Por que uma cineasta fez um filme sobre os gatos de Istambul
Os personagens principais são sete gatos, com perfis bem definidos: o chantagista, o amante, o psicopata, o sociável, o caçador, o cavalheiro, o sedutor. A câmera os segue por becos, telhados e calçadas em Istambul, a maior cidade da Turquia.
A aposta de “Gatos” (“Kedi”, no nome original em turco), um documentário que acompanha sete gatos turcos no seu dia a dia, parece óbvia. Afinal, a internet é uma farra de vídeos felinos, a ponto de “vídeo de gatinho” ser quase um sinônimo de “conteúdo viral bobo”. Não é surpresa que o próprio YouTube tenha colocado o filme em sua seção de conteúdo pago (para assistir no YouTube Red custa R$ 24,90).
“Sabemos que o público do YouTube tem uma fascinação interminável por tudo que diz respeito a gatos”, afirmou Susanne Daniels, executiva da plataforma de vídeos ao jornal americano Variety. Segundo ela, o documentário é “visualmente impressionante”.
A trajetória de “Gatos” (em cartaz no Brasil) tem sido bem-sucedida nos Estados Unidos. O filme arrecadou cerca de US$ 2,5 milhões no primeiro semestre de 2017 no país. É o terceiro melhor resultado para um documentário em língua estrangeira nos EUA (ele fica atrás de “Bebês”, de 2010, e de “Pina”, de Wim Wenders). No site Rotten Tomatoes, que reúne resenhas e avaliações de usuários, ele conta com uma aprovação de 97%.
A relação entre gatos e humanos
A diretora do documentário, Ceyda Thoun, explica entretanto que a obra pretende ser muito mais do que uma experiência de imagens fofas. Sua intenção é mostrar a fascinação especial que os habitantes da cidade têm em relação aos felinos.
“Quando não-turcos vêm visitar eles comentam a particularidade dessa situação”, disse à diretora ao Guardian. “Entrevistamos um veterinário zoólogo que nos mostrou um esqueleto de gato encontrado em uma escavação… de 3.500 anos atrás. Ele tinha uma rompimento no osso da coxa que só poderia ter cicatrizado do modo como foi se um humano tivesse enfaixado a pata. A teoria do veterinário era de que essa relação — cuidando de gatos e gatos ajudando a manter os ratos longe — vem de pelo menos aquela época”.
De acordo com Thoun, os gatos fazem parte da “memória coletiva” da cidade. “As pessoas tendem a idolatrar a liberdade que os gatos têm, sua habilidade de entrar e sair de quase todo lugar”.
A cineasta também falou sobre como defender a escolha de um tema como esse diante de tantos fatos graves acontecendo na Turquia recentemente, da questão dos refugiados sírios à repressão do governo do país a opositores. “O que eu sabia era que podia fazer uma carta de amor à cidade e seus gatos. Poderia imortalizar a beleza da cidade — é a minha forma de resistência. Nos EUA, as pessoas estão dizendo: ‘uau, não sabia que os muçulmanos eram assim’”.
Camilo Rocha
Publicado originalmente em: www.nexojornal.com.br