Antes do referendo, Europeus boicotam a Turquia e o turismo sofre
ISTAMBUL – Esta cidade histórica que estende-se entre Europa e Ásia já há muito tem lucrado por ser uma das maiores atrações para o turismo no mundo, especialmente para europeus que lotam o distrito Sultanahmet, que é o lar para o museu Santa Sofia, a Mesquita Azul, o Palácio Topkapi e o Grande Bazar.
Mas agora, a maioria desses europeus se foram pois estão bravos com a Turquia pelo que parece ser uma guinada para longe da democracia em direção de um estado autoritário sob o Presidente Recep Tayyip Erdogan, reclamou o vendedor de tapetes Oscar Raci, 43, que tinha passado por 10 dias sem um cliente sequer que comprasse algo.
“Comparado a 18 meses atrás, os negócios caíram 90%”, disse Raci. “Eles acham que os repórteres estão todos na cadeia, que não existe liberdade de expressão na Turquia e que esse cara (Erdogan) é como um ditador”.
Músicos, artistas, gerentes de hotel e outros que dependem do turismo também expressaram preocupação com seu bem-estar econômico com a votação de um referendo constitucional crucial em 16 de abril que poderia determinar sua liberdade política e pessoal.
Em questão está uma investida de Erdogan para expandir os poderes de seu cargo em maior parte cerimonial, uma ação, diz ele, que trará maior prosperidade e estabilidade para a Turquia mas que os opositores temem que apenas aumentará a autoridade de um aspirante a déspota. O referendo constitucional de 16 de abril dividiu profundamente muitos turcos.
Se uma presidência poderosa levará a um país melhor está em aguda disputa. Apoiadores do referendo dizem que mudar o cargo de Erdogan para uma posição mais semelhante à presidência americana vai melhorar a economia e dará à Turquia um líder forte em uma época de enormes desafios.
Os que se opõem à mudança temem que Erdogan prejudicaria a democracia e as tradições seculares da Turquia e instituiria um regime de autoritarismo religioso em esta nação de maioria muçulmana.
Apesar de Raci não apoiar Erdogan, ele disse que as condições na Turquia não estão tão ruins como a percepção estrangeira vê. “Digo o que quero”, disse ele.
Vários outros empresários, contudo, se recusaram a serem fotografados ou pediram ao repórter não mencionar o nome de suas empresas por medo da retribuição do governo.
Isso porque esta cidade de 14,6 milhões de pessoas ainda está cambaleando por causa de uma repressão massiva de juízes, funcionários públicos, educadores e jornalistas que veio logo em seguida de um golpe fracassado em julho passado. Além disse, o país foi secudido por uma série de ataques terroristas e confrontações contínuas entre Erdogan e líderes europeus que questionam seu comprometimento com a democracia.
Pinar Timer, o gerente do Hotel Pera Palace, disse que as reservas caíram 55% nos últimos dois anos no hotel, que foi construído em 1892 para viajantes europeus do trem Expresso do Oriente, tornado famoso pela romancista de crimes Agatha Christie nos anos 1920.
“No oasis de Istambul, as questões diárias com que estamos lidando são em número excessivo”, disse Timer, cuja luxuosa colônia de férias no estilo da Belle Epoque, com sua confeitaria francesa e sala de chá inglês suntuosamente decorada, estava estranhamente quieta, apesar do zumbido de atividade lá fora.
Em um dia recente, poucos visitantes extrangeiros olharam uma exibição com fotografias de atrizes da era de ouro de Hollywood, ou outra com pedras semi-preciosas nativas da Turquia.
O dono do Pera Palace, Demet Sabanci Cetindolan, que vem de umas famílias mais ricas do país, reconheceu que os negócios têm estado “um pouco devagar no momento, mas temos um país grande e em breve a economia vai ficar melhor”.
Mehmet Simsek, vice primeiro-ministro e antigo ministro da economia, contou a um grupo de repórteres na capital, Ancara, que depois de um pequeno recuo em no trimestre depois da tentativa de golpe, o crescimento econômico retomou um modesto 1% no último trimestre. “A Turquia ainda é um grande país de renda média com um empreendedorismo e posicionamento geográfico fortes”, disse ele.
“Se existe alguma história sobre a economia é a história de resistência”, disse o vice primeiro-ministro.
Nem todo mundo concorda. Ibrahim Sayin, 39, que é dono de várias casas noturnas com música ao vivo, disse que os negócios caíram 20% a 40% apesar de suas casas noturnas terem músicos turcos e não serem dependentes de turistas. Sayin disse que o autoritarismo islâmico de Erdogan que vai se infiltrando é uma ameaça ao estilo de vida livre e secular que ele e muitos turcos querem ter – e também que é uma ameaça aos laços econômicos da Turquia com o Ocidente.
“Não queremos a tentativa de golpe, mas não quero alguém para ditar valores sociais, para me dizer que não posso beber ou fazer sexo livre”, disse Sayin conforme fumava um cigarro, virava a cerveja e fazia carinho em uma jovem advogada que descreveu mais tarde como “uma de minhas namoradas”.
A Turquia costumava ter dezenas de jornais independentes, cada um com o seu próprio ponto de vista, disse ele. Mas alguns anos atrás, o governo emitiu multas disciplinares para veículos de mídia que eram críticos do governo e muitos foram forçados a se pôr à venda. O partido político de Erdogan “fez com que seus amigos comprassem eles”, disse Sayin. “Agora todos os jornais são amigáveis com Erdogan”.
O produtor musical Ahmet Celenk, 58, disse que antes da tentativa de golpe, estava planejando um tour nacional para alguns de seus artistas, mas “quando ouvi que a tentativa de golpe tinha começado, cancelei tudo. Não podemos ter apresentações quando estamos conversando sobre o futuro do país”.
Nos dois meses seguintes ele perdeu 70% de seus shows. Então, muitos de seus amigos e alguns de seus advogados e contadores foram varridos na repressão que se seguiu.
Celenk disse que, apesar da turbulência política, acredita que o futuro da Turquia seja luminoso. “Temos uma população dinâmica jovem que tem como objetivo viver como os ocidentais”, disse ele.
Celenk vê uma oportunidade entre os 3,5 milhões de sírios que se refugiaram na Turquia por causa da guerra civil de seis anos na fronteira. Ele transformou um músico de rua, Koray Avci, em uma estrela e enviou em um tour internacional.
Agora Celenk possui caça-talentos procurando por “uma moça síria” que tem o que é necessário para se tornar a próxima sensação cultural turco-árabe.
Zeynep Cifcili, 32, que estava estudando para conseguir uma pós-graduação em marketing, voltou no verão passado, após um semestre de faculdade em Washington, D.C., EUA, para um mercado de trabalho em um redemoinho. “Tenho estado trabalhando por 14 anos e sempre encontrei trabalhos que pagassem bem”, disse Cifcili. “Mas não depois da tentativa de golpe”.
Os poucos empregos disponíveis estão indo para pessoas com experiência, em vez de para os recém graduados, portanto “eu decidi fazer a minha própria start-up”, disse ela.
Ela está usando seu tempo antes da formatura para demonstrar suas habilidades em promoção nas mídias sociais, conseguir um certificado e montar um negócio e dar entrada em um empréstimo junto ao governo. “Alguns problemas criam chances”, disse ela.
Oren Dorell
Fonte: https://www.usatoday.com/