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Fugindo da ditadura moderna

Fugindo da ditadura moderna
maio 24
15:54 2017

Na Turquia milhares são presos por terem algum contato com o Movimento Hizmet ou serviço, ou movimento Gulen, é um movimento social que prioriza o diálogo inter-religioso e a paz entre os cidadãos de diferentes culturas. O presidente, Recep Tayyip Erdogan, ganhou o referendo de presidente, em abril passado, e só sairá do poder em 2029. Instabilidade e princípios de autoritarismo causam fugas e refugiados no país. O Brasil tornou-se uma rota de fuga de um governo antes exemplo, hoje perseguidor dos próprios cidadãos.

Recentemente a Turquia vem tendo destaque nos jornais internacionais, mas não por seu crescimento econômico-social como antes e sim por atos violadores de direitos humanos.

As pessoas perseguidas, presas, torturadas e desaparecidas hoje no país são as que têm algum tipo de ligação com um movimento social chamado Hizmet. Qualquer vínculo que seja com esse movimento torna a pessoa inimigo do Estado.

Movimento Hizmet

O movimento começou em 1959 com um imã — pregador muçulmano — chamado Fethullah Gulen, que teve no início de sua vida uma preparação voltada a essa finalidade. Gulen, aos doze anos se tornou um hafiz (aquele que conhece todo o Alcorão de cor), isso mesmo, com apenas 12 anos.

É um leitor de obras ecléticas, desde obras ocidentais a orientais. Em sua adolescência, sentiu que era necessário ter conhecimento de outras áreas para pregar o islã de maneira atrativa aos jovens, que são seu principal foco.

Fethullah Gulen, pregou em toda a Turquia. O seu objetivo foi usar a ciência, a educação, a globalização e o diálogo inter-religioso como um instrumento para trazer a paz ao mundo. Gulen acredita serem esses os fundamentos necessários para compreender o mundo em que vivemos e torná-lo mais pacífico.

Por meio da ciência, encontramos soluções. Pela educação respeitamos a vida de nosso próximo, independentemente de sua cultura. O diálogo inter-religioso nos auxilia a compreender melhor os indivíduos. Com isso poder ajudá-los no que necessário, olhando apenas suas necessidades e visando a integridade humana.

Crescimento do movimento Hizmet

O movimento Hizmet, adquiriu adeptos em toda a Turquia por meio dos ideais citados. Participaram do movimento ajudando a propagar pelo mundo a educação e a importância do diálogo inter-religioso, para formação de cidadãos pacíficos e empáticos na sociedade.

A ideia cresceu. Em mais de 170 países existem em torno de 1500 escolas e universidades inspiradas no movimento, que visa a ajudar aqueles que mais necessitam e carecem na sociedade. Também ajudam nesse processos centros culturais como o CCBT (Centro Cultural Brasil Turquia) que trabalha pelo diálogo intercultural, aproximando os brasileiros da cultura turca por meio de palestras, cursos e seminários e também difundindo os ideais de Gulen.

ONGs ao redor do mundo fazem trabalho voluntário ajudando pessoas carentes em diferentes localidades. Como a Kimse Yok Mu, organização de ajuda humanitária turca, reconhecida internacionalmente pelo trabalho exercido.

Bancos, hospitais, escolas, universidades e veículos de comunicação foram criados a partir desse ideal. Grande parte do dinheiro que mantém a continuação dessas instituições são provenientes de doações, majoritariamente de empresários turcos.

Gulen gostou que o movimento cresceu. Contudo não gosta que chamem de Movimento Gulen, ou que aqueles que fazem parte sejam chamados de gulenistas. “Apenas criei, as pessoas que dão continuidade ao trabalho”, relata em um informativo do CCBT.

Início da perseguição

Durante a Primavera Árabe em 2011 — considerado um levante democrático no qual pessoas foram as ruas protestar contra seus governos autoritários — a Turquia era um exemplo de administração política e religiosa islâmica na região. Tornou-se o quarto destino mais visitado do mundo e “choviam” investimentos estrangeiros no país. Mas o governo de Erdogan estava estável durante a Primavera Árabe, o que deu a ele espaço para dar suas opiniões a respeito, de um Estado interventor, porém com apoio da população.

Membros do movimento Hizmet não gostaram da atitude do presidente diante da situação. Em 2012 expuseram via a Fundação de Jornalistas e Escritores uma carta em que declararam serem apartidários e não assumir qualquer posição diante da situação. Já iniciava uma desavença.

Em 17 de dezembro de 2013 houve uma investigação da justiça turca contra ministros ligados a Erdogan. Os procuradores que assumiram o caso tinham simpatia pelo Hizmet.

