Voz da Turquia

 Últimas Notícias
  • Empresa de defesa turca Repkon vai estabelecer fábrica de munição de artilharia no Paquistão A empresa de defesa turca Repkon assinou nesta quinta-feira um acordo com a Wah Industries Limited (WIL), do Paquistão, para desenvolver uma linha de produção e preenchimento para corpos de projéteis de artilharia de 155 mm, com uma capacidade anual de 120.000 unidades, informou a agência estatal Anadolu....
  • Autoridades turcas investigam Mastercard e Visa por supostas práticas anticompetitivas O Conselho de Concorrência da Turquia anunciou na segunda-feira o início de uma investigação sobre as gigantes globais de pagamentos Mastercard e Visa em meio a acusações de práticas anticompetitivas no país, informou a agência estatal Anadolu.  ...
  • Lula se reúne com Erdogan, Meloni e outros nove líderes neste domingo A véspera do início da Cúpula de Líderes do G20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá neste domingo (17) onze reuniões bilaterais, entre elas com expoentes para a direita brasileira como o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni....
  • BRICS ofereceu status de país parceiro à Turquia, diz ministro do comércio turco O grupo BRICS ofereceu à Turquia o status de país parceiro, informou o ministro do Comércio, Omer Bolat, enquanto Ancara continua o que chama de esforços para equilibrar seus laços com o Oriente e o Ocidente.  ...
  • Liberdade de imprensa na Turquia se deteriora ainda mais em 2024, aponta relatório No terceiro trimestre de 2024, a Turquia sofreu um recrudescimento das restrições à liberdade de imprensa e de expressão, como evidenciado num relatório da Agenda para a Liberdade de Expressão e Imprensa. Jornalistas enfrentaram aumento de processos legais, detenções e investigações, juntamente com ameaças de morte e ataques físicos. As autoridades censuraram conteúdo online, impuseram limitações de acesso a plataformas como o Instagram e aplicaram sanções regulatórias a órgãos de comunicação social. Estas tendências reflectem um padrão mais amplo de repressão do governo sobre o discurso crítico e a independência dos meios de comunicação social, confirmando as recentes descobertas da Freedom House que classificam a Turquia como tendo a menor liberdade online na Europa....
  • CEDH ordena à Turquia pagar indenizações às vítimas dos expurgos pós-golpe A CEDH condenou a Turquia a pagar 2,34 milhões de euros em indenizações a 468 indivíduos detidos ilegalmente após a tentativa de golpe de 2016, elevando o total devido em casos similares para 10,76 milhões de euros. As detenções, baseadas em acusações de afiliação ao movimento Hizmet (inspirado por Fethullah Gülen e rotulado como terrorista pelo governo de Erdoğan), foram consideradas ilegais devido à falta de "suspeita razoável", violando o Artigo 5 § 1 da CEDH. A CEDH criticou o uso de evidências frágeis, como o uso do aplicativo ByLock, contas no Banco Asya e posse de notas de um dólar específicas, para justificar as prisões. A decisão insere-se num contexto mais amplo de repressão pós-golpe na Turquia, com mais de 130.000 funcionários públicos demitidos e uma queda significativa no índice de Estado de Direito do país, refletindo a preocupação internacional com as violações de direitos humanos e a deterioração da democracia turca....
  • Jornalistas estão entre dezenas de detidos durante protestos devido à remoção de prefeitos curdos Durante o segundo dia de manifestações, desencadeadas pela destituição de três prefeitos curdos no sudeste da Turquia, uma região de maioria curda, a polícia deteve várias pessoas, entre elas dois jornalistas....
  • Na Ásia Central, Erdoğan pede laços mais fortes com estados turcos Na última quarta-feira, o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan defendeu o estreitamento das relações com os estados turcos pós-soviéticos durante uma cúpula na Ásia Central. A iniciativa ocorre em um momento em que Ancara busca ampliar sua influência na região, em meio à concorrência com a Rússia e a China, conforme reportado pela Agence France-Presse....
  • Turquia: Proposta de lei de ‘agentes de influência’ é um ataque à sociedade civil e deve ser rejeitada Mais de 80 organizações apelaram ao parlamento turco para rejeitar a emenda proposta à legislação de espionagem do país. Se aprovada, a emenda poderia comprometer gravemente a liberdade de operação das organizações da sociedade civil na Turquia. A votação no parlamento está iminente, e várias outras entidades emitiram declarações análogas, instando os legisladores a descartarem a medida....
  • Relação EUA-Turquia dificilmente será revitalizada com eleição americana Especialistas indicam que o desfecho da acirrada eleição presidencial dos EUA na terça-feira deve ter um impacto limitado nas já tênues relações entre Washington e Ancara, embora a interação entre os presidentes possa ser um fator de influência....

