Erdogan será enganado novamente
Em 26 de setembro, um dia após do referendo curdo, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan fez um discurso severo criticando Massoud Barzani, o líder do Governo Regional do Curdistão (GRC). Erdogan questionou o que Barzani possivelmente poderia estar esperando desse referendo dado o fato que ele não pode pagar os salários dos seus próprios burocratas e teve que pegar emprestado 1,5 milhão de dólares da Turquia. Erdogan ficou desapontado pois Barzani nem sequer se incomodou em consultar ele sobre esse referendo. Erdogan disse: “Até o último minuto, não esperávamos que Barzani tomasse uma decisão dessas [realizar o referendo], mas estávamos errados. Em uma época quando as nossas relações estão em seu melhor momento, consideramos essa decisão [como sendo] traição contra nosso país.” Erdogan também enfatizou suas dúvidas sobre a participação dos eleitores e a legitimidade dos resultados do referendo, enquanto destacava repetidamente a interferência israelense em prol de um Curdistão independente. Erdogan alertou que tentativas de se realizar a independência curda prejudicaria tanto as relações entre Turquia e Israel quanto entre Turquia e o GRC. Ainda assim, ele não pronunciou uma palavra sobre o apoio de outros países árabes ao GRC.
De seu longo discurso, uma frase ressoou especialmente nas mídias sociais turcas. #YineKandirilmislarYetisin (Socorro, eles foram enganados novamente) começou a subir imediatamente com centenas de comentários satíricos. A confissão de ser enganado é uma ferramenta que Erdogan frequentemente usa a qualquer momento que suas relações fraternas entram em colapso. Ele já usou argumentos similares para o líder sírio Bashar al-Assad, o presidente americano Barack Obama, o Partido Democrático Popular (HDP) curdo e o Movimento de Fethullah Gulen, para dar o nome de apenas alguns. Contudo, desta vez os comentários não apenas ridicularizaram Erdogan, mas foram críticos e severos, destacando os custos das decisões erradas de Erdogan e políticas desorientadas para o país. Além disso, alguns corajosos colunistas tais como Ahmet Nesin do portal de notícias Arti Gercek inverteu o jogo do argumento de Erdogan, afirmando que a lista dos “que foram enganados por Erdogan” um tanto longa.
No entanto o artigo mais crítico apareceu em 27 de setembro no jornal curdo Rudaw, conhecido por suas ligações próximas com Barzani. (No dia do referendo de 25 de setembro e através de uma reunião de emergência, a agência de censura da mídia turca fechou o Rudaw e alguns outros veículos de mídia curdos.) O editor do Rudaw, Rebwar Kerim Weli, perguntou: “Presidente Erdogan, como você pode ser tão ingênuo?” Na Turquia, as palavras de Weli foram amplamente lidas e publicadas como uma declaração de Barzani de fato. Ele perguntou por que os curdos devem buscar a permissão de Erdogan para realizarem um referendo no Iraque. Ele declarou rudemente que Barzani não enganou Erdogan; em vez disso, Erdogan enganou o povo curdo enquanto buscava os votos que precisava para se tornar presidente. Weli falou da ameaça de Erdogan para impor sanções para o transporte de petróleo bruto do Curdistão e questionou vagamente o porquê de a Turquia não ter fechado a válvula antes e impedido seus navios de transportarem petróleo.
Talvez o mais marcante entre os comentários de Weli foi um sobre a legitimidade da eleição. Ele disse: “Para o seu sistema presidencial, o referendo receber uma votação de 51,4% é visto como legítimo, mas não 92% no Curdistão? Isso é porque somos curdos?”
Incapaz de digerir seus fracassos, Erdogan poderia estar usando o argumento de “estar sendo ‘enganado’” como um escudo. Essa é a explicação de estudiosos tais como Timur Kuran, um professor de economia e ciência política e professor da Gorter Family de Estudos Islâmicos na Duke University. Ele contou ao Al-Monitor: “Erdogan tem bancado a vítima desde o início de sua vida política. Ele cultivou a imagem de uma pessoa de coração grande e de confiança que é vitimizada por políticos astutos por causa de sua ingenuidade. Sua base aderiu a essa imagem. Portanto, quando ele diz que Gulen, Obama ou Barzani o enganaram, isso ressoa com sua base. Seus seguidores imaginam que ele negociou com eles de boa fé, apenas para ser apunhalado [nas] costas.” Para explicar a forma de pensar de Erdogan, devemos olhar para além dos interesses nacionais da Turquia, para as necessidades de sobrevivência de Erdogan.