A investigação expôs um comércio ilegal entre a Turquia e o Irã, em troca e evasões de ouro por petróleo, em plena época de sanções da ONU (Organização das Nações Unidas) para com o Irã. Poderíamos considerar seu impacto equivalente à operação Lava-Jato no Brasil, pois nomes importantes do cenário político estavam envolvidos em esquemas de corrupção e foram a julgamento.

Os procuradores e policiais que participaram das prisões desses envolvidos foram destituídos dos cargos e os investigados soltos. Dentre eles um empresário iraniano, Reza Zarrab, que foi preso em 2016 nos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e perfuração de sanções contra o Irã.

Conversas gravadas entre Recep e seu filho Bilal Erdogan mostram que o presidente estava por detrás do plano. Isso foi exposto na investigação e divulgado pelo jornal Zaman — o de maior circulação no país.

Estado paralelo

Logo após a destituição dos procuradores e policiais, Recep Erdogan acusou de fazerem parte de um “Estado paralelo”. Isso implicava na declaração que o Hizmet fez em 2012 de que não assumiria posições políticas. Erdogan não tinha gostado dessa declaração e esperou o momento oportuno de então começar o denominado “caça as bruxas” um período que perdura até os dias de hoje.

15 de julho

A fatídica tentativa de golpe de Estado por militares pegou de surpresa toda a comunidade internacional. De uma hora para outra uma democracia, mesmo violando direitos humanos, se torna palco para tanques e caças nas ruas do país.

Os militares golpistas emitiram comunicados em redes sociais, rádios e televisões dizendo que tomariam o poder e estavam a caminho de pegar Erdogan. Caças sobrevoando cidades importantes como Ancara (capital do país) e Istambul. Embaixadas e consulados ligando para seus cidadãos que estavam no país não saírem de casa ou hotéis, pois correriam risco de morte.

Durou pouco. De uma hora para outra Erdogan aparece em uma chamada de FaceTime na rede de TV CNN Turquia falando que a situação estava sob ciência do Estado e que os envolvidos seriam punidos.

Erdogan acusou o movimento Hizmet e disseram que o cabeça foi Gulen — que vive nos Estados Unidos da América desde 2009 e não quer seu nome vinculado ao movimento — FETO (Fethullah Terrorist Organization) como o governo denominam as pessoas e simpatizantes do movimento.

Os gráficos a seguir, foram produzidos pela agência estatal Anadolu e entregue a jornalistas em setembro de 2016 no consulado geral em São Paulo. Contando a versão do Estado.

O primeiro expõe uma linha cronológica desde a invasão dos militares até suas respectivas prisões.

gráfico cronologia 15 julho ditadura

O segundo mostra os mártires do dia.

mártires 15 julho ditadura

Governos europeus parabenizaram a Turquia por manter o controle e a paz nacional. Porém referente ao pouco que sabiam do ocorrido.

Caça as bruxas

Mais de 2.000 pessoas foram detidas sem qualquer processo judicial e 600 presas sem julgamento ou processo correndo contra eles. Atos violadores do direito humano universal, a prisão sem julgamento e a privação de outras instituições.

O jornal de maior circulação, o Zaman, um dos principais bancos do país, Bank Asya, editoras, o grupo de mídia Ipek, e a rede de TV Samanyolu tiveram seus bens e contas confiscadas pelo governo.

Quem é considerado membro do FETO?

Quatro características ditadas pelo governo a população denominam alguém membro:

  1. Ter um filho matriculado em alguma escola proveniente do Hizmet;

  2. Trabalhar para alguma organização ligada ao movimento (banco, jornal, escola, universidade, etc);

  3. Ter conta em algum banco criado com base no ideal do Hizmet;

  4. Ser assinante do jornal Zaman.

Essas características definem alguém do Hizmet para o governo e foram ditas por “E.B.”, perseguido que veio ao Brasil que breve irá conhecer. Não importa se de fato você faz parte ou segue os ideais sugeridos pelo movimento, basta ter uma dessas características que será inimigo de Estado.

Perseguidos

A Turquia faz fronteira com a Síria e é o país que mais recebe refugiados sírios do mundo. Acordos com a União Europeia dão poder ao país para barganhar em troca de favores. Porém, devido ao caça as bruxas, pessoas do Hizmet sendo perseguidas, refugiados turcos começaram a crescer.

Duas pessoas a seguir fugiram da Turquia por terem uma dessas características citadas anteriormente. Seus nomes foram modificados por sigilo de fonte, a pedido deles, e fotos não foram tiradas, pois temem por seus familiares que ainda vivem lá e de alguma maneira podem sofrer abusos do governo.