TUDO SOBRE A TENTATIVA DE GOLPE NA TURQUIA

TUDO SOBRE A TENTATIVA DE GOLPE NA TURQUIA
setembro 13
15:48 2016

CAPÍTULO 1- AÇÃO MILITAR E SUAS DINÂMICAS

Na noite de 15 de julho, a Turquia sofreu uma tentativa de golpe frustrada que deixa aproximadamente quatrocentos mortos, entre militares e civis. No entanto, o governo conseguiu reprimir o golpe e retomou o controle do país em algumas horas. Começou assim um expurgo contra todos aqueles que foram considerados apoiadores dos golpistas. Esta “limpeza” se tornou um contra golpe. Logo em seguida foi declarado estado de emergência, a constituição foi suspensa e os direitos civis foram anulados. Dezenas de milhares de pessoas foram destituídas de seus cargos e presas sem julgamento algum. A mídia foi completamente censurada. Torturas, estupros e mortes suspeitas tomaram lugar nessa conjuntura, onde Erdogan jurou o extermínio de todos os oposicionistas.

A) A noite de 15 de julho

Um grupo de militares das forças armadas começou a se movimentar em duas cidades. Eles bloquearam a ponte do Bósforo, tomaram o aeroporto principal em Istambul, ocuparam a sede da televisão estatal e transmitiram uma declaração de que haviam tomado o controle do país. Posteriormente o governo anunciou esta ocupação como uma tentativa de golpe militar. Erdogan falou, através de um aplicativo de celular, à televisão e convocou o povo a ir às ruas e resistir a essa tentativa de golpe. Após vários conflitos e muita confusão, o golpe foi exterminado com a força da polícia e a ajuda do povo. Erdogan, sem nenhuma evidência, acusou Fethullah Gulen, um clérigo muçulmano que vive nos EUA em autoexílio, de ter articulado este golpe. Logo depois Erdogan considerou esta tentativa de golpe como “um presente de Deus”. Assim se iniciou um processo de expurgo em massa em todo o país. Logo após o golpe frustrado as autoridades governamentais confessaram que já haviam preparado listas de pessoas a serem perseguidas. Na teoria, isso seria uma guerra apenas contra Gulen mas, na prática, é contra todos os opositores do Erdogan.

24 HORAS DA TENTATIVA DE GOLPE

22:00 – As movimentações nas ruas de Istambul e Ancara começaram.
22:05 – Os militares controlaram alguns pontos estratégicos como pontes, aeroportos e órgãos de comunicação.
22:10 – Apareceram vários aviões e helicópteros no céu.
23:05 – O primeiro ministro Binali Yildirim anunciou a tentativa de golpe
00:00 – A declaração dos golpistas foi lida na televisão
00:26 – Erdogan chamou o povo às ruas através da televisão.
01:00 – O povo começou a sair nas ruas em resistência aos golpistas.
01:05 – Começaram a ocorrer conflitos e tiroteios nas ruas.
01:30 – Parlamento foi bombardeado pelos jatos militares.
02:00 – Os militares golpistas começaram a ser detidos.
03:20 – Erdogan chegou a Istambul em seu avião particular.
04:00 – Foi emitido mandado de prisão para os militares golpistas
08:32 – Os comandantes reféns foram resgatados
09:50 – Os militares golpistas se entregaram
10:00 – O golpe foi controlado em todo país
20:00 – O expurgos começaram

SALDO DE MORTOS
Civis: 173
Policia: 67
Militares golpistas: 104
Feridos: 2185

B) Quem organizou o golpe? Porque?

