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Dinâmicas Básicas do Movimento Gülen – 1

Dinâmicas Básicas do Movimento Gülen – 1
março 16
18:33 2016

Analisar a dinâmica interna de um movimento é importante por duas razões. Primeiro, permite a outros perceberem a estrutura pela qual o movimento é organizado. Segundo, impede que outros caiam na armadilha de negligenciar a totalidade do movimento ao focarem em uma análise parcial. Eu uso dinâmica, aqui, para determinar os conceitos-chave do movimento. As atitudes sociais e intelectuais de um movimento são formadas pela dinâmica do mesmo. Análises de ciências sociais que estudam um movimento caminhariam em terreno mais seguro se estivessem conscientes de suas dinâmicas, e evitariam cair em falácias frequentes. Entender a dinâmica de um movimento nos permite apontar quem está fazendo uma análise objetiva e quem faz uma análise “pirateada”, sem nenhum conhecimento. Por exemplo, a pessoa que se esforça para cumprir à dinâmica básica do Sufismo Islâmico, sendo humilde em suas relações com outras pessoas (tawadhu), ou se considerando inferior aos outros (mahwiyat), poderia parecer uma pessoa tímida. Um observador, que não estivesse consciente da dinâmica acética do Sufismo, poderia interpretar esta atitude humilde como hipócrita ou clandestina. Se uma análise não leva em consideração a dinâmica e experiência muçulmana-sufista deste movimento, podemos chama-la de análise “científica”?

A profundidade sufista, moral e espiritual do Islã convidam os crentes a serem humildes e tolerantes em suas famílias e relações sociais. Virtude pessoal e maturidade social são pré-requisitos. Assim, para entender este movimento, é necessário, primeiro, entender as dinâmicas espirituais do Islã e a extensão pela qual o Islã influencia seus participantes. É quase impossível analisar, até mesmo, a vida social e intelectual de um muçulmano comum sem entender a profunda natureza do Islã em geral. O Islã cultural nos dá uma visão geral quanto às relações teológica, mental, moral e social de muçulmanos. Quando olhamos pela janela de dinâmicas gerais, podemos obter uma visão das atitudes individuais, espirituais, morais e sociais de muçulmanos em uma comunidade. A partir de todos estes pontos de vista, elaborar sobre a dinâmica religiosa/espiritual, social e cultural do Movimento Gülen nos ajudaria a formular uma versão apropriada das ações religiosas e socioculturais do movimento em geral. Na verdade, os títulos e conceitos que enfatizarei são importantes, também, com relação à maneira como são interpretados e como são transferidos à pratica social, assim como seu significado profundo na percepção cultural muçulmana. A importância de Gülen vem de seu sucesso em transformar estas dinâmicas em ação na vida sociocultural. Na teoria, estas dinâmicas culturais e religiosas já existiam em livros e outras fontes por quase 1500 anos.

A característica mais distinta dessas dinâmicas é que elas existem em paralelo à “eternidade”, uma noção à qual o Islã é naturalmente direcionado como uma revelação divina e religião. Islã toma para si a tarefa de ajudar às pessoas a alcançarem a realidade eterna e absoluta ao lhes mostrar como enxergar além do relativo e transitório do mundo da criação. Este passo em direção à eternidade é imanente à essência de toda dinâmica interna e social do Movimento Gülen. Na verdade, este ideal existe na essência da maioria das religiões. Contudo, no Movimento Gülen, ele não é apenas abstrato e se torna um programa ativo que engloba quase todas as relações internas e sociais. O sistema humanitário de Gülen compreende o serviço desinteressado e altruísta com motivações que se estendem em direção à eternidade. O ideal de eternidade amplia o significado e importância de todas as outras dinâmicas. O princípio é regenerado como uma dinâmica básica repetidamente, em cada ato e tentativa, o que significa que a fé é renovada em quase todas as relações sociais e de serviço.

Os tópicos focados, aqui, incluem as dinâmicas básicas que representam a visão geral deste movimento. Alguns dos títulos podem não ser completamente representativos do Movimento, pois podem ter sido produzidos devido a condições materiais, sociais ou particulares ao longo dos 30 anos de desenvolvimento do Movimento. A contribuição de Gülen para estas dinâmicas, também, merecem atenção. Em sua atitude islâmica e em sua percepção geral, pode-se considerar que Gülen tem uma aptidão conservadora com relação às dinâmicas do Movimento. Contudo, ao comentar sobre as mesmas dinâmicas em diferentes lugares e ocasiões, ele amplia seus significados e, assim, cria um sistema autogerador e autoprodutivo. Este espectro mais amplo de recursos intelectuais, filosóficos e literais renovam a substância de seu discurso sem afetar suas características básicas. Neste trabalho, trataremos brevemente de algumas dinâmicas básicas do Movimento. Entender a diversidade de forma, significado e estilo que estas dinâmicas assumiram em diferentes lugares e ocasiões exigiria uma análise mais abrangente de seus trabalhos e uma observação mais próxima de suas atividades sociais.

