A crise econômica da Turquia condenará o sistema presidencial?
CRISE – Em alguns dias, a Turquia deixará um ano duro para trás, repleto de retrocessos políticos e econômicos. Duas eleições gerais em 2015 não tinham contribuído nada para a estabilidade do país, em vez disso pavimentaram o caminho para mais tensão, conflito e polarização. Tensões dispararam com a tentativa de golpe de 15 de julho deste ano e continuaram com uma repressão contra o movimento político curdo e sua representação no parlamento, o Partido Democrático dos Povos (HDP). Então, em agosto, a Turquia se juntou os que guerreavam no território sírio, lançando a Operação Escudo do Eufrates, que em sua essência tem mais o objetivo de bloquear o avanço da ala militar do Partido da União Democrática curdo-sírio do que combater o Estado Islâmico. Enquanto que esses desenvolvimentos aumentaram os riscos políticos e geopolíticos da Turquia, uma série de sangrentos atentados suicidas a bomba e o assassinato do embaixador russo em Ancara adicionaram ainda mais para o clima sombrio nas semanas finais de 2016. Dano econômico era inevitável dados os riscos elevados.
A Standard & Poor’s e a Moody’s cortaram a classificação de crédito da Turquia para a avaliação de não-grau de investimento, enquanto que o dólar americano, que havia subido 25% contra a lira turca em 2015, continuou a ganhar terreno, especialmente em outubro. A Turquia terminará o ano com um dólar que está 16% mais caro para comprar com liras turcas. É verdade, a elevação do dólar foi global, mas a lira escorregou mais do que outras moedas.
Sob o partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), o crescimento econômico da Turquia tem dependido fortemente de fundos internacionais, assegurado esmagadoramente através de empréstimos que tem sido na média de 38 bilhões de dólares por ano. Uma aproximação que impulsione os votos e populista ao crescimento sempre esteve à frente: “Seja o que for que consiga os votos está ótimo!”
Focado no setor da construção e orientado para a demanda doméstica, o crescimento econômico do país proporcionou às massas empregos e renda, mesmo se a um nível de salário-mínimo, enquanto escancarava as portas ao acúmulo de débito, seja através de empréstimos ao consumidor ou cartões de crédito. O governo sem pensar muito usou fundos externos para indústrias de exportação e outros setores que poderiam ganhar em moeda estrangeira. Com o consumo doméstico impulsionando o crescimento, rendimentos fiscais indiretos surgiram, contribuindo com gasto aumentado e bem revestido na saúde, benefícios sociais e projetos no transporte. Com essa estratégia, o AKP não estava apenas criando sua própria burguesia, mas também promovendo seu apoio popular enquanto construía um regime autoritário.
Durante esse processo, poucos pareceram pensar que as coisas poderiam um dia atingir um obstáculo. O fardo da dívida externa agora está em 421 bilhões de dólares. Empresas não-financeiras viram seu deficit de moeda estrangeira líquido crescer 218% desde 2009, aumentando de 67 bilhões para 213 bilhões. Um aumento espantoso como esse, empresas endividadas estavam fadadas a levarem fortes golpes do rápido aumento do dólar. Cada centavo de aumento no preço do dólar adicionou 2 bilhões de liras turcas (565 milhões de dólares) à sua dívida. Desde o começo de setembro até final de dezembro, o preço do dólar aumentou de 2,96 para 3,50 liras, com um fardo extra que as empresas acumularam por causa disso, equivalendo a 30 bilhões de dólares.
O aumento do dólar foi propelido não apenas pela fuga de investidores estrangeiros de curto prazo, mas também por turcos que converteram suas poupanças de liras turcas para dólares. Moedas estrangeiras agora constituem 40% dos depósitos. O Presidente Recep Tayyip Erdogan liderou uma campanha convocando os cidadãos a “retornarem à lira turca”, mas ela parece que teve pouco efeito.
