O homem no cerne da disputa entre EUA e Turquia está prestes a ir a julgamento
No centro de uma disputa cada vez mais amarga entre os Estados Unidos e a Turquia está uma demanda de um irado Presidente Recep Tayyip Erdogan de que os promotores americanos libertem um negociante de ouro turco-iraniano que está prestes a ir a julgamento por acusações de lavagem de dinheiro e fraude.
O confronto ficou mais afiado na quinta-feira dia 12, pois Erdogan protestou em Ancara que o empresário, Reza Zarrab, estava sendo forçado como um “testemunha falsa” da corrupção. A Turquia alarmou Washington ao prender um funcionário do consulado americano na semana passada, em o que algumas autoridades americanas temeram ter sido uma tentativa de ganhar vantagem para a soltura de Zarrab antes do início em 27 de novembro para o seu julgamento em Nova Iorque. As autoridades turcas e americanas planejam se reunirem na próxima semana para conversas que aliviem as tensões.
Que sujeira poderia Zarrab soltar no tribunal? Uma possível prévia veio em um recurso no tribunal em maio de 2016 pelo então procurador dos Estados Unidos Preet Bharara. Citando um relatório de um promotor turco de dezembro de 2013, a nota de Bharara dizia que a evidência turca “descreve um imenso esquema de propina executado por Zarrab e outros, pagando a funcionários do governo a nível de gabinete e altos-funcionários de bancos dezenas de milhões de Euros ou Dólares americanos para facilitar as transações da rede de Zarrab para o benefício do Irã” para evadir as sanções americanas contra esses país. A nota de Bharara indicou que essas “conclusões são corroboradas por e-mails obtidos através da investigação do FBI.”
A campanha de Erdogan para libertar Zarrab tem sido extraordinária. Ele exigiu sua soltura e também a demissão de Bharara em uma reunião privada com o então Vice- Presidente Joe Biden em 21 de setembro de 2016, em que autoridades americanas dizem que metade da conversa de 90 minutos foi devotada a Zarrab. A esposa de Erdogan defendeu o caso naquela noite a Jill Biden. O então ministro da justiça da Turquia, Bekir Bozdag, visitou a então Procuradora Geral Loretta E. Lynch em outubro para argumentar que o caso estava “baseado em nenhuma evidência” e que Zarrab deveria ser solto.
Erdogan apelou pessoalmente quanto a questão em suas duas últimas ligações telefônicas com o ex-Presidente Barack Obama, em dezembro e no começo de janeiro, dizem os antigos auxiliares. “Nossa suposição de operação foi que a obsessão de Erdogan com o caso foi de que se ele avançasse, informações seriam reveladas que prejudicariam sua família, e por fim, ele,” disse um antigo funcionário de Obama.
O governo de Erdogan começou a cultivar o time de Donald Trump antes da eleição. Michael Flynn, na época um auxiliar de campanha, foi contratado como um lobista pró-turquia, e sua firma continuou a receber dinheiro turco durante a transição. Depois que Flynn renunciou ao cargo de conselheiro de segurança nacional em fevereiro, os turcos começaram a trabalhar com Rudy Giuliani, um conselheiro próximo a Trump.
O caso é tóxico a Erdogan porque cruza com o seu nêmesis, o auto-exilado clérigo turco Fethullah Gulen, que vive na Pensilvânia. Erdogan culpa os seguidores de Gulen por reunirem e vazarem as evidências de 2013 sobre Zarrab, que reportagens da mídia turca dizem que incluía alegações contra a família de Erdogan. Quando Erdogan se encontrou com Biden um ano atrás, ele alegou de forma bizarra que Bharara era uma ferramenta gulenista, de acordo com um antigo funcionário.
O envolvimento de Giuliani é um dos muitos aspectos incomuns deste caso. Ele contactou Bharara em 24 de fevereiro para informá-lo que planejava viajar para Ancara em nome de Zarrab. Trump demitiu Bharara em março; por volta dessa época, Giuliani começou a pressionar o Departamento de Justiça por “algum acordo entre os Estados Unidos e a Turquia” para auxiliar os “interesses americanos” e ajudar Zarrab, disse Giuliani em um recurso no tribunal.
Apesar dessas várias tentativas de parar o processo, o caso seguiu em frente — e até se alargou em um indiciamento expandido no mês passado que nomeou um antigo ministro do gabinete turco e três outros turcos proeminentes. O então Ministro da Justiça Bozdag em 11 de setembro condenou as acusações expandidas como outra “tentativa de golpe.” Erdogan vê um complô gulenista por detrás das alegações de 2013 contra o seu círculo íntimo e do golpe militar fracassado de julho de 2016.
Erdogan pode ter esperado que Trump apoiaria sua investida para libertar Zarrab. E Trump inicialmente pareceu simpatizar com o líder turco, convidando-o a Washington para uma reunião em maio. Mas essa visita foi manchada quando a equipe de segurança de Erdogan atacou manifestantes no lado de fora da residência do embaixador turco; e o espaço de manobra de Trump se estreitou por causa de investigações cercando sua administração.
Algumas autoridades americanas temem que Erdogan possa estar buscando barganhar com a detenção do pastor Andrew Brunson, preso um ano atrás sob acusações de que apoiou Gulen, e a prisão na semana passada de Metin Topuz, um funcionário de longa data do consulado dos EUA em Istambul, que um jornal turco alegou estar em contato com um promotor pró-Gulen lá em 2013. E o próprio Erdogan sugeriu no mês passado uma troca de Brunson por Gulen.
A expressão “aliado da OTAN” é repetida com tanta frequência a cerca da Turquia que obscurece quão antagônicas e autocráticas as recentes ações da Turquia foram. Washington está preocupada com o que vem a seguir.
Por David Ignatius