Envolvimento da Turquia na Síria provoca violência e assassinato
A Turquia estava atordoada com os dois atentados a bomba que chacoalharam o centro da cidade de Istambul em 11 de dezembro e que ceifou 45 vidas. Antes de se recuperar desse trauma, o país foi chacoalhado novamente em menos de uma semana com outro ataque terrorista. Desta vez o alvo foram soldados fora de serviço na província da Anatólia central de Kayseri. Quatorze pessoas foram mortas e cerca de 55 feridas.
Apesar de terem acusado o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), o grupo fora da lei na reivindicou formalmente a responsabilidade pelos ataques. Contudo, os Falcões da Liberdade do Curdistão (TAK), amplamente vistos como um grupo que veio do PKK, de fato reivindicaram a responsabilidade.
Não é difícil de presumir a partir das observações de Murat Karayilan, o chefe militar do PKK, que a organização insurgente curda ao menos endorsa ambos os atentados a bomba. Karayilan culpou o partido governante da Turquia, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), pelos ataques, acusando ele de retomar a luta entre as forças governamentais turcas e os militantes curdos. “A Brigada de Forças Especiais em Kayseri é a que cometeu a maioria dos massacres no Curdistão … que torturou o povo curdo em Hakkari e Cizre!” contou Karayilan à Agência de Notícias Firat, que é pró-curda, em um aparente endosso dos ataques.
Enquanto isso, uma sociedade cada vez mais desmoralizada foi sacudida por um terceiro ataque terrorista, em que o embaixador russo em Ancara foi assassinado. Um jovem policial que era membro de uma unidade de mobilização rápida – que fornece segurança para oficiais e diplomatas estrangeiros – matou Andrey Karlov a tiros. Karlov foi o primeiro embaixador russo a ser morto em um país-membro da OTAN.
De acordo com um vídeo que se tornou viral nas mídias sociais, o assassino primeiro gritou “Allahu Akbar” (Deus é o Maior) e recitou versículos do Alcorão em árabe, então disse, “Não se esqueçam de Alepo! Não se esqueçam da Síria! … Todos que tiveram parte nessa opressão irão um por um pagar por isso”.
As autoridades turcas, sem piscar, lançaram mão do que se tornou sua medida comum depois de cada incidente terrorista e bloquearam o Twitter, ordenando um apagão da mídia sobre a questão. Isso foi seguido por declarações clichê em que autoridades do governo condenam o terrorismo e dizem que o terrorismo não poderia desviar a Turquia de seu curso e que os criminosos serão severamente punidos, e assim por diante. As autoridades foram rápidas em declarar que o assassinato do embaixador turco foi “uma provocação com o objetivo de enfraquecer a crescente cooperação e boas relações entre os dois países”.
Seja quem for que cometeu os dois atos de terrorismo em Istambul e Kayseri e seja qual for a razão por detrás do assassinato do embaixador, não há dúvidas que a Síria é a principal fonte do crescente terrorismo na Turquia.
Logo depois do atentado a bomba em Istambul, e na época do ataque em Kayseri, eu estava na região do Curdistão do Iraque em uma conferência que reuniu autoridades curdas de alto escalão e figuras internacionais, incluindo Bernard Kouchner, o ex ministro das relações exteriores francês, Zalmay Khalilzad, o ex embaixador americano no Afeganistão e no Iraque, e Peter Galbraith, que muitos consideram ser o mais experiente perito americano sobre os curdos. Os dias que passei na Região do Curdistão do Iraque coincidiu com a queda de Alepo para o regime sírio sob o intenso bombardeio russo da parte leste da cidade onde os rebeldes tinham seus últimos bolsões de resistência. Para os peritos internacionais em Oriente Médio, o resultado da companha de Alepo é breve e simples: A guerra síria envolveu em sua maioria a parte oeste do país, e a guerra foi de fato encerrada pela queda de Alepo e foi vencida pelo regime.
Naturalmente, isso não significa que a “questão da Síria” esteja resolvida. Para uma solução, tem-se que esperar e ver que tipo de caminho o Presidente-eleito Donald Trump seguirá.
