O malabarismo da Turquia nos BRICS
Ao solicitar adesão ao grupo, Ancara sinaliza ao Ocidente que não deve ser subestimada.
Na Cúpula dos BRICS em Kazan, Rússia, nesta semana, há um novo participante: a Turquia. Um funcionário do Kremlin revelou no mês passado que Ancara havia solicitado ingresso no grupo, após repetidos sinais de interesse ao longo dos anos. Um porta-voz do partido governante do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), confirmou então que “um processo está em andamento”.
Os BRICS recentemente se expandiram significativamente, adicionando Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos em janeiro, enquanto a Arábia Saudita ainda avalia sua adesão. O acrônimo BRICS representa os membros originais do grupo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Ainda assim, a solicitação da Turquia aos BRICS é um marco na geopolítica. Caso a Turquia se torne um membro pleno ou estado parceiro, ela seria o primeiro país da OTAN e candidato de longa data à União Europeia (UE) a ter um papel ativo em uma entidade que alguns analistas veem como um desafio à predominância ocidental.
Essa iniciativa diplomática da Turquia é mais um sinal de que o Sul Global está em ascensão nos assuntos mundiais e ressalta o crescimento do não-alinhamento ativo como ideologia. No entanto, isso não representa uma grande ruptura na política externa turca: o pedido aos BRICS é uma extensão de seu ato de equilíbrio internacional, buscando diversificar alianças ao mesmo tempo em que mantém laços com o Ocidente.
Durante duas décadas no poder, Erdogan promoveu uma visão de mundo não centrada no Ocidente e buscou maior autonomia global, devido a frustrações com a UE e os EUA. Os BRICS, por sua vez, vêm ganhando impulso tanto em termos de membros quanto de influência global. Além da Turquia, países como Malásia e Tailândia também solicitaram entrada e enviaram enviados para a cúpula deste ano.
A cooperação entre os membros dos BRICS em energia, comércio e desenvolvimento de infraestrutura está crescendo rapidamente. Em termos de comércio global, o comércio intra-BRICS mais que dobrou entre 2002 e 2022, atingindo 40%. Em 2015, o grupo criou o Banco de Desenvolvimento dos BRICS, sediado em Xangai, com capital inicial de US$ 50 bilhões. O banco, atualmente liderado pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, já emprestou US$ 33 bilhões para 96 projetos.
Os BRICS agora visam criar um sistema alternativo de pagamentos ao SWIFT, que considera um sistema bancário internacional dominado pelo Ocidente. Este projeto ganhou mais relevância após o Ocidente desconectar a Rússia do SWIFT, em resposta à invasão da Ucrânia em 2022.
A adesão da Turquia beneficiaria os BRICS geopoliticamente, reforçando a posição do grupo como defensor do não-alinhamento, em oposição a um bloco com agenda antiocidental. No entanto, isso aumentaria as suspeitas do Ocidente em relação à Turquia. Atualmente, o grupo está dividido: China e Rússia desejam torná-lo um bloco antiocidental, enquanto Brasil, Índia e África do Sul preferem uma posição de não-alinhamento. A presença da Turquia provavelmente fortaleceria a segunda visão, assim como a maioria dos novos membros, com exceção do Irã, que tende a se alinhar com China e Rússia.
A entrada da Turquia nos BRICS colocaria o país, membro da OTAN, em uma posição privilegiada, permitindo que Ancara tenha mais influência em sua política externa. “Estar envolvido nessas estruturas não significa abandonar a OTAN”, declarou Erdogan a jornalistas na Assembleia Geral da ONU em setembro. “Não consideramos esta aliança e cooperação como alternativas uma à outra.”
Apesar do alto perfil de Erdogan nos assuntos globais, a agenda doméstica turca tornou-se cada vez mais desafiadora. Em março, o AKP perdeu terreno nas eleições municipais, o crescimento econômico desacelerou e a inflação aumentou. Mas as restrições internas não limitaram a busca de influência da Turquia na Eurásia; na verdade, esses esforços internacionais oferecem uma distração bem-vinda.
A política externa de Erdogan baseia-se em uma mistura complexa de legado otomano, aspirações nacionalistas e uma percepção de que os melhores dias do Ocidente ficaram para trás. Ele busca um mundo multipolar, no qual a Turquia possa atuar de forma independente da hegemonia ocidental e procurar opções estratégicas além do Ocidente, mesmo que isso signifique parcerias com inimigos históricos, como a Rússia, ou com países que adotaram políticas rigorosas contra minorias muçulmanas, como a China.