Pelas informações que possuímos até o momento, não há como chegar a uma conclusão definitiva. Pelo perfil dos militares que participaram do golpe, ainda não há indicação de um grupo em específico. As declarações do governo e a dos golpistas não estão de acordo entre si. Entretanto há quatro teorias em discussão:

    1. Incomodados pela situação atual do país, um grupo de militares autodenominado Conselho Paz em Casa, reunidos por ódio a Erdogan, formou uma coalizão, resultando em um  golpe fracassado.
    2. Sem provas, Erdogan afirma que Gulen, o inspirador do Movimento Hizmet, quis derrubar o governo através dos seus simpatizantes dentro das forças armadas.
    3. Os jornais pró-governo acusam os EUA de orquestraram o golpe para derrubar Erdogan, usando os simpatizantes do Gulen no exército como ferramenta para este fim.
    4. Gulen e a comunidade internacional suspeitam que o próprio Erdogan arquitetou o golpe ou deixou acontecer, fortalecendo sua posição, para alcançar seu objetivo de se tornar o homem-forte do país.

C) As suspeitas sobre o golpe

Qual foi a finalidade deste golpe, para quem serviu, quem planejou? São dúvidas apontadas pela mídia e pela comunidade internacional que ainda precisam ser esclarecidas.

Em seu primeiro aparecimento, Erdogan declarou que o golpe foi “uma dádiva de Deus” e acusou Gulen, desde o início, estranhamente, sem ter provas. Gulen condena o golpe e nega qualquer envolvimento. Ações tomadas pelo governo turco logo após o golpe fracassado, ainda aumentam estas dúvidas.

A noite do suposto golpe, 15 de julho, é um mistério. Neste episódio há mais de quarenta questões não respondidas. A começar pelo horário: às vinte horas toda a população estava nas ruas, nos bares e restaurantes. Se alguém quisesse mesmo derrubar Erdogan iria ao palácio do governo e na casa dos ministros durante a madrugada, bloqueariam os meios de comunicação. O país ia amanhecer com novo governo. Não houve golpe. O golpe começa agora, Nexo Jornal
A quartelada caiu tão bem nos planos de concentrar mais poder de Erdogan, que muitos turcos passaram a acreditar que ele mesmo teria planejado o golpe. Com mais de trezentos mortos entre membros do governo e da população. É difícil imaginar tal maquinação. Erdogan, porém, pode ter deixado o golpe acontecer ou posto o serviço secreto para desorientar os soldados rebeldes, que agiram de maneira amadora e descoordenada. Depois de soltarem uma bomba na frente do parlamento, os golpistas invadiram e discursaram em um canal de televisão irrelevante, com baixa audiência, e em nenhum momento chegaram perto de prender Erdogan, que se valeu de um aplicativo de celular para convocar seus apoiadores e enfrentar os tanques na rua. Revista Veja

Algumas dúvidas citadas na mídia nacional

-Erdogan se ausentou por seis dias antes do golpe pela primeira vez no seu mandato de 14 anos. Ninguém sabia onde ele estava até o momento do golpe.

-Hakan Fidan, diretor da inteligência turca diz que “Soubemos do movimento militar a partir das 16h“ Só que o movimento militar nas ruas começou às 22h.

-Erdogan diz que “Meu cunhado me ligou às 16h e me informou sobre a situação. Eu não consegui falar com diretor da inteligência turca.“ (Reuters)

Algumas dúvidas citadas na mídia internacional

-Agência Fars (Irã): “As forças aéreas russas capturaram, decifraram sinais de rádio dos militares golpistas e avisaram a inteligência turca com antecedência sobre tentativa de golpe”

-Ehud Yaari, diretor da redação do Canal 2, TV israelense diz que ”Erdogan havia se informado da tentativa de golpe com doze horas de antecedência”.

