A Turquia está prestes a descobrir se mais pessoas estão seguras quando com armas
No ano passado, um amigo próximo me aconselhou a parar de tentar ganhar a vida precariamente encrevendo artigos. Ao invés disso, essa amigo disse, eu deveria fazer um treinamento com armas de fogo por causa de todos os importantes buracratas turcos que têm corrido para comprar armas. O problema, disse ele, era que todos esses novos donos de armas não faziam ideia de como usar suas armas. O meu amigo disse que era por isso que ele começou a oferecer treinamento particular de como cuidar, carragar, esconder e portar armas. A última frase de treinamento é a prática com alvos em uma linha de tiro.
O mesmo amigo me ligou novamente recentemente, dizendo, “Estamos transbordando com a demanda. Eles estão emitindo portes de arma para todos os membros do AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento), e para jornalistas e celebridades. Estamos com falta de instrutores. Pagamos 200 dólares por hora – trabalhe com a gente”.
As palavras dele voltaram-me à cabeça – com a força toda – em 23 de outubro, quando o Ministro do Interior, Suleyman Soylu, anunciou que os membros do AKP das turbulentas regiões leste e sudeste da Turquia receberam portes de arma. “Eles receberão proteção policial também”, disse ele. “Vamos garantir que eles sejam defendidos por armas de longo alcance”. Após sua declaração, estourou um frenezi nas mídias sociais, com várias hashtags convocando os membros do AKP a se armarem, e oponentes questionando se isso era o prelúdio para uma guerra civil na Turquia.
A tendência do armamento pessoal não é nova. Nos primeiros seis meses de 2016, a Turquia pulou do Nº 25 para o Nº 8 entre os países que mais compram armas da Alemanha, de acordo com um relatório preparado para o Conselho Alemão de Ministros.
Esse dado é só a ponta do iceberg. Aficionados por armas são fáceis de detectar porque apenas alguns dos que portam armas sabem como escondê-las de forma apropriada. Especialmente em Ancara e Istambul, em restaurantes e cafés frequentados por burocratas importantes e as elites do AKP, dá para ver muitos deles puxando seus cintos com uma ou até duas armas fazendo peso neles. De fato, a cena poderia se tornar bem preocupante, pois algumas vezes o hobby recém-descoberto de portar uma arma se torna insuportável demais para o dono. Por exemplo, alguém com uma arma escondida pode ser visto deixando cair um cartucho, tocando sua arma com frequência e esquecendo de ajustar ela corretamente antes de sair do carro, banheiro ou simplesmente ao levantar de uma cadeira.
Garçons do bar mais popular em Ancara falaram com o Al-Monitor sobre a proliferação de políticos que portam armas. Um garçon disse, “os burocratas do AKP frequentam aqui quase toda noite. Eles não bebem, mas este é um lugar para eles verem mulheres bonitas e para serem vistos. Observamos que mais políticos estão armados agora”. Isso é especialmente verdade, disseram os garçons, se um burocrata estiver em um encontro pessoas ou discreto e liberou seu guarda-costas pela noite. “Eles vão estar armados e vestindo um colete a prova de balas”.
Esses donos de armas apresentam uma ameaça iminente para eles mesmos e para os que estão a sua volta, e o número deles está aumentando.
Outro exemplo que diz muito pode ser encontrado no jornal islamista pró-AKP Yeni Akit. Desde 2010, o jornal colocou anúncio de espigardas na primeira página. Logo após a tentativa de golpe de 15 de julho, os anúncios avançaram para armas automáticas e semi-automáticas e espingardas, sob o slogan “Portes por nossa conta”.
Na Turquia, se você tem dinheiro é fácil comprar uma arma, conseguir um porte e até comercializar armas online. No entanto, os preços são bem altos comparados com os dos Estados Unidos. Armas importadas registradas são especialmente caras, e se você está no sudeste – onde as armas estão em alta demanda – os preços decolam. Contudo, você pode por suas mãos em uma pistola Glock ou Smith & Wesson M&P (militar e policial) do mercado negro com 3 ou 4 anos por 500 a 600 dólares. Modelos novos saem por 2.000 a 4.000. Se você aceitar armas feitas na Turquia, elas podem ser obtidas por 100 a 400 dólares. Em um país em que cada post e atividade nas mídias sociais é monitorada, não é estranho que os site de comércio de armas ou compra de balas operem livremente? E ainda mais, se o salário do burocrata que recebe mais está por volta dos 4.000 dólares por mês, como que eles conseguem comprar essas armas?
