Turquia começa a julgar 221 supostos líderes de golpe fracassado
ANCARA — O julgamento de 221 supostos líderes do golpe de Estado frustrado de 15 de julho do ano passado começou nesta segunda-feira em Ancara, tendo como principal suspeito o clérigo exilado nos Estados Unidos, Fethullah Gulen. As acusações contra as mais de 200 pessoas incluem violação da Constituição, assassinato de 250 pessoas e pertencer e dirigir uma organização terrorista, entre outras. O julgamento acontece na prisão de Sincan, na região de Ancara, onde foi construída uma grande sala de audiências para o processo gigantesco.
Entre as 221 pessoas julgadas estão 26 generais e 12 civis. No total, 200 estão em detenção provisória, nove em liberdade sob controle judicial e 12 são consideradas foragidas, segundo a agência governamental Anadolu. Nas proximidades do tribunal muitos policiais foram mobilizados, assim como veículos blindados, um drone e franco-atiradores.
Na chegada ao tribunal, escoltados pelas forças de segurança, os réus foram vaiados por dezenas de manifestantes que pediam a pena de morte. A pena capital foi abolida em 2004, uma das exigências da União Europeia para aceitar a adesão da Turquia, país candidato, ao bloco. Mas desde a tentativa de golpe, Erdogan afirmou em várias oportunidades que estava disposto a restabelecer a pena de morte e mencionou a possibilidade de um referendo sobre o tema.
O ex-comandante da Força Aérea Akin Ozturk, um dos acusados mais conhecidos, deve falar à tarde. Outros acusados conhecidos são o ex-general Mehmet Disli, irmão de um deputado do partido governista AKP, e o coronel Ali Yazici, ex-assessor do presidente Recep Tayyip Erdogan. A leitura dos nomes dos acusados foi interrompida diversas vezes por gritos do público. Algumas pessoas exibiam fotos dos parentes mortos na noite de 15 de julho. Uma mulher, que não parava da gritar traidores, desmaiou e recebeu atendimento médico.
Na sala de audiências, os acusados permaneceram cercados por policiais e militares. Apenas cinco dos nove acusados que são julgados em liberdade estavam na audiência, que foi suspensa até a chegada dos quatro que faltavam, prevista para o início da tarde, quando um juiz lerá as acusações contra os réus.
A tentativa de golpe de Estado de julho do ano passado deixou quase 250 mortos, sem contar os supostos golpistas, e milhares de feridos. Ancara acusa o pregador Fethullah Gulen de ser o idealizador do golpe e pede a Washington sua extradição. Fethullah Gulen, um ex-aliado do presidente turco que se tornou seu inimigo, nega envolvimento com o golpe.
De acordo com a acusação, mais de 8.000 militares participaram na tentativa golpista. Eles utilizaram 35 aviões de guerra, 37 helicópteros, 74 tanques, 246 veículos blindados e quase 4.000 armas leves, de acordo com a Anadolu. Os processos judiciais, amparados pelo estado de emergência instaurado após o golpe, não têm precedentes na Turquia. Mais de 47.000 pessoas foram detidas nos expurgos desde 15 de julho.
PERSEGUIÇÃO DE FUNCIONÁRIOS
A Anistia Internacional criticou a Turquia nesta segunda-feira por despedir milhares de funcionários públicos após o golpe fracassado. As medidas tomadas após a tentativa de tomada de poder provocaram uma perseguição sem precedentes e demissões maciças, que violaram a liberdade de expressão, de associação e o direito à não descriminação, afirmou o grupo de direitos humanos em um relatório. A ONG acrescentou que o governo turco classificou como terroristas professores, acadêmicos, médicos, policiais e soldados, impossibilitando que regressem às suas profissões e os obrigou a depender da ajuda de amigos e familiares ou a trabalhar em empregos irregulares.
Mais de 100 mil funcionários foram destituídos e inabilitados de ocupar cargos públicos através de decretos amparados pelo Estado de emergência vigente no país. Os trabalhadores demitidos foram acusados de ter relações com grupos considerados terroristas. Além disso, mais de 47 mil pessoas foram presas por supostamente ter vínculos com o golpe.
O governo disse que formará uma comissão de apelação para revisar os casos daqueles que asseguram terem sido despedidos injustamente. No entanto, a Anistia Internacional afirma que esta comissão deve ser independente do governo para ser efetiva.
Originalmente publicado em: oglobo.globo.com