1. Magnanimidade

Enquanto magnanimidade (vicdan genişliği), talvez, não exista como uma dinâmica interna, no Movimento Gülen, ela com certeza tem um papel decisivo na interpretação de outras dinâmicas. Desde a década de 1970, em seus escritos e discursos, Gülen tem carregado este conceito com um significado amplo, apesar de ter se referido a isto alusivamente, sem muita ênfase. Magnanimidade tem um status especial em seu sistema de pensamento, crença e ação. Desta forma, Gülen olha para todas as manifestações da vida moral, individual e social de uma perspectiva magnânima.

Magnanimidade cobre toda experiência intrínseca e conhecimento da religião, enquanto, na prática, está na realidade social e ética da existência. Com este conceito, Gülen parece se referir, de um lado, a uma piedade madura e sincera com integridade, e do outro, enfatiza uma sociedade virtuosa composta de pessoas com um alto padrão de sabedoria e conhecimento sobre Deus. Em seu discurso, o conceito se expande de profundezas espirituais/morais individuais para as realidades infinitas da existência social. Gülen também considera este conceito uma pedra de toque para bondade, refinamento e realidade. Ele considera este conceito um critério contra o qual todos os pensamentos, ações e projetos sociais deveriam ser avaliados para se descobrir se eles podem, realmente, trazer um benefício e favorecer à humanidade. Gülen diz que não se pode falar de renovação ou renascimento dentro de uma sociedade se aquela sociedade não está consciente desta realidade.

2. Comunicando a palavra de Deus (chamado, comunicação e liderança)

Ao longo da história muçulmana, i’lay-i kelimetullah, comunicar a palavra de Deus tem sido uma questão de discussão de contexto individual, social e político. Excluindo-se as interpretações elaboradas de acordo com condições sociais e temporais, este conceito cobre três dimensões em seu sentido mais amplo: o chamado da fé, transmissão da mensagem e liderança. No discurso de Gülen, comunicar o nome de Deus inclui todas as dimensões. Ele integra cada uma delas à existência humana neste mundo. O propósito da existência neste mundo é exaltar o nome e a palavra de Deus.

A associação da jihad física com i’lay-i kelimetullah tem sido explorada e mal interpretada na análise ocidental corrente. Tais discursos, com frequência, equiparam Islã à guerra, violência e terror. Gülen tem um trabalho específico, no qual explica, extensivamente, este conceito [1]. Nós sugerimos que quando estudiosos tentarem analisar a dinâmica básica pela qual muçulmanos exaltam a Deus, consultem este trabalho para uma perspectiva interna profunda. Nele, leitores perceberão que Gülen atribui um significado cósmico a este conceito para explicar a existência humana neste mundo.

3. Viver pelos outros

Gülen adiciona tanta importância ao princípio de “viver pelos outros” (yaştma ideali), que ele o interpreta como uma dinâmica básica que poderia acordar uma nação. Toda sociedade precisa fazer sacrifícios. Sacrifício está acima e além de qualquer ganho mundano e, assim sua definição excede aquela de simples altruísmo. Ao contrário, é mais próxima de um heroísmo idealístico. Tal altruísmo constitui o caráter de pessoas que não têm interesse em ganho pessoal ou mundano e estão comprometidas como a benevolência de Deus. Gülen descreve este tipo de pessoas como “arquitetos da alma” e “médicos do pensamento”. Estas são pessoas capazes de introduzir na sociedade uma consciência de responsabilidade e interesse pelos outros. Sem médicos da alma, não é possível preservar os valores estabelecidos pertencentes à civilização islâmica e que formaram sua identidade histórica. Se tal preservação não for possível, qualquer esperança de se instigar uma renascença e renovação desta civilização serão perdidas. Tais pessoas formam um dinâmica importante de acordo com Gülen:

