovando isso foi apresentado, levando a oposição a considerar a promessa vazia.
A QatarEnergy também coopera com a ExxonMobil no Bloco 10, ao sul de Chipre, fora da plataforma continental turca — ao contrário dos Blocos 1, 4, 5, 6 e 7, reivindicados pela Turquia.
Ainda assim, a Turquia contesta atividades no Bloco 10, argumentando que violam os direitos da RTCN. Ancara insiste que os recursos naturais devem ser compartilhados entre as comunidades greco e turco-cipriotas.
A Turquia propôs iniciativas conjuntas ou divisão de receitas como medidas provisórias, mas as propostas tiveram pouco avanço internacional.
Para fortalecer sua posição, a Turquia enviou navios de perfuração a águas contestadas, escoltados por sua marinha. Porém, em 2020, reduziu tais ações sob pressão dos EUA e UE.
Enquanto isso, Chipre fortaleceu suas alianças regional e internacionalmente, muitas vezes em detrimento da Turquia. Suas parcerias com países como Grécia, Egito e Israel, além de iniciativas focadas em energia, como o Fórum do Gás do Mediterrâneo Oriental (FGMO) — que exclui a Turquia —, colocaram Ancara em uma posição defensiva.
Enquanto a Turquia continua a ameaçar Chipre com ação militar, Nicósia reforçou seus laços estratégicos com os Estados Unidos, que suspenderam o embargo de armas à ilha e começaram a expandir sua presença naval no Mediterrâneo oriental.
É evidente que o envolvimento do Catar nos recursos de hidrocarbonetos de Chipre continua sendo um ponto de atrito para o governo Erdogan. No entanto, Ancara parece determinada a evitar qualquer ruptura nos laços com o Catar por causa dessa questão.
Nos últimos anos, o governo Erdogan ampliou significativamente sua presença militar no Catar, estabelecendo uma base em 2014 e expandindo-a ainda mais em 2019. A Turquia também socorreu o pequeno Estado árabe em 2017, quando o Catar enfrentou um bloqueio imposto pela Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito. Na ocasião, a Turquia forneceu apoio diplomático, militar e logístico ao Catar.
Também há uma divergência entre os interesses pessoais do presidente turco, Erdogan, no Catar e a direção futura imaginada pelo establishment de segurança nacional da Turquia. Acredita-se que Erdogan tenha investido parte de sua fortuna considerável — acumulada por meio de propinas e subornos — no Catar, aproveitando sua amizade com a família governante Al Thani para canalizar e lavar ganhos ilícitos por meio do sistema financeiro catariano.
Uma parte significativa dos investimentos cataris na Turquia teria origem nesses fundos ilegítimos, controlados por intermediários ligados à família de Erdogan.
Não há dúvida de que ambos os países estão alinhados ideologicamente na promoção de uma agenda islamista-política no exterior, apoiando ativamente a rede da Irmandade Muçulmana, o Hamas e outros grupos jihadistas armados no Oriente Médio, África e além.
Preocupado em proteger seus interesses políticos, ideológicos e financeiros no Catar, o presidente Erdogan parece disposto a ignorar o envolvimento da QatarEnergy no desenvolvimento de hidrocarbonetos na costa de Chipre. Com seu controle sobre a mídia turca, todos os ramos do governo e uma oposição política cooptada, ele tem a capacidade de apresentar o papel da QatarEnergy ao público de forma a proteger seu futuro político.
Fonte: Close allies Turkey and Qatar quietly tackle Cyprus energy dispute – Nordic Monitor
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