De uma vida pacata a fuga

Veio da Turquia no ano passado meses após a tentativa fracassada de golpe militar. Edu como gosta de ser chamado, recebeu esse nome de um amigo brasileiro.

Edu trabalhava em um grande banco da Turquia. Morava em Istambul e sua esposa trabalhava na engenharia de software da rede de TV Samanyolu. Viviam de maneira confortável, filho estudando em uma boa escola, as atividades no trabalho de ambos geravam bons frutos, Edu iria ser enviado para trabalhar na Alemanha e a vida ia bem. Até o dia 15 de julho.

Estava dormindo, acordei com alguns barulhos estranhos e liguei a TV, foi então que acompanhei o que estava acontecendo —, relata o dia de pânico em todo o país.”

As coisas mudaram repentinamente. Quando via as notícias de pessoas do Hizmet sendo presas fiquei temeroso, pensei que breve poderia acontecer comigo e minha família. Minha esposa trabalhava em uma rede de TV ligada ao movimento e meu filho em uma escola também criada por ideais do mesmo.”

Então o governo tomou a Samanyolu, onde minha esposa trabalhava, demitindo-a. A escola do meu filho foi fechada e o filho do presidente Erdogan estudou na mesma escola do meu filho. Não entendi!” explica.

O cerco estava se fechando para Edu, que já sentia um clima pesado no banco em que trabalhava por dez anos. Seus amigos que conviviam com ele, iam a sua casa e compartilhavam momentos de alegria começaram a tratá-lo de maneira diferente. Certo cinismo no tratamento.

O dia que Edu tanto temia chegou. O chamaram na diretoria da empresa e o aconselharam:

Devido a suas ideias políticas não vamos querer mais continuar com você. O governo está fechando ou tomando as empresas que têm pessoas ligadas ao Gulen. Para que não sejamos estatizados e todos perder nossos empregos, peça demissão.”

Edu ficou triste com as palavras de seus chefes, não tinha escolha e fez o melhor para ele e sua família no momento. Pediu demissão.

Pedindo demissão é uma maneira de não culpar o Estado ou a empresa de serem contra nossas liberdades, assim culpariam nós funcionários. Meus amigos ficaram tristes, mas não poderiam fazer nada, caso contrário, iriam ter o mesmo destino que eu. Depois que entendi, eles vieram falar comigo e contaram esse motivo.”

O que fazer agora? O mais provável era sair do país, emprego nem ele muito menos a esposa iriam conseguir novamente.

Sentei com minha esposa na frente do computador e comecei a pesquisar locais para fugir. Pensei nos países próximos a Turquia, como Uzbequistão, Turcomenistão, Albânia e Cazaquistão, pois já fizeram parte do Império Otomano (um dos maiores da história da humanidade) e falam a língua parecida com a nossa, o turco. Mas tinham acordo com o governo turco para extraditar os fugitivos de volta.”

Fui ver a Alemanha, contudo era necessário tirar visto para entrar e naquele momento até hoje a emissão de vistos está suspensa para nós que temos ligação com o Hizmet. Você acha que cederiam um visto para mim e minha família? Perguntariam por quê e diria que era para fugir da ditadura de Erdogan, seríamos presos.”

Vinda para o Brasil foi seu segundo plano, pois não há uma comunidade tão grande de turcos aqui como em outros países, por exemplo, a Alemanha.

Encontrei o Brasil e percebi que tínhamos acordo internacional. Mas não de extradição e sim da não necessidade de visto para entrar. Claro por três meses, mas já seria um alívio.”

Havia uma reserva financeira e peguei a família e vim ao Brasil. Antes nós procuramos referências turcas no país e encontramos o CCBT.”

No CCBT não só ocorre a promoção da cultura turca para brasileiros, como para da cultura brasileira para os turcos. Ali ensinam português para outras pessoas que, como Edu, vieram na mesma situação e buscam se estabilizar em um novo país. Além disso, auxiliam famílias para conseguirem trabalho e fornecem ajuda para se manterem.

Não sei se volto para a Turquia tão cedo. Depois do referendo em abril Erdogan terá muitos anos ainda no governo. Por enquanto, vou ficar aqui. Gostei do clima, do país e principalmente das pessoas, que nos ajudam muito. Querem conhecer nossa cultura e eu a deles, ou seja, ambos aprendemos. Aqui as pessoas são bem acolhedoras e estou me sentindo bem, quero muito em breve montar uma loja e ter meu negócio para sustentar minha família e começar uma nova vida.