Hoje, o que precisamos são pessoas corajosas que trabalhem altruisticamente a serviço de Deus e que deixem de lado benefícios pessoais e egoísmo… que se entristeçam com as misérias de outras pessoas… que tenham uma lanterna de conhecimento em suas mãos e lutem contra ignorância e grosseria, que acendam uma luz em toda parte… que, com fé iminente e determinação, venham ao socorro daqueles que foram abandonados… como corcéis, mantenham seu curso sem recuar e sem se repugnar… aqueles que se levantam com o prazer de viver pelos outros enquanto se esquecem do desejo de viver. [2]

Eu acredito que toda humanidade ficará satisfeita e as misérias que as pessoas têm sofrido por séculos terminarão, e que o mundo retornará a um eixo de gratidão com relação aos ideais que associam sua salvação ao resgate de outros. Tais pessoas podem marchar sobre seu futuro e prosperidade em nome da felicidade de outros1; elas podem circular nas veias de outros como sangue; elas podem espalhar o desejo, a sede e soprar vida em qualquer lugar. Elas podem atar suas ações à responsabilidade que é idealizada nas profundezas de seu ser. Com compaixão que transcende a responsabilidade pessoal e através da bondade, que poderia envolver toda humanidade, elas tentarão nos trazer o espírito e significância que perdemos; elas constituirão um modelo para almas perplexas que viveram sem ideais por tanto tempo. [3]

Nossa sociedade precisa de heróis de ideais: aqueles que podem se dispor a ajudar, primeiro, a nossa nação e, depois, toda humanidade com um sentimento de compaixão; e cada vez que eles erguem suas mãos a Deus, oram por seus semelhantes. Como se tarefa tão árdua não pudesse ser cumprida por outros, recai sobre nós inicia-la a partir de nós mesmos e articula-la.

Consideramos viver para nós mesmos egoísmo e nunca achamos tal consideração revulsiva. Temos achado nossa paixão em viver pelos outros e em nos preparar para a felicidade eterna. Mesmo que fosse possível retornar à vida, mesmo que fossemos livres para escolher as alternativas desta nova vida, certamente, escolheríamos “viver pelos outros” novamente, dedicaríamos nós mesmos à humanidade e prepararíamos a humanidade para ressurreição. Não nos importaríamos com qualquer negligência… Não seríamos detidos por gritos de reação… Não discutiríamos com ninguém que fizesse acusações falsas ou maliciosas sobre nós… Manteríamos um sorriso, enquanto choraríamos por dentro. [4]

As pessoas ideais ardem como velas, involuntariamente, e iluminam aos outros… [5]

Um verdadeiro amigo, que é uma pessoa madura, é aquele que pode dizer “depois de você” quando está saído do Inferno e entrando no Céu.

O que estamos sempre enfatizando é que são aqueles que vivem suas vidas em sinceridade, lealdade e altruísmo, às próprias custas, para fazerem outros viverem, que são os verdadeiros herdeiros da dinâmica histórica, a quem podemos confiar nossas almas. Eles nunca desejam que as massas os sigam. Contudo, suas existências são muito poderosas, um convite inevitável para que todos corram para eles, aonde quer que estejam, como se estes devotos fossem um centro de atração. [6]

Projetos individuais de iluminação que não são planejados para ajudar a comunidade estão fadados ao fracasso. Mais do que isso, não é possível reviver valores que foram destruídos nos corações de indivíduos na sociedade, nem na consciência, nem na força de vontade. Da mesma forma, planos e projetos para salvação individual que sejam independentes da salvação de outros não são mais do que uma ilusão, assim, a ideia de se atingir sucesso como um todo ao paralisar o despertar individual é uma fantasia.

Viver pelos outros é o fator mais importante que determina o comportamento de tais heróis. Sua maior preocupação é sua busca em serem elegíveis para tais missões, enquanto sua característica mais importante é sua ambição extrema e busca pela permissão de Deus. Quando se esforçam para iluminar aos outros, eles não sentem dor nem se sentem chocados pelo prazer de iluminá-los. As conquistas que tais pessoas alcançam são tidas como revelações de Seu auxílio sagrado, e tais pessoas se curvam em modéstia, anulando a si mesmas repetidamente, todos os dias. Além disso tudo, elas tremem à ideia de que suas emoções possam interferir nos trabalhos que produziram, e suspiram; “Vocês são todos necessários.” [7]

Esperar nada em troca é a rosa em nossas terras. Altruísmo é o lótus em nossos jardins. É nossa obrigação alcança-lo, mas não desfrutá-lo. Nos esquecemos de viver por nós mesmos enquanto ardemos no desejo de viver pelos outros. São as nossas pessoas que sabem como se manterem na frente para servir, e se manterem atrás na compensação. O mundo descobriu por meio de nós o amor incondicional. [8]