-Revista alemã Focus diz que “Inteligência britânica grampeou telefonemas e e-mails do governo turco meia hora depois da tentativa de golpe. Eles combinaram desde início que iriam acusar Gulen de ser o mentor do golpe.

D) As reações depois da tentativa de golpe

No dia seguinte, os líderes da oposição, ONGs e autoridades estrangeiras condenaram o golpe. Logo após as acusações contra Gulen, sob a liderança de Erdogan, começou uma campanha de repressão ao Movimento Hizmet.

Quanto a Gulen, em seus depoimentos aos órgãos de mídia internacional, negou estar envolvido no golpe e recomendou que um conselho internacional investigasse a tentativa frustrada de golpe.

Algumas horas depois do controle da tentativa de golpe começaram os expurgos. Os jornais pró-Erdogan saíram com manchetes alegando que o golpe foi coordenado por comandantes americanos. Acusando os EUA de apoiar o golpe e não entregar Gulen, as autoridades turcas fecharam a base da OTAN na Turquia. Em contrapartida a esse tratamento, os EUA ameaçaram a Turquia com sua retirada da OTAN. Sobre a questão do Gulen, eles pediram evidências junto a um pedido oficial em vez de acusações sem fundamento.

Erdogan: ‘Esta foi uma tentativa da minoria dentro das forças armadas. Essa tentativa é um ato incentivado pelo estado paralelo (Movimento Hizmet).’

Fethullah Gulen: Diante deste argumento, um conselho internacional deverá investigar o caso. Decidam se realmente existe algo assim ou não (sua ligação com golpe) após esta investigação. Mesmo que seja mentira, com testemunhas falsas, recebendo dinheiro, ou assinando documentos, eu ficaria satisfeito com o resultado.

Erdogan: Quando os nossos amigos norte-americanos extraditarem o líder terrorista (Fethullah Gulen) e nos entregarem, muitas coisas mudarão. Já que somos parceiros estratégicos, então cumpram o pedido de seu parceiro. Se os EUA não extraditar Fethullah Gulen, não entregaremos aos EUA as pessoas que eles nos pediram.

Bekir Bozdag ministro da justiça: O homem número um desta tentativa de golpe é Fethullah Gulen. A partir deste momento manter Fethullah Gulen nos EUA não cabe como bom termo de amizade entre a Turquia e EUA”.

Obama: Não sou eu quem decide sobre a extradição de Fethullah Gulen. O processo vai andar judicialmente.

John Kerry (ministro das relações exteriores): Eu solicitei ao ministro das relações exteriores da Turquia que nos enviasse as provas em vez de acusações sem base. Precisamos de evidências concretas que sejam apropriadas aos padrões de investigação em vigor em vários países sobre o sistema de extradição.

Yeni Safak, Jornal partidário de Erdogan: A tentativa de golpe foi conduzida pelo Comandante da ISAF dos EUA General John F. Cambell. Para apoiar o golpe, a CIA transferiu muito dinheiro pelo UBA BANC da Nigéria.

Suleyman Soylu, ministro da segurança social: Os EUA está por trás desse golpe.

John Kerry: Essas alegações irão complicar as relações dos dois países amigos da OTAN.

John Kerry: A OTAN examinará a Turquia nos próximos dias para determinar o cumprimento da exigência da aliança dos membros em adesão a governabilidade democrática. A OTAN também tem uma exigência no que diz respeito à democracia.

Federica Mogherini, representante superior das políticas e relações exteriores da União Europeia: A Turquia deve respeitar os direitos humanos, a democracia e as liberdades essenciais. Estamos preocupados com os acontecimentos na Turquia. Nenhum país pode se tornar parceiro quando se introduz a pena de morte. Isso é fundamental.

E) Ação de expurgo e contragolpe

Os expurgos que começaram depois da tentativa de golpe se tornaram um contragolpe. Esse processo de “limpeza”, como confessado pelas autoridades do governo, foi planejado antes. Entendemos que Erdogan foi mais preparado para este golpe do que os militares.

