Para onde vai a economia turca
Por Vahap Uysal*
A Turquia já foi a estrela em ascensão do Oriente Médio. O presidente Recep Tayyip Erdogan implementou políticas econômicas liberais decisivas. A taxa de crescimento do PIB atingiu 4,5% ao ano, enquanto o PIB per capita ultrapassou US$ 10 mil entre 2001 e 2010. A Turquia também tornou-se um destino atraente para turistas e investidores estrangeiro
A Turquia também tornou-se um destino atraente para turistas e investidores estrangeiros. Enquanto o número de turistas que visitaram a Turquia cresceu de 8 milhões em 2001 para 28 milhões em 2010, o investimento estrangeiro direto chegou a US$ 16 bilhões em 2010, ou seja, 60% de crescimento em relação ao investimento direto estrangeiro em 2005.
Os fundos de private equity também demonstraram interesse em investir na Turquia. Por exemplo, a Kohlberg Kravis Roberts & Co, uma firma de private equity americana, adquiriu a U.N Ro-Ro, um serviço de balsas, na Turquia, operadora de 12 embarcações, por mais de US$ 1 bilhão em 2007. Isso não só melhorou o poder de compra dos cidadãos turcos,mas também elevou os preços dos imóveis, o que terminou produzindo uma bolha imobiliária.
Os imóveis tornaram-se tão lucrativos que até mesmo importantes industriais turcos investiram pesadamente no mercado imobiliário. Por exemplo, Nazif Zorlu, magnata do setor eletrônico, pagou US$ 800 milhões pelo Zorlu Center, em Istambul, em 2007. Os atraentes retornos no setor imobiliário não passaram despercebidos também aos políticos. A concessão de licenças de construção tornou-se um negócio lucrativo para os políticos.
Por exemplo, em conversa telefônica interceptada postada no YouTube, o próprio presidente Erdogan mostrou-se zangado com alguns funcionários municipais de Istambul, quando eles emitiram licenças de construção sem seu consentimento. Em outro áudio, Ali Agaoglu, um destacado magnata do mercado imobiliário, diz ter doado US$ 100 milhões para a TURGEV, uma organização sem fins lucrativos controlada pela família Erdogan, para obter licenças de construção adicionais.
Depois que essas conversas tornaram-se evidência no escândalo de corrupção na Turquia em 17 de dezembro de 2013, o presidente Erdogan qualificou o caso como uma tentativa de golpe contra seu governo e culpou Fethullah Gulen, um recluso intelectual islâmico auto-exilado nos EUA pela orquestração do golpe. Gulen tem um grande número de seguidores entre a população com bom nível educacional na Turquia, pois ele tem incentivado a educação, o diálogo inter-religioso e instituições de caridade sociais na Turquia e no exterior. Todos os policiais, juízes e promotores associados com o caso terminaram sendo presos.
Posteriormente, as coisas começaram a dar errado para a Turquia, que atravessou uma série de crises internacionais: a crise dos refugiados sírios, a crise do Isis, ataques terroristas e a crise envolvendo a Rússia – para citar apenas algumas. Qualquer dessas crises seria suficiente para assustar os investidores estrangeiros e os turistas, distanciando-os da Turquia e, coletivamente, eles assim fizeram. Investidores ocidentais deixaram a Turquia um a um: a KKR vendeu a Ro-Ro com um prejuízo superior a US$ 200 milhões em 2014. A PayPal e o HSBC também decidiram suspender suas operações na Turquia. Também o turismo esfriou, caindo 40% em 2016.
A fuga de investidores estrangeiros e o declínio no turismo ampliaram o déficit em conta corrente, gerando uma tempestade perfeita para a economia turca. Em resposta, o Banco Central da Turquia tentou aumentar os juros para estabilizar o câmbio, mas o presidente Erdogan se opôs fortemente a aumentos dos juros. O presidente Erdogan declarou que esses aumentos são atos do “lobby dos juros” e não são benéficos para a Turquia. A tentativa de aumentar os juros custou a Erdem Basci, o presidente do Banco Central da Turquia, seu cargo. O mandato de Basci não foi renovado, e o novo presidente do BC, Murat Cetinkaya, baixou os juros logo após sua nomeação.
Por outro lado, o governo não poderia aumentar os impostos enquanto a Turquia vivia três ciclos eleitorais. Assim, as autoridades econômicas optaram pela terceira alternativa: convidar dinheiro não documentado à Turquia. O Parlamento turco aprovou uma série de leis que não exigem dos investidores que declarem a fonte de seu dinheiro. Não há limite para trazer dinheiro na forma de bens pessoais e nenhuma declaração é exigida. Geralmente, os investidores que tinham uma renda questionável compravam imóveis na Turquia, provocando novas altas nos preços. Assim, a Turquia tornou-se um paraíso de lavagem de dinheiro para investidores.
O choque final para a economia turca veio com a tentativa de golpe em 15 de julho de 2016. Um grupo de oficiais militares rebelados tentou assumir o governo. O presidente Erdogan rapidamente aproveitou-se da situação e mais uma vez acusou Gulen pelo golpe fracassado. Posteriormente, ele expurgou mais de 70 mil cidadãos no setor público e declarou lei marcial, que suspende os direitos civis e permite ao governo apropriar-se de propriedade privada. Além disso, mais de 1,5 mil reitores foram convidados a demitir-se, o que sugere futuras demissões em massa no meio acadêmico. Com a intensificação do expurgo, os profissionais com educação superior na Turquia estão agora procurando maneiras de deixar o país.
Os recentes eventos na Turquia não só diminuíram os direitos de propriedade, como também estão pressionando os empresários turcos e as pessoas com nível educacional elevado a sair do país. Tanto capitais tradicionais como capital humano estão atualmente deixando a Turquia em enorme escala. Além disso, os atuais preços dos imóveis não são sustentáveis a longo prazo. Assim, as medidas tomadas pelo presidente Erdogan na esteira do golpe fracassado apenas martelaram o último prego no caixão da economia turca. (Tradução de Sergio Blum).
Vahap Uysal é professor associado de Finanças da Universidade DePaul
Obs.: Este artigo foi publicado originalmente no Valor.