Fiéis perfeitos não se atém somente ao seu desenvolvimento ou perfeição pessoal; eles são determinados, quase como profetas, a abrirem a si mesmos a todos e a aceitarem toda e qualquer pessoa. Eles devotam suas vidas à felicidade de outros, neste mundo, assim como no além, às custas de negligenciarem a si mesmos. Eles vivem como os Companheiros do Profeta; eles caminham na direção oposta exigida por seus instintos carnais e espalham a luz à sua volta, pois eles têm o potencial para iluminar sua essência como uma vela. Eles estão sempre alertas sobre a escuridão e tentam mantê-la longe… Conforme ardem o tempo todo, se ferem por dentro; contudo, nem a ardência constante, nem extermínio podem impedi-los de iluminar aos outros. [9]

Nós não precisamos de garantias, favores ou ideologias locais ou estrangeiras. Precisamos de médicos do pensamento e espírito que possam acordar, em todas as pessoas, a consciência do valor da responsabilidade, sacrifício e sofrimento pelos outros; que possam produzir sinceridade e profundidade mental e espiritual, ao invés de fazer promessas de felicidade passageira; que possam, com uma única tentativa, nos fazer alcançar o ponto de observação do início e fim da criação.

Agora, estamos esperando ansiosos pela chegada de tais pessoas, que têm tanto amor por sua causa e responsabilidade que, se necessário, poderiam, até, abrir mão de entrar no Paraíso; pessoas assim, se já estivessem dentro do Paraíso, buscariam uma maneira de sair. Como disse Maomé, o Mensageiro de Deus, “Se eles colocassem o Sol na minha mão direita e a Lua na minha mão esquerda para que eu abandonasse minha causa, eu não a abandonaria até que Deus fizesse a verdade prevalecer ou eu morresse tentando.” Este é o horizonte do Mensageiro de Deus. Bediüzzaman Said Nursi, um estudioso exuberante com o fulgor que emana do Mensageiro de Deus, curvado pela dor de sua causa, disse, “Em meus olhos eu não tenho amor pelo Paraíso, nem medo do Inferno e se eu visse a fé de meu povo assegurada, eu estaria pronto para queimar no fogo do inferno.” De maneira semelhante, Abu Bakr abriu suas mãos e orou de uma maneira que estremeceria os céus, “Ó meu Senhor, faça meu corpo são grande que, sozinho, eu encha o Inferno e, assim, não haja espaço para mais ninguém.”

A humanidade necessita, terrivelmente, de pessoas de profundidade espiritual e sinceridade, mais do que qualquer outra coisa, pois as pessoas que sofrem e choram pelos pecados e erros dos outros; que buscam o perdão e absolvição de outros, antes da sua própria; que, em vez de entrarem no Paraíso e aproveitarem seus prazeres individualmente, preferem estar no A’raf (entre o Céu e o Inferno) e, a partir daí, tentar levar todas as pessoas para o Paraíso com elas; e que, mesmo que entrem no Paraíso, não serão capazes de aproveitar seus prazeres por causa de seus pensamentos pelos outros e sua preocupação em salvá-los do fogo do inferno. [10]

Enes Ergene

Nota do Blog: Você pode ler o post intitulado Dinâmicas Básicas do Movimento Gülen – 2 para ver a continuação da análise.

Notas de Rodapé
[1] Gülen, İ’lay-i Kelimetullah veya Cihad, Istambul: Nil Yayınları, 2001.
[2] Gülen, Yitirilmiş Cennete Doğru, p. 128.
[3] Gülen, Işığın Göründüğü Ufuk, p. 138.
[4] Gülen, Örnekleri Kendinden Bir Hareket, p. 218–219.
[5] Gülen, Ölçü veya Yoldaki Işıklar, p. 108.
[6] Gülen, The Statue of Our Souls (A Estátua de Nossas Almas), p. 95.
[7] Gülen, Toward a Global Civilization of Love and Tolerance (Para uma Civilização Global de Amor e Tolerância), NJ: The Light, Inc., 2006, pp. 21, 23.
[8] Gülen, Çağ ve Nesil, p. 143
[9] Gülen, Işığın Göründüğü Ufuk, p. 261.
[10] Gülen, The Statue of Our Souls (A Estátua de Nossas Almas), p. 97.

Ergene, E. (2008). Tradition Witnessing Modern Age: An Analysis of the Gulen Movement (Tradição Testemunhando a Idade Moderna: Uma Análise do Movimento Gülen) (pp. 167-175). Somerset, NJ: Tughra Books.

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