EXPURGOS EM NÚMERO

Detidos: mais de 30 mil
Demitidos do setor público: 102.704
Demitidos do setor privado: mais de 1 milhão
Passaportes cancelados:  mais de 100 mil
Jornalistas presos: 120

Entidades fechadas

Escolas: 1284
Albergues: 800
Universidades: 15
Fundações: 129
Hospitais: 35
Associações: 1125
Câmaras de Comércio: 19
Veículos de comunicação: 180
Total número de entidades fechadas: 3.520

Fonte: www.turkeypurge.com e Anadolu Agency, informações até 16 de agosto de 2016

Antes da tentativa de golpe de 15 de julho existia uma preparação para a “limpeza” nas forças armadas. Nosso presidente não conseguiu fazer isso antes por causa de algumas questões.”  Fikri Isik, Ministro de segurança
“Essa tentativa de golpe foi uma benção de Deus. Porque será um meio de “limpar” nosso exército, tornando-o puríssimo. Isto não vai parar, vai continuar, precisa ser feito.” Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia
Linha de tempo após tentativa de golpe
16 de julho – Dezenas de milhares de funcionários públicos foram expurgados
16 de julho – As licenças de 21 mil professores foram canceladas
16 de julho – As detenções e investigações começaram
18 de julho – Bank Asya, o banco fundado pelos seguidores do Hizmet, foi fechado
20 de julho – Estado de emergência foi decretado
20 de julho – Proibida a saída de funcionários públicos e acadêmicos para o exterior.
21 de julho – Convenção Europeia dos Direitos Humanos foi suspensa
23 de julho – 2.341 instituições foram fechadas
23 de julho – O governo confiscou todos os bens e contas bancárias das entidades fechadas e das pessoas detidas.
24 de julho – Anistia internacional denuncia tortura nas prisões
25 de julho – Emitido ordem de detenção para 42 jornalistas
25 de julho – 50 mil passaportes foram cancelados
25 de julho – Os líderes de partidos da oposição se alinharam para apoiar Erdogan
27 de julho – Emitido ordem de detenção para 47 jornalistas
27 de julho – A polícia militar e guarda costeira tornam-se dependentes do ministério do interior
27 de julho – As escolas militares foram fechadas
28 de julho – 131 instituições de mídia foram fechadas
28 de julho – Erdogan propõe subordinar as Forças Armadas e o Serviço de Inteligência Nacional (MIT) à Presidência

F) A campanha de linchamento social

A acusação de Erdogan contra o Movimento Hizmet levou a ações de violência no país. As autoridades governamentais incentivaram a perseguição aos simpatizantes de Gulen. Nesta atmosfera de pressão muitos começaram a mudar de opinião e tomaram atitudes contra o movimento Hizmet. Os que ficaram com medo confessaram ter participação nas atividades do Hizmet. A mídia pró-governo publicou listas de estabelecimentos comerciais e nomes dos empresários que são simpatizantes do movimento Hizmet para incentivarem o povo a saquear as lojas.

A loja da livraria NT foi saqueada

Erdogan: “Estou convidando vocês a saírem às ruas e protegerem nosso país contra este pequeno grupo que pretende tomar a nação turca”.

Multidão: “Pena de morte!” Binali Yildirim: “Entendemos o que vocês querem. Se o povo quer isto vamos atender”.

Bekir Bozdag, ministro da Justiça: A partir de agora não há mais espaço para conviver na Turquia com os que têm ligação com a FETO (Organização Terrorista de Fethullah Gulen)

Seref Malkoc – Assessor geral do presidente Erdogan: Percebemos a importância de cidadãos armados contra os golpistas. Vamos facilitar a obtenção de armas.

Governadores, sub governadores e prefeitos: Não aluguem casas para esses traidores, não façam compras ou vendam mercadorias, não ofereçam empregos, nem assinem contratos.