Apesar de 2016 ter sido um ano turbulento para a Turquia, o que 2017 herdará dele é ainda mais arrepiante. Não há sinais de que a agregação de risco da Turquia diminuirá no próximo ano. Os ventos que estão soprando em casa e no estrangeiro parecem mais provavelmente que vão causar um estrago sério em vez de ajudar o país a manter seu barco flutuando. A inauguração de Donald Trump como presidente americano em 20 de janeiro e uma escalada da taxa da Reserva Federal dos EUA esperada para março provavelmente desencadearão fugas de capital novas de economias emergentes, incluindo a Turquia. Não apenas a “atratividade” dos Estados Unidos mas também a “repugnância” da Turquia influenciarão as decisões de investidores de curto prazo.
Com nenhum progresso para remediar os rebaixamentos da Standard & Poor’s e da Moody’s, a Fitch parece fadada a seguir pelo mesmo caminho em janeiro. O único caminho de diminuir a fuga de dinheiro estrangeiro é o banco central aumentar grandemente as taxas. Isso, por sua vez, significará uma Turquia prensada ente entre moeda estrangeira cara e altas taxas de juros. A percepção da Turquia feita pelos investidores estrangeiros como um país arriscado será ainda mais agravada pela pressão de Erdogan para um regime presidencial.
Debates sobre a emenda elaborada pelo AKP para introduzir um novo sistema de governo começaram em 20 de dezembro na Comissão Constitucional do Parlamento entre discussões e brigas. O HDP e a principal oposição, o Partido Popular Republicano, insistem que proposta desrespeita os princípios fundamentais de estados democráticos e o estado de direito, isto é, a separação de poderes e o princípio de fiscalização e harmonia. O projeto de lei faz do presidente o único poder executivo, elemina o posto de Primeiro-Ministro e permite ao presidente permanecer na liderança de um partido político. As eleições presidenciais e parlamentares seriam realizadas simultaneamente, e o presidente teria o poder de dissolver o parlamento e declarar estados de emergência, juntamente a outras autoridades não-democráticas concentrando o poder executivo e judicial nas mãos de uma única pessoa.
Oposição ao projeto de lei está crescendo dentro e fora do parlamento entre especulações de que atá alguns membros do AKP e seu parceiro, o Partido da Ação Nacionalista, possam recusar apoio ao projeto de lei durante a votação na assembleia geral. Se o projeto de lei conseguir angariar apoio de 330 deputados na legislatura de 550 assentos, ele seria apresentado em um referendo em março ou abril, e isso significa que a maior parte da primeira metade de 2017 seria consumida por turbulência política cercando o regime presidencial, que por sua vez aumentaria ainda mais o prêmio de risco da Turquia.
A economia turca encolheu 1,8% entre julho e setembro de 2016, e vários de indicadores de avanço sugerem que a contração continuou no resto do ano também. Entre eles está uma queda na produção industrial, a espinha dorsal da produção doméstica bruta, uma taxa de emprego que piora, uma diminuição em importação e equipamentos e retorno de impostos indiretos mais baixo, que apontam para uma diminuição da velocidade no consumo. Como resultado, o crescimento geral da economia turca neste ano provavelmente ficará por volta de 1,5%, bem abaixo do objetivo do governo de 3,2%.
Uma crise seguirá oficialmente de a contração se estender até os primeiros três meses de 2017. Os prenúncios já estão visíveis: as falências de fato, despendimentos e tensões no local de trabalho por expectativas não atingidas de aumentos de pagamento. Aprofundando ainda mais as preocupações, as famílias estão sob o desgaste de empréstimos e dívidas de cartão de crédito, totalizando 250 bilhões de liras turcas (71 bilhões de dólares).
Resumindo, a Turquia está se preparando para outro ano sofrido e agitado, e um dos objetivos primários do AKP é realizar o referendo sobre o sistema presidencial no período mais curto possível, antes que a crise comece a atacar os eleitores para valer no local de trabalho e no mercado.
Mustafa Sonmez
Fonte: www.al-monitor.com