ENTREVISTA:FETHULLAH GULEN, CLÉRIGO MUÇULMANO LÍDER DO MOVIMENTO HIZMET
‘A corrupção obrigou Erdogan a escolher entre a democracia e o autoritarismo’
Exilado e recluso nos EUA, o clérigo muçulmano moderado Fethullah Gülen, líder do Movimento Hizmet, afirma que seu apoio no início do governo de Recep Tayyip Erdogan nunca foi incondicional e os dois se afastaram depois que o presidente começou a estabelecer o ‘regime de um homem só’.
O Movimento Hizmet apoiou o governo AKP em seu início e hoje é associado à
oposição. A Turquia seria diferente hoje se não tivesse havido essa divisão?
Não somos a principal oposição ao AKP hoje, como não éramos os únicos a apoiar o
partido quando ele surgiu com promessas de democracia, liberdade e justiça. Naquele
primeiro período, o AKP recebeu apoio de muitos segmentos da sociedade na Turquia,
de curdos a liberais, de minorias religiosas e até de alguns esquerdistas. Havia muitos
apoiadores no exterior também, estadistas e parlamentares na Europa e na América.
Muitos pensaram que deveriam dar uma chance ao AKP. O apoio do Movimento Hizmet ao partido nunca foi incondicional. Pelo contrário, era claramente condicionado. Esses termos e condições visavam a combater a corrupção, a pobreza e as proibições, fortalecer a democracia na Turquia, desenvolver as liberdades e lutar
pela adesão da Turquia à União Europeia, conforme o AKP havia prometido em seu surgimento.
Qual o motivo do rompimento?
Em troca do nosso apoio, não lhes pedimos cargos no governo ou cadeiras no
Parlamento. Paramos de apoiá-los quando deixaram para atrás esses princípios e
seguiram na direção do governo de um homem só. Nossa união temporária, se pode ser
chamada de união, poderia ter continuado se eles mantivessem sua palavra sobre
democracia, justiça e direitos humanos. Já que, se eles tivessem se mantido fiéis às suas
promessas, os problemas vividos hoje não teriam acontecido, talvez a Turquia tivesse
entrado para a União Europeia, desenvolvido a sua democracia e se tornado um país
que todos apontariam como exemplo.
Como Erdogan e o AKP foram de reformistas a autoritários, na sua visão?
Talvez Erdogan tivesse essa intenção desde o início, mas não podemos afirmar isso, já
que sabemos o que se passa na mente das outras pessoas. Nós acreditamos em suas
palavras e nas daqueles ao seu redor, que falavam em democracia. Mas testemunhamos que ele não cumpriu suas promessas e, depois de um tempo, liquidou as pessoas mais razoáveis ao seu redor e estabeleceu o poder de um homem só. De certa forma, isso pode ser visto como um envenenamento pelo poder. Por outro lado, a corrupção, na qual depois percebemos que Erdogan e seus parentes estavam envolvidos, obrigou-o a escolher entre a democracia e o autoritarismo. Em um Estado de direito democrático, ele teria de responder por sua corrupção. Mas, em vez de prestar contas, ele preferiu derrubar a democracia e a ordem jurídica e estabelecer um regime de um homem só. Enquanto ele fazia isso, grande parte da sociedade ficou em silêncio. Por trás desse silêncio, devemos perceber as atrocidades cometidas pelo Estado aos praticantes da religião em períodos anteriores, além da não assimilação da cultura da democracia.
Como a Turquia pode se tornar uma democracia plena, na sua opinião?
Parece difícil para a Turquia restaurar sua democracia destruída no curto prazo. Para que isso ocorra, os cidadãos precisam desenvolver sua consciência democrática e acabar, por meios democráticos, com a opressão. Os aliados da União Europeia, OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) e Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aos quais a Turquia está vinculada por acordos, também precisam apoiar o povo turco, insistindo no cumprimento dos requisitos desses pactos pelo Estado da Turquia. Não sei se isso vai acontecer ou não, mas eu nunca perdi as esperanças em Deus, O Todo-Poderoso. Espero que as mudanças aconteçam logo.