O golpe de Erdogan na Turquia
Passou um ano depois do golpe e o panorama geral da Turquia é assim: Os direitos foram suspensos, a democracia foi internada, o parlamento foi desativado, o estado de emergência ganhou permanência, a oposição está sendo reprimida, centenas de milhares de funcionários públicos foram expurgados, a mídia livre foi silenciada, milhares de escolas e universidades foram fechadas, muitos acadêmicos e intelectuais foram presos, a polícia e o exercito se tornaram “guardiões de revolução”.
A Turquia, que foi vista como um modelo de sucesso na sua região até 5 anos atrás, hoje vem à pauta com assuntos de violação dos direitos humanos, repressão contra a oposição e autorismo de Erdogan. Na realidade, a Turquia nunca teve uma democracia ideal. Houve vários golpes, juntas militares e intervenções aos partidos na sua história recente. O ambiente político sempre foi conturbado por causa das crises econômicas e escândalos de corrupção ligados aos políticos. Em 2002, Erdogan subiu ao palco político com a promessa de “justiça e desenvolvimento” com votos suficientes para governar o país sem coalizão. Ele foi apoiado pela maior parte da sociedade devido à sua batalha com as elites formadas pelos militares e burocratas e seu esforço para fortalecer a economia.
Por isso, ele venceu todas as eleições em que se candidatou. Ele foi envenenado pelo poder que recebeu e mudou sua agenda política logo em seguida do referendo de 2010 que marcou o início do seu terceiro mandato. A partir desse momento, ele sistematicamente silenciou a mídia, estreitou a zona de liberdade e alinhou a burocracia e justiça à sua esfera. Apesar das promessas de luta contra a corrupção e a injustiça, ele esteve sujeito a grandes escândalos de corrupção após 2010. No dia 17 de dezembro de 2013, a polícia lançou a maior operação de corrupção da Turquia em que próprio Erdogan, sua família e 4 ministros do seu governo foram envolvidos. Isso foi o momento de rompimento do país. Erdogan considerou essa investigação como uma “tentativa de golpe contra ele e seu governo” e assim declarou o início da caça às bruxas.
Primeiro, ele destituiu e aprisionou as policiais, promotores e juízes que dirigiam a operação contra a corrupção. Depois, ele confiscou as empresas de comunicação que não obedeciam a ele.
Para Erdogan, esses policiais e juízes eram seguidores de Fethullah Gulen, um clérigo que reside no EUA em exílio e seu ex-aliado a favor da democracia. Assim, Erdogan acusou Gulen e declarou uma guerra contra o Hizmet, movimento inspirado por Gulen. O Hizmet foi chamado de “uma organização terrorista” e milhares foram detidos enquanto as escolas, universidades e veículos de comunicação foram estatizados.
Esse processo continuou assim até 2016 ganhando novas dimensões. O líder autoritário da Turquia controlou 90% da mídia, reprimiu toda a oposição e ganhou autonomia total na burocracia, mas ainda não se sentia seguro. Pois, além de liderar um quartel de corrupção, ele também foi acusado de enviar armas para grupos de oposição na Síria e furar o embargo ao Irã. Por outro lado, enfrentava um crise diplomática após o abatimento de um avião russo por caças turcos. Negociações de adesão à União Europeia quase chegaram a ser encerradas. Mais do que isso, sendo um líder islamista, Erdogan desejava tomar a liderança no Oriente Médio.
Erdogan precisava de uma varinha mágica e encontrou isso na noite do dia 15 de julho de 2016. Alegadamente, um pequeno grupo de soldados tentou derrubá-lo através de uma organização muita fraca e contraditória. Por isso Erdogan chamou essa tentativa de “presente de Deus”.
Até hoje não conseguimos aprender claramente o que aconteceu naquela noite. Há dezenas de perguntas que não foram respondidas ainda. Cada dia mais essa ação misteriosa aumenta as suspeitas e o número de gente procurando a verdade. Conforme os detalhes do relatório do Centro de Estocolmo para a Liberdade (SCF), Erdogan organizou uma operação de bandeira falsa no país por meio da agência de inteligência turca (MIT) para mudar a regime e garantir ficar no poder ao longo da sua vida.
Como Hitler, Erdogan também suspendeu as liberdades, mandou deter os deputados de oposição, fechou cerca de 140 empresas de comunicação e mais de 200 jornalistas foram presos. Mais de 150 mil funcionários públicos foram expurgados e um terço deles foi presos. Como Stalin, ele realizou um expurgo em massa no exército e na polícia.
Erdogan disse que “essa limpeza não poderia ser realizada em condições normais” se referindo ao estado de emergência que ainda está em vigor. Durante esse período de um ano a justiça funcionou como um inquisição, milhares de advogados foram detidos, pessoas foram torturadas, o parlamento foi desativado, todos os mecanismos de auditoria foram desligados e Erdogan garantiu sua estadia vitalícia no poder.
Erdogan arquitetou um golpe controlado para construir uma ditadura descontrolada e acusou Gulen de ser o mentor dessa organização. Além do seus partidários, muitos não acreditam nisso. Logo após do golpe, Selahattin Demirtas, líder do Partido Democrático dos Povos (HDP) disse que “A Turquia pisou numa das maiores armadilhas da sua história” e que isso seria um “golpe contra-golpe”. Kemal Kilicdaroglu, líder do principal partido de oposição, o CHP, chamou isso de “um golpe controlado” e ainda persiste nessa teoria.
A teoria oficial de Erdogan não ganhou muita audiência no exterior. Vários países da Europa, inclusive os EUA, se aproximaram com desconfiança dessa teoria. Pois, muitas autoridades como o Centro de Análise de Informações da UE (Intcen), a OTAN e o Departamento Federal de Investigações (BND) declararam que o governo turco não tem uma prova referente ao envolvimento de Gulen no golpe.
A Turquia está passando por um cruzamento histórico. A decisão da Turquia não é somente uma questão interna, mas isso afetará o balanço na região e ameaçará a segurança do mundo.
Adem Y. Arslan – Jornalista turco em exílio – Washington D.C. (ex-correspondente do jornal Zaman)