Peritos curdos tinham uma visão um pouco mais elaborada a respeito da campanha de Alepo e sua conclusão, dizendo que o que foi conquistado em Alepo é um resultado de um acordo alcançado entre o presidente russo Vladimir Putin e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Sob esse suposto acordo, a Turquia deveria efetivamente cessar seu apoio aos rebeldes, evitando que formassem uma resistência forte à Rússia, Irã, Hezbollah libanês e as forças do regime que estavam prestes a completar o cerco ao leste de Alepo. Por sua vez, a Rússia deveria fechar os olhos para os movimentos militares turcos para capturar al-Bab, a cidade síria estrategicamente localizada ao leste de Alepo; isso daria um golpe duradouro nas aspirações curdas de ligar os cantões no norte da Síria controlados pelo Partido da União Democrática (PYD) e pelas Unidades de Proteção do Povo (YPG).
Alguns líderes curdos definiram o acordo entre a Turquia e a Rússia com “Alepo por al-Bab”. Isso significa que a Turquia retiraria seu apoio aos rebeldes no leste de Alepo e a Rússia aceitaria a entrada da Turquia em al-Bab, que ainda está sob controle do Estado Islâmico. De acordo com as minhas fontes curdas, o consentimento russo à tomada turca de al-Bab é condicional: Depois que a Turquia evitasse o surgimento de um “corredor curdo” no norte da Síria, ela entregaria al-Bab ao regime sírio.
Na visão dos curdos, “Erdogan abrir mão de Alepo” é uma retribuição pelo “passe livre” russo à Turquia para que ele possa ter liberdade ao lidar com os curdos sírios. Isso primeiramente me pareceu mais como uma teoria do que com um fato palpável, mas apenas quatro dias depois, foi interessante ler as seguintes linhas escritas por Max Fisher no New York Times:
“Os dois países pareceram fechar um acordo não-oficial: A Turquia retiraria seu apoio a certos rebeldes que ameaçaram os interesses russos na Síria, e a Rússia retiraria seu apoio aos grupos curdos sírios”. Fisher disse que Aaron Stein “do Conselho do Atlântico chamou o acordo de ‘Alepo por al-Bab’: a Rússia e o Sr. [Bashar al-] Assad ficariam com Alepo, enquanto que as milícias aliadas aos turcos ficariam com a cidade estrategicamente localizada de al-Bab’”.
Se o retorno de Alepo ao regime realmente tem o pano de fundo de um acordo entre a Rússia e a Turquia, isso poderia preocupar os curdos sírios mais do que nunca. Com o imprevisível Trump pronto para tomar posse em Washington dentro de um mês e por causa de suas relações quase hostis com o Governo Regional do Curdistão no vizinho Iraque, os curdos sírios podem ser os que vão perder mais no período que está por vir.
Existem alguns na região que veem a escalada de violência na Turquia em termos de reequilibrar o balanço de poder na Síria. A esse respeito, a Turquia foi escolhida como o mais fraco dos atores envolvidos da equação síria. A fraqueza da Turquia está aparentemente manifestada pela sua crescente dependência da Rússia. Parece que o assassinato do embaixador russo, mais do que debilitar a relação, pode estar empurrando uma Turquia envergonhada mais para dentro do rebanho russo, ao menos a curto prazo.
Esta situação em que a Turquia se encontra é, mais do que qualquer outra coisa, do feitio da própria Turquia. Um embaixador europeu em Bagdá compartilhou seu espanto sobre a política de Erdogan na Síria comigo. “É inacreditável e inconcebível que a Turquia esteja travando uma guerra em múltiplos frontes na Síria e esperando derrotar todos os três [inimigos] – o regime de Assad, o Daesh [Estado Islâmico] e os curdos – dependendo de sua reconciliação com a Rússia. É uma guerra invencível. É impossível”, disse ele.
Parece que esta “guerra impossível”, com seus muitos frontes sendo travados simultaneamente, atraiu a violência gerada na Síria para dentro da Turquia. Assim como a Turquia está entrando no pântano Sírio, o transbordamento sírio para a Turquia poderia se transformar em uma inundação.
Cengiz Candar
Fonte: www.al-monitor.com