A Reação do Iraque e da Turquia ao Resultado do Referendo da Independência no Curdistão
Em 25 de setembro último foi realizado o referendo, pelos curdos do Iraque, em busca da independência. A votação ocorreu na região autônoma, ao Norte do país, nas províncias de Erbil, Solimaina e Duhok. Os curdos estão espalhados por quatro países, o Iraque, a Síria, a Turquia e o Irã, formando um contingente populacional de aproximadamente 35 milhões de pessoas. Pode-se dizer que este povo tem a maior população sem pátria do planeta. Vítima de perseguições e massacres por parte dos Governos locais, há bastante tempo eles lutam pela liberdade e pela construção do seu próprio Estado. Historicamente, os curdos têm sido “joguetes” nas mãos de potências regionais, cujo destino, no passado e no presente, tem sido traçado de acordo com os interesses de poderes locais ou internacionais.
O Tratado de Sèvres, assinado em 1920, pelos aliados da Primeira Guerra Mundial e o Império Otomano, previa um Curdistão autônomo mas, na sequência dos acontecimentos, nem sequer chegou a ser ratificado pela Turquia. O Movimento Nacional Turco recusou tal acordo e, com a chegada de Mustafa Kemal Atatürk ao poder e a fundação da República Turca, em 1923, as “potências mudaram de opinião”. No ano seguinte, por meio do Tratado de Lausanne, a autonomia curda sofreu um retrocesso na medida em que a possibilidade de um Curdistão autônomo deixou de existir e foi substituída pela divisão dos territórios curdos pela Turquia, Iraque, Síria e o Irã. Desde então, a etnia curda forma uma minoria dentro destes países e é combatida na tentativa de inviabilizar a sua autonomia. O referendo da independência do Curdistão aumentou a tensão, não somente no Iraque, mas nos demais países com presença curda. A vitória expressiva do “Sim” a favor da independência (92,73%) e a importante participação popular, que chegou aos 72,16%, gerou desconforto por parte daqueles que são contrários à independência dos curdos. O impacte do resultado deste referendo foi sentido principalmente pelo Iraque, pela Turquia e pelo Irã e, de certo modo, também deixou as potências ocidentais em estado de alerta.
Na quarta-feira passada, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, exigiu a anulação do resultado do referendo por considerar um perigo para os iraquianos. Em tom de ameaça, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, afirmou que as autoridades curdas do Iraque “vão pagar um preço” pela realização do referendo, ignorando a oposição dos países vizinhos. O Ministério da Defesa do Iraque comunicou recentemente que pretende retomar o controle da fronteira da região autônoma por meio de uma coordenação conjunta com a Turquia e o Irã. Neste contexto, o parlamento iraquiano propôs que o Governo central assuma o controle dos poços de petróleo que estão sob a administração do Governo regional. Os EUA já se manifestaram pelo não reconhecimento do resultado do pleito realizado pelos curdos, assinalando a defesa de um “Iraque unido, federal, democrático e próspero”. A posição dos EUA, assim como de outras potências como a França, o Reino Unido e a Alemanha, já era conhecida pela recusa da realização do referendo sob a justificativa de que é necessário manter a unidade do Iraque no combate ao Estado Islâmico e que os curdos são o destaque nesta empreitada. A análise das declarações dos diferentes países quanto ao resultado do referendo do Curdistão iraquiano, mostra o distanciamento existente entre a disputa ideológica dos curdos e dos poderes constituídos, a par da defesa de interesses regionais e estrangeiros que se colocam acima da democracia e do direito de autodeterminação de um povo que tem uma cultura e uma língua próprias e que luta por um território no qual possa construir um país a partir da sua identidade.
Marli Barros Dias
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Imagem:
Curdos celebram o resultado do referendo da independência do Curdistão em 25/09/2017.
(Fonte):
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