Cresce pressão na Turquia por estilo de vida conservador
Embora não haja leis impondo o véu islâmico ou proibindo roupas curtas, conduta liberal pode redundar até em agressão física, mesmo nas metrópoles turcas. Mulheres reagem com campanhas: “Bota o short e vai para a rua”. Para jovens mulheres liberais numa cidade grande e moderna como Istambul, liberdade e equiparação dos sexos nem sempre são direitos líquidos e incontestáveis. Embora o governo do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) afirme sempre não tolerar ingerências nas vidas pessoais, muitas turcas se sentem crescentemente impelidas a se adaptar a um estilo de vida cada vez mais conservador.
Uma das que sentem na pele o problema é Pinar, que pede que seu sobrenome não seja divulgado. Funcionária de uma firma particular em Istambul, por diversas vezes ela foi agredida verbal e até mesmo fisicamente. Isso a aflige.
“Por exemplo, se eu saio à noite e utilizo os meios de transporte públicos, só coloco batom no toalete, ao chegar ao local.” Ela própria também notou que passou a usar menos batom do que antes. E no verão tem sempre à mão um casaco de tricô, “para jogar por cima dos ombros”.
A estudante Buse concorda que a cada dia a vida fica mais rígida na metrópole, principalmente para o sexo feminino. Mas todo o mundo tem direito de se vestir como quiser, argumenta: não se pode praticar violência contra as mulheres só por elas fazerem uso desse direito.
De insultos a pontapés
Do outro lado, acumulam-se os comentários contra um estilo de vida feminino liberal. Recentemente o teólogo İhsan Şenocak declarou ser um pecado as mulheres trajarem calças, fazerem as sobrancelhas ou frequentarem a universidade. Pouco depois dessa declaração ele foi demitido de seu posto como pregador do Departamento de Assuntos Religiosos da cidade de Samsun, mas não está claro se há relação entre ambos os fatos.
O mufti da cidade de Gölcük, Mehmet Yazıcı, igualmente fez a seguinte comparação ambígua em relação às mulheres que não portam véu: “Nas lojas, a mercadoria nas mesas de ofertas, com a embalagem aberta, é vendida pela metade do preço.”
Por vezes as injúrias verbais também se transformam em ataque físico. Em meados de 2017 a estudante Melisa Sağlam foi agredida por um homem, sob a alegação de que trajava calça curta num mini-ônibus. No ano anterior, sob o mesmo pretexto, a jovem enfermeira Ayşegül Terzi recebeu pontapés de um homem, num ônibus em Istambul.
Os homens também
Não só o estilo de vida feminina tem sido questionado. No programa Verdades escondidas, da emissora conservadora FM TV, num debate sobre a ingerência nas vidas particulares, um dos apresentadores disse achar que os homens deviam voltar a se distinguir mais das mulheres, sendo a barba o meio adequado para tal.
Além disso, ambos os sexos “se vestem igual”: “Os homens andam de cabelos longos e sem barba. De longe, parecem mulheres. Deus que os livre das ideias que passam pela cabeça da gente.”
A socióloga Selda Tuncer, da Universidade Van, alerta que comentários desse tipo são uma tentativa de organizar a vida pública e os papéis sexuais. “Os Estados não fazem isso sempre com leis”, o processo transcorre de modo mais sutil, e “em algum momento as pessoas acham que é direito delas impingir o próprio estilo de vida aos outros”. Mas não há leis para impedir tal comportamento, e “o fato de o governo não fazer nada contra significa que, na verdade, é ele que torna isso possível”, aponta a pesquisadora.
Em reação às agressões misóginas, organizaram-se em diversas cidades da Turquia ações nos meios de transporte público e nas ruas, sob o slogan “Não se meta com a minha roupa”. Além disso, um grupo feminino iniciou no Twitter uma campanha com a hashtag #ŞortunuGiySokağaÇık, ou seja: “Bota o teu short e vai para a rua”.
Originalmente publicado em: https://www.terra.com.br/