A Turquia e o dilema curdo
É um choque frontal. Entre a Turquia e os EUA. E o motivo parece, à primeira vista, ser insignificante. No caso, o centro do conflito é a cidade de Afrin, em território sírio, mas próxima da fronteira turca, e que está nas mãos de um grupo curdo (o Partido da Unidade Democrática, PYD, o ramo sírio do PKK do Curdistão turco) que Ancara considera ser uma organização terrorista. O exército americano tem usado o ramo militar do PYD como a sua tropa terrestre no combate ao Daesh, chamando-lhes Forças Democráticas Sírias (SDF). Nome que para o Presidente Erdogan serve apenas para tentar enganar os distraídos. Afrin é importante para a Turquia porque há muito que é usado como pólo das atividades do PKK em território turco. Isto para já não se falar da tentativa de balcanização da Síria, um dos objetivos dos EUA. As ações militares turcas contra o PYD em Afrin causaram já protestos de Washington, que quer criar uma zona-tampão (que é música para os ouvidos de Israel) entre o Irão e a parte ocidental da Síria. Os curdos servem esse objectivo. Em sentido contrário, a Rússia deseja que o conflito da Síria acabe rapidamente, a tempo de Vladimir Putin festejar a sua recondução.
O jogo é complexo. Porque face à disposição de os EUA criarem um exército de 30 mil soldados de maioria curda que controlaria de quilômetros na Síria, como se fossem uma “força de segurança fronteiriça” na fronteira com a Turquia, é vista em Ancara e Damasco como a tentativa de criar ali um mini-Estado. Algo que pode redundar num novo conflito armado. E que, paradoxalmente, aproxima dois países que durante muito tempo estiveram em lados opostos do conflito: a Síria e a Turquia. Contra os curdos (e os EUA), sírios e turcos têm agora tudo em comum. A Turquia sabe que, efetivamente, o PKK controla as forças do PYD e isso iria permitir, num estado policiado na sua fronteira pelos EUA, que existissem mais ataques no interior de território turco. O próprio nome inventado pelos americanos Forças Democráticas Sírias, para a sua tropa curda no terreno, é hilariante: ela não está minimamente interessada em defender a Síria como um Estado. Quer a sua partilha. É por isso que este novo jogo americano em território sírio, fustigando a Turquia, pode fazer nascer um novo conflito. Algo que parecia evitável depois da derrota militar do Daesh e do fim da aventura da “independência” curda do Iraque.
Fernando Sobral