Ao relembrar o que passou era perceptível a tristeza em seus olhos, com a expressão abatida por ter de deixar tudo para trás,” finaliza.

Boa influência, não mais

Empresário turco que vive no Brasil desde meados do ano passado. Com grande influência em sua região, — da qual não quis comentar, pois amigos e familiares que ainda vivem na Turquia podem sofrer por suas palavras — fazia grandes doações ao Hizmet para o crescimento do projeto ao redor do mundo.

Era um empresário de sucesso. Levava e fazia comícios em sua cidade, um influenciador nos negócios. Criou câmara de comércio e viajou para muitos países, constantemente acompanhado de outros empresários turcos.

As pessoas me respeitavam, me conheciam como uma pessoa honesta, que ajudava colégios e projetos, fomentando a educação. Tinha bons contatos com políticos locais e nacionais, até o dia 15 de julho.”

Eu tinha uma fábrica e empregava muita gente. Fazia sucesso na administração e separava uma parte para doar ao Hizmet, pois acredito no projeto deles. Infelizmente venderam minha fábrica a preço de banana e me repassaram o dinheiro.”

Entre as viagens que fazia ao exterior também fazia meus investimentos, dentre eles alguns no Brasil. Isso fez com que eu escolhesse vir para cá. Poder recomeçar minha vida com empreendimentos que adquiri tempos atrás.”

A tristeza e o abatimento tomou conta de Y, a cada momento lembrava de seus familiares que ainda continuam na Turquia. Só quer retomar a vida de sucesso que obteve no passado e continuar ajudando o Hizmet.

Sonhos acabados

Brasileira e ex-estudante de relações internacionais que estudou na Turquia. Como uma jovem paulista saiu de São Paulo e foi estudar na Turquia? Ou melhor como conheceu a cultura?

Meu primeiro contato com a Turquia e a cultura turca foi através do colégio Belo Futuro Internacional, no qual me formei no ensino médio em 2012. Logo após minha graduação, em 2013, eu e mais alguns alunos da minha turma fomos para a Turquia como viagem de formatura. Previsivelmente, ficamos todos muito encantados e as duas semanas que tínhamos foram poucas para explorar a Turquia, um país tão rico culturalmente. Felizmente, antes que eu pudesse imaginar, em menos de um ano o colégio me proporcionou a oportunidade de voltar à Turquia, mas dessa vez para ficar e dar continuidade ao meu ensino superior. Através do colégio Belo Futuro, ofereceram para mim e outras duas alunas, uma bolsa de 50% para estudar relações internacionais totalmente em inglês na Gediz Universitesi, em Izmir, e também uma bolsa de 100% para morar no dormitório da faculdade.”

Assim que eu recebi minha carta de aceitação da faculdade, dei entrada na minha documentação de visto e fui para a Turquia com mais uma menina a qual foi oferecida a bolsa e uma professora do colégio. A professora foi quem nos ajudou a desenrolar o turco na primeira semana e nos acompanhou até o dormitório da faculdade. Depois disso, fomos nos virando com o inglês mesmo, até que conseguíssemos aprender mais a língua turca. Dentro do dormitório da faculdade não foi muito difícil, pois eram muitos alunos internacionais e a grande maioria falava inglês. Por exemplo, só no meu dormitório éramos por volta de 50 alunas internacionais de toda a parte do mundo e como estávamos praticamente na mesma situação, num país desconhecido sem dominar 100% a língua turca, nós acabávamos nos ajudando. No dormitório tínhamos que dividir quarto com mais duas ou três meninas. No meu primeiro ano dividi quarto com a brasileira que foi comigo e duas africanas, da Libéria e África Central.

Sua volta ao Brasil tinha tudo para serem férias para rever amigos e familiares, mas…

Quando eu voltei para o Brasil em junho de 2016, o meu plano era passar o meu período de férias em casa e retornar para a Turquia em setembro. Assim ia começar a estagiar na minha área por lá mesmo. Porém, no dia 15 de julho de 2016, tudo mudou.”