Por décadas, islamistas turcos se orgulhavam em não portar armas. Mas isso mudou, especialmente desde a tentativa de golpe. Colunistas islamistas proeminentes tais como Abdurrahman Dilipak defenderam abertamente que aqueles que possuem armas com porte deveriam poder levá-las consigo. “Se alguém está atirando em mim, eu deveria responder gritando slogans?” disse Dilipak. Essa frase tem ressoado fortemente entre islamistas e ultranacionalistas desde julho.
Vários fatores contribuíram para o armamento acelerando do AKP. O Al-Monitor teve uma conversa recentemente com três autoridades importantes do AKP. Na época, eles estavam portando armas e cada autoridade tinham ao menos dois cartuchos – tudo isso feito nos EUA e dos últimos modelos. Esses homens ofereceram três razões para se armarem: medo de ataques do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que a Turquia considera como um grupo terrorista; as atividades clandestinas do movimento Gulen; e o número limitado de guarda-costas que o governo pode fornecer. “Apenas o chefe de cada departamento recebe proteção. Para o resto de nós, é cada homem por si”, disse uma das autoridades do AKP.
Em meses recentes, o PKK e suas ramificações realizaram várias tentativas de assassinato direcionadas a membros do AKP ne região sudeste de maioria curda. Vários membros do AKP foram mortos.
Desde a tentativa de golpe de 15 de julho, islamistas turcos ficaram com mais medo desses assassinatos. Muitos deles acreditam que os Gulenistas empregariam qualquer um para matá-los. Por essa razão, menos de 48 horas após a tentativa de golpe, o principal conselheiro do Presidente Recep Tayyip Erdogan, Seref Malkoc, apareceu na televisão ao vivo anunciando que o Ministério do Interior permitiria licenças para cidadãos possuírem armas. Ele disse: “Existem obstáculos para que os cidadãos possuam armas [no momento]. Se você der uma olha em todos esses tiroteiros, eles são realizados por armas sem licenças legais”. Malkoc deixou claro que membros da máfia, gangues e assassinos de alguma forma colocariam suas mãos em armas contrabandeadas, então em nome do honrável direito dos cidadãos de defender a nação, licenças deveriam se emitidas sem nenhuma complicação.
Portanto em 23 de outubro, Soylu anunciou o que está sendo apelidado como a “Lei Texana” – que os membros do AKP receberão licenças para comprarem e portarem armas. A nova lei estatuária não foi emitida ainda. Saylu declarou explicitamente que a lei é para membros do AKP que sentem que suas vidas estejam em perigo em cidades de maioria curda, mas as autoridades e simpatizantes do AKP estão confiantes que o estado de emergência declarado facilitará facções pró-AKP, nacionalistas e islamistas a também conseguirem licenças de arma.
Alguém pode se perguntar, é realmente tão difícil conseguir uma licença? Não mesmo. De fato, na cidade natal de Erdogan, Rize, o governo está fornecendo licenças de arma para qualquer um que doe para uma fundação designada para fornecer serviços para as vilas. Agora, a demanda está sendo arrebatadora. O governador tembém disse aos residentes de Rize: “Se existir outra tentativa de golpe como a de 15 de julho, eu mesmo entregarei armas para vocês”.
Portanto, é fácil conseguir uma licença para portar uma arma, e não se tem que ficar preocupado na Turquia com esconder as armas. Conforme um jornalista contou ao Al-Monitor em um sofisticado café em Istambul, homens nunca teriam que esconder suas armas. “Agora, como homens de fé, temos acesso à auto-defesa pela primeira vez”, disse ela enquanto deixava sua pistola Sig Sauer P226 com gravações sobre a mesa em plena luz do dia. A Turquia está se tornando um lugar bem assustador até para aqueles que são treinados para lidar com armas como um meio de vida.
Fonte: www.al-monitor.com