Turco ligado a movimento de oposição é preso em SP a pedido do governo de Erdogan
Ali Sipahi participou de atividades de centro cultural ligado ao Hizmet, um movimento que o governo da Turquia considera terrorista.
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Ali Sipahi, um empresário turco que tem cidadania brasileira, está preso desde 5 de abril na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo.
Sipahi é acusado pelo governo da Turquia de pertencer a um grupo de oposição ao governo de Recep Tayyip Erdogan chamado Hizmet, liderado pelo imã Fetullah Gülen.
Para a Turquia, que pede sua extradição, trata-se de uma organização terrorista.
O Hizmet não é considerado terrorista pela ONU, mas o governo turco discorda dessa classificação.
“Fetullah Gülen é o líder de uma organização secreta, altamente hierárquica e antidemocrática (o chamado movimento Hizmet) que tentou o mais violento ataque terrorista da história turca na noite de 15 de julho de 2016”, afirma, em nota, a embaixada turca em Brasília.
Naquela data, houve uma tentativa de golpe contra o presidente Recep Tayyip Erdogan. Desde então, o governo do país passou a considerar o clérigo Gülen um inimigo.
A embaixada da Turquia não comenta o caso específico de Sipahi. Ele foi detido logo depois de desembarcar com a família no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na volta de viagem de férias nos Estados Unidos.
No pedido ao governo brasileiro, as autoridades turcas acusam o empresário de assumir funções em um centro cultural com ligações ao Hizmet. Além disso, a Turquia afirma que Sipahi de depositar dinheiro em uma conta de banco vinculada ao grupo entre 2013 e 2014.
Ao Jornal Hoje, Kamil Ergin, representante do Centro Cultural Brasil-Turquia, afirmou que esse banco era considerado um banco comum. “Ele [Sipahi] tinha uma conta bancária e depositou algum dinheiro nessa conta. O governo vê isso como ação de ajuda para um grupo terrorista”, afirmou.
O sócio de Sipahi em um dos restaurantes, Ilyas Kar, também disse ao Hoje que a prisão se trata de “perseguição” ao turco-brasileiro por ele participar de atividades na Câmara de Comércio e Indústria Turco-Brasileira – também apontada como crítica a Erdogan.
“A gente tá trabalhando no restaurante porque, por causa da perseguição do governo turco, nossas atividades culturais foram rompidas”, disse Kar.
O pedido de prisão preventiva a Sipahi estava decretado desde 19 de março pelo Supremo Tribunal Federal.
Os advogados que o defendem pediram para que ele aguarde o julgamento do pedido de extradição fora da prisão – com a retenção de passaporte ou tornozeleira eletrônica. A Procuradoria, no entanto, foi contrária ao pedido.
O ministro do STF Edson Fachin vai decidir se Sipahi aguardará preso a decisão final sobre sua permanência no Brasil.
Apreensão na comunidade turca
Sipahi tem 31 anos e vive no Brasil desde 2007, segundo um de seus advogados. Ele é brasileiro naturalizado e tem um filho nascido no país. Ele é dono de dois restaurantes em São Paulo.
Ele virou alvo do pedido de extradição por ter desenvolvido atividades no Centro Cultural Brasil-Turquia, que é uma entidade com vínculos com o Hizmet.
Há cerca de 250 turcos ligados a essa organização no Brasil, segundo um porta-voz do Centro Cultural Brasil-Turquia em São Paulo, Kamil Ergin.
“Estamos preocupados. Não somos terroristas, não vivemos em segredo, nossa identidade é aberta. A maioria desses 250 é de refugiados que veio para o Brasil por acreditar que é um país seguro e democrático, e essa prisão gerou apreensão na comunidade. Quem já pensava em sair do país acelerou.”
Crise na Turquia
A defesa vai alegar que a Turquia não vive um estado democrático de direito e não há instituições da Justiça independentes para julgar Ali ou outros membros do Hizmet, segundo um dos advogados dele.
“Não há garantia de que o acusado será julgado por juiz isento e imparcial”, afirmou o advogado Theo Dias, que representa Sipahi.
A Turquia vive uma crise política intensificada em 2016. Em julho daquele ano, o presidente Erdogan sofreu tentativa frustrada de golpe.
Gülen, ex-aliado de Erdogan, foi apontado como um dos responsáveis pelo movimento. Desde então, o presidente turco passou a perseguir opositores e jornalistas. Muitos deles foram presos.
Ainda em 2016, o assassinato do embaixador russo Andrei Karlovdurante a abertura de uma exposição aumentou as tensões. Erdogan acusou Gülen de planejar o crime, o que o oposicionista nega. Por isso, o governo turco exigiu a extradição do clérigo, que vive desde 1999 nos Estados Unidos.
Em sua residência na Pensilvânia, o clérigo nega qualquer envolvimento na tentativa de golpe e rebate as acusações contra o seu movimento, Hizmet, que se apresenta como uma rede educacional e humanitária, que promove um islã moderado.
Gülen, inclusive, diz que foi o primeiro clérigo muçulmano a condenar publicamente os atentados terroristas de 11 de setembro, em uma coluna no jornal norte-americano “The Washington Post”.
Erdogan, por outro lado, começou a dar sinais de perda de poder nas eleições municipais deste ano. O partido do presidente turco perdeu o governo da capital Ancara, e de Istambul, a maior cidade do país.