Assim que militares começaram a tomar conta das ruas em Istambul e Ankara, imediatamente muitos dos meus amigos começaram a mandar mensagens pelo WhatsApp e Facebook avisando o que estava acontecendo e pedindo para abrir algum noticiário. Muitos de nós, não estávamos na Turquia quando aconteceu, pois era período de férias de verão. Muitos dos meus amigos turcos foram para rua protestar contra o golpe e lutar a favor da democracia no país. Como o próprio Erdogan pediu em rede nacional no seu pronunciamento perante ao golpe e assim como muitos também ficaram aterrorizados com a situação a qual o país estava passando. De um lado, o Erdogan era retratado como o herói da pátria e como defensor do governo turco contra os rebeldes, já por outro o presidente turco tomava medidas absurdamente extremas. Qualquer pessoa relacionada ao Fethullah Gulen, o então culpado pela tentativa de golpe, estavam e ainda estão sendo caçados pelo governo turco e sentenciados a prisão sem nenhum tipo de julgamento. Qualquer jornalista que se oponha ao governo, o tratamento não é diferente. Instituições ligadas ao partido opositor também foram desligadas. E foi o que aconteceu com a Gediz Universitesi.”

O que aconteceu com a Turquia foi insano, do dia para a noite o que era uma democracia se transformou numa ditadura. Eu acordei numa manhã de sábado com várias mensagens de amigos e nos grupos da faculdade no WhatsApp. Todos enlouquecidos com a notícia de que inúmeras faculdades foram fechadas pelo governo, inclusive a nossa. Foi assim que tudo mudou para mim também. Em um dia eu era uma estudante estrangeira na Turquia com metade do meu curso concluído e no dia seguinte eu não tinha mais faculdade, foi um choque.”

Desde então, ficou tudo incerto. Todos os alunos das faculdades fechadas foram transferidos para outras faculdades ligadas ao governo, com um nível indiscutivelmente inferior e certamente sem nenhum tipo de bolsa. Por exemplo, eu fui transferida para uma faculdade a qual meu curso seria 70% em turco. Foi quando eu decidi ficar no Brasil.”

O regime opressor causou uma inquietude na moça que voltou ao país para pegar as documentações e tentar transferência para o Brasil.

Não posso dizer que não sinto nem um pouquinho de medo, pois a opressão na Turquia que o Erdogan está construindo é muito real e nítida. O próprio não esconde que não tolera oposição e qualquer pessoa que não caminhe junto com ele, é vista como inimigo. Eu tenho amigos, estudantes assim como eu, que foram deportados e/ou presos quando tentaram voltar para a Turquia para tentar apenas retomar os estudos. Depois da tentativa de golpe, eu retornei à Turquia para resolver minha documentação pendente de transferência de faculdade e não tive problema algum com a polícia, porém muitas pessoas próximas a mim e na mesma situação que eu não puderam contar a mesma história.”

Caso o governo do Erdogan caia, o que acho bem difícil para os próximos anos, sem sombra de dúvidas eu voltaria para concluir meus estudos. Independente do ocorrido, a Turquia sempre vai ser uma parte de mim e da minha história. Guardo memórias lindas e um dia espero contar esse momento difícil pelo qual a Turquia e seu povo passam hoje, como apenas uma fase ruim, mas que logo teve fim.”

Situação atual

Na Turquia não há imprensa livre, as pessoas estão alienadas ao partido do presidente e não hesitam em obedecer suas ordens”, palavras do presidente do CCBT, Mustafa Goktepe. A Turquia vive hoje uma situação de mistura de ditadura democrática e autoritarismo do presidente Recep Tayyip Erdogan.

Hannah Arendt em seu livro As Origens do Totalitarismo, descreve que tipo de governo é esse. Um governo autoritário tem a característica principal de o poder não está mais na mão de um só, entretanto o Estado é quem detém todos os poderes. Há também a questão da onipresença do Estado em cada decisão ou parte da vida do cidadão. E isso já ocorre na Turquia. Rastreamento de pessoas ligadas ao Hizmet, chamadas telefônicas, fotos e criação de redes para saber cada passo do indivíduo.

Ditatorial porque a presença da imagem de Erdogan, enfatizada a partir de 2010 na sociedade turca, é extrema. É considerado o salvador da pátria. Assumindo discursos populistas não se esquece do povo, fica presente fazendo comícios em todo o país.

Jornais fechados ou controlados pelo governo. Charges sendo proibidas e o humor morre. A população se aliena, pois não existe opinião contrária a do presidente. Cidadãos fogem do país para terem a liberdade de expressão, se exilam e tentam recomeçar a vida em um novo lugar.

O Brasil por ter um histórico bom com refugiados árabes, principalmente vindo do Líbano e Síria, anima os turcos. Esperam em pouco tempo se adaptarem e terem uma vida normal novamente, com direitos assegurados por um Estado.

A Turquia é um local histórico, mas que em toda sua história a democracia vem sendo sua maior inimiga”, Mustafa Goktepe.

Por Evandro Almeida Jr

*Agradecimento especial ao CCBT e ao jornalista Kamil Ergin pela ajuda na produção

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