Erdogan tem ampliado o espaço de manobra estratégica da Turquia por meio da diplomacia. Ele assinou acordos energéticos com a Rússia, permitindo que a estatal Rosatom construa, possua e opere a primeira usina nuclear turca; mediou conflitos armados, como a guerra entre Rússia e Ucrânia; e mobilizou apoio contra as ações militares de Israel em Gaza.
A solicitação da Turquia aos BRICS não é diferente. Trata-se menos de romper laços com o Ocidente e mais de reconfigurá-los, em favor de alianças mais amplas e diversificadas, que são importantes para os interesses nacionais turcos a longo prazo, especialmente à medida que as perspectivas de adesão à UE diminuem e os laços estratégicos com os EUA enfraquecem.
A tentativa da Turquia de aderir à UE há décadas tem sido marcada por frustrações. Ancara buscou a adesão, mas as respostas da UE foram mornas, especialmente após a oposição da França e da Alemanha no final dos anos 2000. Com uma população de 87 milhões, a Turquia seria o maior país da UE e o único membro de maioria muçulmana. O retrocesso democrático após os protestos do Parque Gezi em 2013 e a tentativa de golpe de 2016 não ajudaram a causa do país. Atualmente, embora a Turquia permaneça oficialmente candidata, as negociações de adesão à UE estão paralisadas.
A ambivalência da UE em relação à adesão turca deve-se a preocupações com os direitos humanos e o autoritarismo crescente sob Erdogan. Também existem disputas sobre Chipre e direitos marítimos no Mediterrâneo Oriental. O relatório da Comissão Europeia de 2023 sobre a Turquia deteriorou ainda mais as relações, condenando a erosão democrática e sugerindo que Ancara está longe de alcançar a adesão plena.
As relações da Turquia com os EUA também não foram as melhores. Um ponto importante de discordância foi a compra do sistema de defesa antimísseis S-400 da Rússia, o que levou à remoção da Turquia do programa de caças F-35. Em resposta, a Turquia optou pelos F-16, aproveitando a invasão russa da Ucrânia para modernizar sua indústria de defesa. O conflito também aumentou a influência da Turquia na OTAN, especialmente quando Ancara atrasou a candidatura da Suécia à adesão.
Em meio à guerra em Gaza, o alinhamento de Erdogan com a causa palestina e sua crítica ao apoio ocidental a Israel aprofundaram as divergências entre Ancara e Washington. No passado, o presidente turco também culpou o governo Obama pelo apoio às Forças Democráticas Sírias, lideradas por curdos, durante a guerra civil na Síria, um problema que persiste.
Ainda assim, a Turquia continua indispensável para o Ocidente: agiu como mediadora na guerra Rússia-Ucrânia, mostrando seu delicado ato de equilíbrio entre compromissos com a OTAN e parceria com Moscou. Neste papel, a Turquia conseguiu resultados impressionantes, como a facilitação da maior troca de prisioneiros desde a Guerra Fria.
Para Erdogan, esses acontecimentos confirmam a necessidade de buscar uma forma de não-alinhamento e de direcionar o foco para o Sul Global e entidades não ocidentais. Essa virada da Turquia levou a engajamentos no Oriente Médio, África e América Latina, onde Ancara expandiu suas redes e negócios. Nesse contexto, os BRICS oferecem à Turquia uma oportunidade única de integrar um bloco emergente que representa uma parte significativa do Sul Global, bem como Rússia e China – atores-chave na Eurásia.
Em um mundo marcado por rivalidades entre grandes potências e narrativas conflitantes, a Turquia recupera seu papel de ponte entre o Ocidente, o Sul Global e as potências eurasiáticas. A posição única do país baseia-se em sua localização geográfica e história imperial. Ao solicitar adesão aos BRICS – um grupo informal, mas de alta visibilidade – a Turquia está sinalizando ao Ocidente que não deve ser subestimada.
Por Jorge Heine, professor pesquisador da Escola de Estudos Globais Pardee da Universidade de Boston, e Ariel González Levaggi, diretor do Centro de Estudos Internacionais da Pontifícia Universidade Católica da Argentina.
Fonte: Turkey’s BRICS Balancing Act
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