O eclipse da democracia, na Turquia, após o referendo pró-Recep Tayyip Erdoğan
A Turquia, importante país euroasiático, vive presentemente a indeterminação quanto ao futuro do regime democrático. No último domingo, 16 de abril, foi submetida à consulta popular a continuidade do sistema político parlamentarista ou a adoção do presidencialismo. A segunda opção saiu vencedora por uma margem relativamente pequena, isto é, o “sim” obteve 51,2 % contra 48,8% do “não”. A oposição contestou a vitória e alegou ter havido irregularidades durante o processo de votação, em várias regiões do país. O resultado apertado revela uma divisão da população turca, o que poderá significar instabilidade e conflito no seio da sociedade. A iniciativa de alterar o sistema político da Turquia partiu do atual Governo e seus aliados sob a argumentação de que a revisão constitucional é uma medida necessária para garantir a segurança e a estabilidade do país que, em 2016, sofreu 20 atentados terroristas e um Golpe de Estado falhado que resultou na morte de 248 pessoas, 1400 feridos, prisões e despedimentos de aproximadamente 200 mil pessoas. As justificativas apresentadas como uma solução para os problemas poderão agravá-los porque, na prática, o que se verifica é um jogo para aumentar os poderes do presidente Recep Tayyip Erdoğan.
A reforma constitucional, aprovada pelo Parlamento turco em janeiro, e que agora foi referendada pelo voto popular, dá a Erdoğan a possibilidade de centralizar o poder e engessar a democracia. O “maior número de alterações à Constituição alguma vez proposto em referendo desde a criação da República da Turquia, em 1923”, para além de pôr fim ao cargo de primeiro-ministro,” amplia os poderes do presidente” que, de entre outras medidas, poderá intervir diretamente no poder judiciário e impor o estado de emergência sem a necessidade de aprovação pelo Parlamento. As mudanças também atingem as eleições presidenciais e legislativas, as quais serão realizadas conjuntamente e estão agendadas para novembro de 2019, criando ainda a possibilidade de Erdoğan permanecer no comando da Turquia até 2029. Neste contexto, o que deve ser analisado não é somente a alteração do sistema político, mas a estrutura do Estado que, desde há alguns anos, foi sendo modificada gradativamente pelo atual Governo e transformada, sobretudo a partir de 2016, num aparelho de repressão e de perseguição aos seus opositores e à imprensa livre e independente.
Os episódios da história recente da Turquia, nomeadamente, a tentativa fracassada de Golpe de Estado em julho de 2016, atribuída pelas autoridades do país ao clérigo e humanista Fethullah Gülen, compõem a farsa que permitiu desencadear a prisão de jornalistas, professores, funcionários públicos e de outras categorias profissionais contrárias à situação vigente. As circunstâncias comprovam o modo como a Turquia vem sendo conduzida nos últimos anos e, a partir disso, nos aponta a direção em que está caminhando. As ações levadas a cabo por Erdoğan há algum tempo revelam que ele mudou de postura ao longo dos anos, colocando em dúvida o seu comprometimento com a democracia. De acordo com a BBC, em certa ocasião, o chefe político turco “comparou a democracia com um ônibus que você pega até seu destino e depois desce”. Deste modo, várias análises indicam que o presidencialismo é a alternativa que Erdoğan encontrou para exercer o poder de acordo com a sua vontade, mas respaldado pela aprovação popular. O apoio público conquistado por Erdoğan, de acordo com analistas, está relacionado ao uso da máquina pública que se encontra em suas mãos. Destaca-se, neste caso, a utilização de políticas sociais, o controle da mídia, o discurso islamista e o medo generalizado para conquistar o apoio de uma parcela significativa da população, sobretudo, dos menos favorecidos. Se persistir a tendência do modelo de administração idealizado por Erdoğan e corroborado pela reforma constitucional, a vitória do “sim” eclipsará a democracia naquele país, na medida em que o contrapoder exercido pela oposição turca se tornará frágil, estando condenado ao desaparecimento, o que permitirá a instalação de um regime autocrático.
Marli Barros Dias