Em 1º de outubro, Erdogan sugeriu que os legisladores do HDP pertencem à Montanhas Qandil do Iraque — o quartel-general do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Mas os seus conselheiros têm passado mensagens completamente diferentes. Por exemplo, o principal conselheiro de Erdogan, Ilnur Cevik, dissem em 22 de junho: “A Turquia enfrentará o obstáculo de um estado curdo independente mais cedo ou mais tarde. Os curdos têm o direito de construírem o seu próprio estado.” Ele questionou o que aconteceria depois disso e comentou que teriam que esperar para ver. Elogiando Barzani como um estatista astuto, Cevik disse: “Eles têm um plano.” Foi em junho quando Cevik contou ao público que a Turquia é contra um referendo pois teme que isso levaria a ainda mais instabilidade, acrescentando: “Se o Curdistão declarar independência, a Turquia não vai impor um bloqueio. Olhem para o Qatar [referindo-se ao boicote liderado pelos sauditas]. Nós estamos ajudando eles. Em nossa cultura, não há descanso se o seu vizinho está passando fome.” Essa não é uma declaração suficiente para desacreditar a alegação de de Erdogan de surpresa com o referendo curdo em setembro? De fato, Erdogan permitiu que não apenas seus conselheiros mas também os legisladores curdos de seu partido, tais como Galip Ensarioglu e Orhan Atalay se manifestarem em defesa de um Curdistão independente do Iraque como um “direito dado por Deus” que a Turquia não tentaria bloquear.
No entanto Erdogan ameaça grosseiramente os curdos com fome fechando oleoduto e mais tacitamente com ataques surpresa no meio da noite. Os órgãos de mídia pró-Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) estão publicando artigos intitulados “Barzani ludibriou seu povo por votos,” fazendo alegações infundadas de caos e pânico em Erbil, Kirkuk, Sulaimaniyah e outras cidades.
Quando lhe perguntaram como podemos explicar a situação tensa entre os antigos amigos Barzani e Erdogan, Alp Altinors, membro do conselho do HDP, contou candidamente ao Al-Monitor que outra das “alianças infames de Erdogan entrou em colapso.” Altinors disse: “Erdogan utilizou aparições públicas com Barzani como um meio de esconder suas políticas anti-curdas, para equilibrar o PKK e contra o governo central do Iraque, que é controlado por xias.” Foi Erdogan que assinou o contrato de 50 anos com Barzani para os lucros do oleoduto de petróleo bruto, e novamente foi o governo de Erdogan que exibiu oficialmente a bandeira curda em 26 de fevereiro. Esse é o país onde pessoas foram presas por vestirem as cores vermelha, verde e amarela do Curdistão sob as acusações de fazerem propaganda terrorista.
Altinors acrescentou que Barzani também serviu às políticas anti-curdas de Erdogan na Turquia. Ele disse: “O porta-voz do Partido Democrático Curdo [KDP] da Turquia, Rojhad Amedi, fez uma confissão histórica de que ‘a maioria das organizações do AKP nas cidades curdas da Turquia de fato pertencem ao KDP.’ Quando o AKP arrasa cidades curdas como Sur, Sirnak e Cizre até o nível do chão [com a desculpa de combater o PKK], o KDP não teve preocupações em declarar abertamente seu completo apoio ao AKP. Enquanto que o AKP prendeu líderes curdos da Turquia no parlamento e também membros do governo local, Barzani fez campanha juntamente a Erdogan pelo voto “sim” no referendo de 16 de abril [para expandir os poderes presidenciais]. Enquanto isso, Erdogan e seus homens estão preocupados não apenas porque a sua única aliança que resta (a com Barzani) na região está entrando em colapso, mas também porque a alegação deles de que estão batalhando o PKK e não os curdos também se encerra aqui.”
De fato, o PKK e sua ramificação, os Falcões da Liberdade do Curdistão, pararam suas operações em alvos urbanos dentro da Turquia em dezembro de 2016. O Al-Monitor ficou sabendo que o alvo do PKK é ser removido da lista de organizações terroristas e as varreduras extensas da Agência de Inteligência Turca no país foram as duas mais importantes causas para a suspensão das atividades terroristas. Contudo, militares de alta patente e oficiais de segurança em Ancara estão preocupados que a retórica energética poderia de fato alienar os curdos tanto no sudeste quanto em outras partes da Turquia.
Nós podemos ver no diálogo de Erdogan com o colunista do Hurriyet, Abdulkadir Selvi, que ele ajustará a ferocidade de suas explosões de raiva para assim não ofender as pessoas da região. No entanto pode ser um pouquinho mais difícil do que Erdogan espera. Um empresário iraquiano que pediu para permanecer anônimo e está altamente investido no Curdistão contou ao Al-Monitor: “Erdogan agora espera se aliar com Bagdá e Teerã, mas ele não manteve suas promessas à nenhuma das duas. As pessoas aqui estão simplesmente apostando para ver quando e como Erdogan irá fazer uma reviravolta desta vez. Ele não tem credibilidade.” Os curdos não esqueceram a indiferença de Erdogan quanto ao sítio do Estado Islâmico a Kobani, mas eles também sabem que ele entrará em modo de defesa imediatamente se a sua própria sobrevivência estiver em risco.]
Pinar Tremblay
Fonte: www.al-monitor.com