Condeno todas as ameaças à democracia turca
Por Fethullah Gulen / THE NEW YORK TIMES
Condenei com veemência a tentativa de golpe militar na Turquia. “O governo deve vencer por meio de eleições livres e imparciais, não pela força. Oro a Deus pela Turquia, pelos cidadãos turcos e todos aqueles que estão hoje no país, que esta situação seja solucionada pacífica e rapidamente”, afirmei.
Apesar do meu protesto, o cada vez mais autoritário presidente Recep Tayyip Erdogan imediatamente me acusou de ter orquestrado o golpe. E exigiu que os EUA me extraditem, me expulsem de minha casa na Pensilvânia, onde vivo voluntariamente em exílio desde 1999. Não só essa insinuação de Erdogan vai contra tudo o que acredito, como também é irresponsável e equivocada.
Minha filosofia – de um Islã pluralista e inclusivo, a serviço dos seres humanos de todas as crenças – é contrária à rebelião armada, que considero antiética. Por mais de 40 anos os participantes do movimento ao qual estou associado, o Hizmet, que significa “serviço”, têm defendido e demonstrado seu compromisso com uma forma de governo cuja legitimidade deriva do desejo da população que respeita os direitos de todos os cidadãos, independente de suas posições religiosas, filiações políticas e origens étnicas. Empreendedores e voluntários inspirados pelos valores do Hizmet têm investido na moderna educação e em serviços comunitários em mais de 150 países.
Numa época em que as democracias ocidentais estão em busca de vozes muçulmanas moderadas, eu e meus amigos do Hizmet assumimos uma clara posição contra a violência extremista, desde os atentados do 11 de Setembro pela Al-Qaeda às brutais execuções do Estado Islâmico e os sequestros do Boko Haram.
Além de condenar a violência sem sentido, incluindo essa tentativa de golpe, enfatizamos nossa promessa de frear o recrutamento de terroristas entre jovens muçulmanos e cultivar uma mentalidade pluralista, pacífica.
Durante toda minha vida tenho denunciado as intervenções militares na política interna. Na verdade, tenho defendido a democracia há décadas. Tendo sofrido a experiência de quatro golpes militares em quatro décadas na Turquia, jamais desejarei que meus compatriotas vivam essa dura experiência novamente. Se alguém que parece ser um simpatizante do Hizmet esteve envolvido na tentativa de golpe, traiu meus ideais.
As acusações de Erdogan não surpreendem, não pelo que declara a meu respeito, mas pelo que isso revela sobre seu impulso perigoso e sistemático no sentido de um governo ditatorial.
Como muitos cidadãos turcos, os integrantes do Hizmet apoiaram os esforços iniciais de Erdogan para democratizar a Turquia e cumprir as exigências com vistas a uma adesão à União Europeia. No entanto, não silenciamos quando ele preteriu a democracia em favor do despotismo. Mesmo antes dos recentes expurgos, Erdogan, nos últimos anos, fechou jornais, removeu milhares de juízes, promotores, delegados de polícia e funcionários públicos de seus cargos. Adotou medidas duras contra as comunidades curdas. E declarou seus detratores inimigos do Estado.
O Hizmet, em particular, tem sido alvo da ira do presidente. Em 2013, Erdogan acusou os simpatizantes do movimento dentro da burocracia turca de iniciarem uma investigação sobre corrupção que envolvia membros do seu governo. Como resultado, vários membros do Judiciário e da polícia foram exonerados ou presos por terem feito seu trabalho.
Desde 2014, quando foi eleito presidente, após 11 anos no cargo de premiê, Erdogan insiste em transformar a Turquia de uma democracia parlamentar em uma “presidência executiva”, assumindo um poder sem controles. Nesse contexto, sua recente declaração, de que o golpe fracassado foi uma “dádiva de Deus”, é ameaçadora. À medida que exonera mais dissidentes e adota novas medidas de repressão contra o Hizmet e outras organizações da sociedade civil, vai removendo os impedimentos que restam para o poder absoluto.
O presidente turco está chantageando os EUA, ameaçando restringir o apoio do país à coalizão internacional que combate o Estado Islâmico. Seu objetivo é garantir minha extradição, apesar da falta de provas convincentes. Para o bem dos esforços realizados em todo o mundo para restaurar a paz e salvaguardar a democracia no Oriente Médio, os EUA não devem levar em consideração um autocrata que tem transformado uma tentativa de golpe num autogolpe em câmara lenta contra o governo constitucional. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É CLÉRIGO ISLÂMICO RADICADO NOS EUA
*Este artigo também foi publicado no Estadão.