A dama de ferro turca que fundou um novo partido para desafiar Erdogan
Antiga ministra da Defesa, Meral Aksener foi expulsa no ano passado do partido MHP, após tentativa falhada de afastar o seu líder por causa do apoio dado a Erdogan no referendo. Agora, é vista como a grande adversária do presidente
Meral Aksener não é uma mulher de fugir à luta. Em 1997, era ministra da Defesa quando os militares começaram a movimentar-se para afastar o governo do poder e não hesitou em fazer-lhes frente. Um general ameaçou colocá-la empalada “num espeto oleado em frente ao ministério”. Anos mais tarde, em tribunal, disse: “Fiz o que era suposto fazer”. Recentemente apresentou o seu novo partido, que poderá vir a ser um grande desafio para o presidente Recep Tayyip Erdogan nas eleições de 2019.
“A Turquia e o seu povo estão cansados, o Estado está desgastado e a ordem pública a desfazer-se.
Não há outra maneira senão a mudança da atmosfera política”, disse Aksener, de 61 anos, no lançamento do seu partido, o Partido Bom, no final de outubro, que se identifica como nacionalista, conservador e pró-Europa. “Nós somos a saída, vocês são a saída. O caminho é a forte nação turca de 80 milhões”, prosseguiu a ex-ministra, tendo atrás de si o símbolo do seu partido – um sol amarelo a brilhar num céu azul. “O nosso povo está a dizer claramente o que quer… um novo governo”.
Conhecida como “dama de ferro” ou “mãe turca”, Aksener nasceu a 8 de julho de 1956 em Izmit, uma cidade nos arredores de Istambul, no seio de uma família de imigrantes muçulmanos gregos. O seu interesse pela política surgiu bem cedo, com a eleição de Leyla Atakan, a primeira mulher a chegar a autarca em Izmit, em 1968. Licenciada em História, a agora líder do Partido Bom deixou o seu cargo como diretora de departamento numa universidade em 1994 para, no ano seguinte, ser eleita como deputada. Em 1996, entrou para o governo como ministra da Defesa e nunca mais deixou a política e o foco mediático na Turquia.
Agora, Aksener e o seu Partido Bom são vistos por muitos na Turquia como os grandes adversários de Erdogan nas eleições presidenciais e parlamentares previstas para 2019, tendo potencial para conquistar apoiantes de vários partidos, incluindo o conservador de raízes islâmicas AKP, do presidente, bem como grupos seculares e nacionalistas. Neste momento, apenas cinco dos 550 deputados do Parlamento turco se juntaram à força de Aksener, todos eles vindos do seu antigo partido, o nacionalista MHP – foi expulsa no ano passado, depois de uma tentativa falhada para afastar o líder Devlet Bahceli, cujo apoio ajudou Erdogan a conquistar uma curta vitória no referendo de abril que deu mais poderes ao presidente.
“O partido de Meral Aksener vai levar a grandes mudanças na atmosfera política da Turquia”, disse à Reuters Hakan Bayrakci, da empresa de sondagens SONAR. “Isto pode não ser imediato, mas dentro de três a cinco meses acredito que essa mudança será visível”. “A forma como ela transmite a mensagem dos que se opõem a Erdogan, ou se sentem desconfortáveis como a sua governação, penso que ela fez um trabalho fantástico em passar essa mensagem”, afirmou à revista Time Gonul Tol, diretor do Centro de Estudos Turcos do Instituto do Médio Oriente em Washington.
Curiosamente a mensagem da “dama de ferro” turca atrai o mesmo tipo de eleitores que têm apoiado Erdogan e, por isso mesmo, representa uma ameaça única para o presidente: nacionalistas, religiosos e pró-mercado. Aksener tem também uma posição hostil em relação aos separatistas curdos, diz ser a favor da presença de três milhões de refugiados sírios no país, mas mostra “preocupações” em relação à sua presença.
“O nome dela chama a atenção, ela entusiasma as pessoas. Ela é uma candidata que pode realmente ganhar”, defendeu recentemente Soli Özel, professor de Relações Internacionais na Universidade Kadir Has, em Istambul. “A coisa mais importante sobre a candidatura de Aksener é a necessidade desesperada da classe média turca em ter um candidato e um partido fora da oposição oficial nos quais eles possam votar em boa consciência”, acrescentou o mesmo especialista.
Uma sondagem divulgada no passado dia 1 mostra que o partido de Meral Aksener poderá custar ao presidente um apoio crucial e potencialmente ocupar o lugar de maior partido da oposição. O estudo de opinião, feito pela Gezici, mostra que o Partido Bom poderá protagonizar uma dramática mudança na cena política turca, eclipsando o secular CHP.
Apesar de contar atualmente com cinco deputados, esta sondagem sugere que o Partido Bom pode conquistar eleitores de outras formações políticas, incluindo o AKP de Erdogan, no poder desde 2002. Aliás, este estudo de opinião mostra que o partido do presidente cai para 43,8% das intenções de voto, menos 5,7 pontos percentuais do que teve nas eleições de novembro de 2015.
Já o Partido Bom arrecada 19,5%, batendo o CHP, com menos um ponto percentual, o que seria a primeira vez desde as eleições de 2002 que a força secularista não seria o principal partido da oposição. Os nacionalistas do MHP, o antigo partido de Aksener, e o pró-curdo HDP surgem abaixo dos 10% necessários para entrar no Parlamento.
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