A repressão contra o Hizmet pelo governo turco
O Hizmet (em português: Serviço) é um movimento de caráter cívico-social, de inspiração islâmica, também conhecido como Movimento Gülen, que surgiu na Turquia em 1959. O idealizador foi Fethullah Gülen, que alicerçou o seu projeto em princípios basilares tais como os valores ético-morais, cuja proposta, de natureza educacional, tem por objetivo atender as pessoas economicamente desfavorecidas através da oferta de oportunidades de estudo, independentemente de nacionalidade ou de religião. A proposta se efetivou por meio de bolsas de estudos, alojamentos e escolas inicialmente financiados pelas comunidades locais, que contou com o apoio de professores, estudantes, pais e pequenos proprietários que, juntamente com Gülen, deram início ao serviço que veio ao encontro das necessidades da população carente turca. Ao tomar a Educação como base dessa atividade, o clérigo e humanista Fethullah Gülen partiu de uma questão essencial para alterar positivamente a sociedade e devolver a cidadania e a dignidade humana a milhares de pessoas. Neste contexto, o Hizmet, embora tenha sido criado a partir de uma iluminação islâmica, não está fechado em torno da doutrina religiosa, pois os currículos são laicos e os princípios que animam os professores são valores humanos elevados que visam atender todos os sujeitos respeitando as diversidades que compõem cada ser individual.
Hoje, o Hizmet é transnacional e está presente em mais 170 países, possuindo aproximadamente 1.500 escolas e Universidades. Para além do trabalho voltado para a Educação, o movimento dedica-se, ainda, às causas humanitárias nas regiões afetadas por catástrofes naturais ou guerras como, por exemplo, a Síria, o Líbano, o Bangladesh, o Sudão-Darfur, a Geórgia-Ossetia, Myanmar, a China, a Faixa de Gaza e o Haiti e tantos outros lugares ao redor do mundo. No entanto, apesar do alívio que tem levado a milhares de pessoas nas mais variadas partes do planeta, este movimento e os seus integrantes vêm sendo criminalizados pelo Governo turco, que acusa Fethullah Gülen de ter tramado o fracassado Golpe de Estado em julho de 2016, afirmando que o Hizmet é um grupo “terrorista” que formou um Estado paralelo na Turquia influenciando a Polícia e a Justiça. O presidente Recep Tayyip Erdoğan tem tentado engessar o Hizmet por meio de perseguições e da prisão de seus membros. Ancara já emitiu cerca de 3.224 mandados de prisão contra pessoas consideradas próximas de Gülen. Nos últimos dias, o expurgo deixou de estar limitado ao território turco. Recentemente, Enes Kanter, um jogador de basquetebol do Oklahoma City Thunder, da NBA, e crítico do Governo de Erdoğan, foi detido no aeroporto de Bucareste, na Romênia, sob a acusação de fazer parte de uma “organização terrorista”. Na ocasião Kanter teve o seu passaporte cancelado pela Embaixada da Turquia. No aeroporto Internacional de Yangon, o episódio se repetiu com Furkan Sökmen, um professor radicado Myanmar e a sua família enquanto tentavam embarcar para Bangkok.
Os integrantes e simpatizantes do Hizmet, dentro da Turquia, de acordo com informações, estão sendo perseguidos, presos e torturados e há registro de desaparecidos. Estes episódios não correspondem a fatos isolados, mas são algo rotineiro na Turquia atual. Esta situação tem provocado a fuga de muitos cidadãos turcos, sendo o Brasil uma rota de fuga para aqueles que tentam escapar dos julgamentos sumários e das prisões. De acordo com as últimas notícias, a presença do Hizmet e de seus colaboradores, no Brasil, também não tem passado despercebida pelo Governo turco. Conforme informou a CBN, recentemente, a Embaixada da Turquia encerrou “três convênios com Universidades brasileiras para cursos do idioma turco”. A motivação que levou ao fechamento dos cursos é a suspeita do Governo com o envolvimento do Hizmet com estas Universidades, as quais não admitiram a existência de um problema político e afirmaram que o fechamento dos cursos se deveu à baixa procura pelas aulas. Em entrevista ao jornal Estadão, Kamil Ergin, jornalista turco que vive no Brasil, salientou que Binali Yildirim, primeiro-ministro turco, declarou que não há mais ambiente favorável para conviver com o movimento. Ergin chama a atenção para as medidas tomadas pela Turquia para combater o Hizmet dentro do país, de entre as quais se destaca a criação de “uma linha telefônica para receber denúncias da população, ou seja, espionar os membros do movimento”. Neste sentido, o movimento passa por um momento delicado uma vez que preconiza o diálogo intercultural e inter-religioso se opondo ao pensamento único que, para muitos analistas é, hoje, uma realidade na Turquia.
Escrito por Marli Barros Dias
Originalmente publicado em: jornalri.com.br