Por que o resultado do referendo na Turquia é amplamente inaceitável para tantos
O resultado do referendo de 16 de abril na Turquia entregou ao Presidente Recep Tayyip Erdogan o direito de expandir seu poder praticamente sem pesos e balanços. O resultado lhe concedeu autoridade para controlar o Parlamento e o Judiciário e o poder de governar a Turquia por decreto.
Mas a vitória por um triz da campanha do “sim” tem sido fortemente contestada por uma gama de grupos.
Os partidos de oposição aceitaram todas as vitórias eleitorais de Erdogan desde 2002. Mas desta vez estão dizendo que o presidente turco manipulou o referendo. Os observadores internacionais concordam com os partidos de oposição. E, por dias, centenas de milhares de pessoas vem protestando pacificamente nas ruas.
Por décadas, o Conselho da Europa (CdE) e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) tem enviado grupos em missão de observadores eleitorais para monitorarem eleições no país, a convite da Turquia.
Um relatório preliminar sobre o referendo da missão conjunta feita pelo CdE e pela OSCE dizia:
o nosso monitoramento mostrou que a campanha do “sim” dominou a cobertura da mídia e isso, juntamente a restrições sobre a mídia, as prisões de jornalistas e o fechamento de veículos de mídia, reduziram o acesso dos eleitores a uma pluralidade de opiniões e perspectivas. Os governadores das províncias usaram os poderes de estado de emergência para restringirem ainda mais a liberdade de reunião e expressão.
Mudança de último minuto
As irregularidades não foram foram apenas detectadas no local.
Uma lei de 2010 desautoriza cédulas não carimbadas em emvelopes não carimbados de serem contadas como válidas. Mas, sob o pedido do governante AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) de Erdogan, o Supremo Conselho Eleitoral (YSK) tomou uma decisão no último minuto para permitir essa prática ilegal.
Estranhamente, o YSK seguiu a lei para votos da diáspora turca, não aceitando cédulas e emvelopes não carimbados como válidos.
Nas eleições locais de 2014, o YSK cancelou e realizou novamente as eleições em duas cidades por causa de votos não carimbados como resultado da aplicação feita pelo governante AKP.
Os observadores do CdE e da OSCE observaram que a decisão de última hora do YSK foi ilegal e suspendeu um importante dispositivo de segurança contra fraude.
Um membro austríaco da missão de observação do CdE declarou que até 2,5 milhões de votos (cerca de 6% do total de votos) poderiam ter sido manipulados no referendo. Os monitores do CdE e da OSCE também disseram que as autoridades turcas não estavam cooperando com os esforços para investigarem as alegações de possíveis fraudes eleitorais.
O New York Times relatou que mais de 170 membros da oposição foram proibidos de participarem como observadores na eleição. E que alguns observadores internacionais da eleição foram detidos temporariamente, impedindo-os de observarem por completo as contagens dos votos. Também foi alegado que votos do “não” foram removidos das urnas e depositados em uma construção na mesma área, no sul da Turquia.
Objeções da oposição
O Partido Democrático dos Povos (HDP), de oposição e pró-curdo, disse que apresentou quixas sobre cédulas não carimbadas afetando três milhões de eleitores, mais do que duas vezes a margem da vitória de Erdogan, em vão.
E o vice-presidente do partido disse que a decisão de última hora do Conselho Eleitoral de permitir cédulas sem carimbo significou que agora é impossível determinar quanto votos inválidos ou falsos podem ter sido contados. Ele também disse que alguns eleitores não tinham conseguido depositar suas cédulas com privacidade.
Outras autoridades do HDP declararam que alguns eleitores receberam de membros do AKP cédulas marcadas no “sim” sem selo. Esses membros do AKP também pediram para depositarem as cédulas e então dar cédulas com selo me troca de dinheiro.
A ONG No and Beyond, que monitora eleições, descobriu que em 961 urnas, 100% das cédulas estavam marcadas no “sim”. E em um terço dessas 961 caixas, 100% dos eleitores elegíveis haviam depositados os votos. Essas duas ocorrências são extremamente incomuns.
A ONG também disse que na cidade de Viransehir, na província de Urfa, todas as assinaturas dos eleitores eram a mesma, sugerindo que a mesma pessoa assinou elas.
O Partido Popular Republicano (CHP), o principal partido de oposição, pediu ao YSK que anulasse o referendo baseado em atividades fraudulentas e sua decisão extralegal de permitir cédulas não carimbadas. Não surpreendentemente, o YSK rapidamente rejeitou o pedido.
O CHP levará agora seu caso para o Tribunal Constitucional Turco. Mas é também improvável que a petição verá muito sucesso lá.
O tribunal tem estado sob o controle de Erdogan desde que ele e seu companheiro islamista, o ex-presidente Abdullah Gul, nomearam seus leais para o assento. Agora tribunal simplemente dá o carimbo de aprovação aos desejos de Erdogan.
Ecos da história
Fraudes eleitorais não são novidade na Turquia.
O país teve suas primeiras eleições mais de 170 anos atrás quando o Sultão absolutista permitiu que os conselhos locais realizassem eleições para tratarem de questões administrativas locais em 1840.
O primeiro Parlamento Otomano foi aberto em 1876 mas o Sultão Abdulhamid II o fechou no ano seguinte até que um golpe em 1908 trouxe nacionalistas-secularistas ao poder.
Eles também não gostaram de perder poder eleitoral e, nas eleições gerais de 1912, os eleitores que tentaram votar nos candidatos de oposição foram espancados por partidários dos nacionalistas-secularistas. De fato, as eleições de 1912 são infamemente chamadas de as “eleições com paus”.
Apesar de a república ter sido estabelecida pelos nacionalistas-secularistas em 1923, o regime unipartidário não permitiu eleições até 1946. Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, a Turquia – sob ameaça de ocupação soviética – queria se juntar ao pacto democrático ocidental, e portanto teve que permitir eleições multipartidárias. Mas eles não estavam prontos para perderem as eleições.
Assim, parecia haver uma regra de “voto aberto, contagem secreta” em 1946, para principiantes. Sob comdições de um estado-partido, o governador, chefe de distrito, prefeito e chefe provincial do governante partido nacionalista-secularista – que era a mesma pessoa – forçou as pessoas a votarem no partido governante com a ajuda das forças de segurança.
Quando a Turquia Republicana teve as suas primeiras eleições livres em 1950, o governante nacionalista-secularista CHP perdeu poder para o liberal e secular Partido Democrata (DP). Desde então – e apesar de problemas menores – nenhum dos resultados eleitorais foram declarados inaceitáveis por qualquer um dos partidos políticos contestantes.
O referendo de 16 de abril foi um tanto similar às eleições gerais de 1912 e 1946. Este referendo é a primeira vez nas história democrática da Turquia, que é um membro da OTAN, Conselho da Europa (CdE) e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que uma eleição foi vista como ilegítima por não apenas contestantes domésticos, mas igualmente por observadores internacionais.
Por Ihsan Yilmaz
Fonte: http://theconversation.com