Exemplos de perseguição após golpe fracassado

  • O governo abriu linhas telefônicas para que os seguidores do movimento Hizmet fossem denunciados.
  • O povo, cheio de ira, incentivado pelo governo, atacou as instituições do Hizmet.
  • Em Istambul o dono de um restaurante pendurou um aviso “os simpatizantes de Gulen não podem entrar”.
  • Os partidários de Erdogan picharam as casas dos simpatizantes do Hizmet com a frase “não queremos vocês aqui”.
  • Um xeique na província de Erzurum colocou um aviso na porta da mesquita que dizia: “Os simpatizantes de Gulen não podem entrar”.
  • Um dos gerentes do time de futebol Trabzonspor postou isto no seu Twitter “As mulheres dos militares golpistas são despojos”
  • Os moradores de um prédio em Istambul fizeram uma reunião para expulsar um morador do condomínio que era assinante do jornal Zaman. Ele era maior jornal da Turquia opositor ao Erdogan.
  • Na França, os fanáticos por Erdogan incendiaram um centro cultural ligado ao Hizmet.
  • Os fanáticos de Erdogan penduraram um cartaz gigantesco na praça Taksim que dizia: Ó FETO (Organização Terrorista de Fethullah Gulen), o cachorro de satã, vamos enforcar você e seus cães com suas próprias coleiras.”
  • A Prefeitura de Istambul abriu um “Cemitério de traidores” para os golpistas.
  • Por Bulent Korucu, um dos jornalistas críticos procurados pelo governo, não estar presente no momento, a polícia levou sua esposa como refém.
  • Os cidadãos exigiram a confiscação dos bens dos golpistas.

Anistia Internacional diz que há provas de tortura e estupro na Turquia

CAPÍTULO 2 – CONSEQUÊNCIAS DA TENTATIVA DE GOLPE

A tentativa de golpe e as ocorrências seguintes, demonstram que a Turquia entrou numa nova época. No país, as condições parecem com a Revolução Islâmica no Irã. A formação da sociedade pelos políticos islamistas, que vem acontecendo gradualmente há 3 anos, a partir de agora se acelera. O governo de Erdogan, que se distanciou da democracia e se aproximou do autoritarismo, a partir desse momento, abriu as portas para a ditadura. Devido à posição geográfica, essa mudança na Turquia terá consequências econômicas e políticas não só na região mas também no mundo.

A- Possíveis consequências na política Interna

1) Mudança de regime: Não há mais obstáculos a frente de Erdogan para mudar o atual sistema parlamentarista para um sistema presidencialista, em que ele vai reunir todo poder em suas mãos. As torturas, violações dos direitos humanos, mortes suspeitas, fechamento dos jornais, prisão dos jornalistas, suspensão da sistema judicial mostram que a Turquia já passou da democracia à ditadura.

2) Islamização do país: Depois da tentativa de golpe, o governo AKP conseguiu ter uma base ainda mais forte. Agora existe um ambiente favorável para concretizar a ideia de considerar Erdogan também como um líder religioso. Por isso eles estão se aproveitando do estado de emergência para realizar um tipo de revolução islâmica no país.

Artigo: Esse é o momento “Revolução Islamista” da Turquia, Soner Cagaptay – WSJ 

O califado agora está sendo representado no parlamento turco. O governo vem praticando tudo que se precisa nesse sentido. Nesse contexto, se Erdogan conseguir mudar o país para um sistema presidencialista, provavelmente ele vai nomear conselheiros para todas as principais cidades islâmicas do mundo e aos distritos que declarem fidelidade ao califado. E ainda mais, ele vai criar as representações da União Islâmica no palácio presidencial Bestepe. Abdurrahman Dilipak, jornalista partidário de Erdogan

3) Fim da oposição: Os expurgos em massa mostram que o governo não aceita mais funcionários públicos que não sejam ligados ao AKP. As decisões tomadas durante o estado de emergência obrigaram a oposição a se alinhar com Erdogan.

4) Reforma no exército: O desgaste e a perda de confiança nos militares à frente do povo obriga o estado a fazer uma reforma no exército. É possível prever que o novo exército vai ter a missão de ser “o exército do califado” e a polícia de ser a “Guarda Revolucionária”, ambos comandados pelo presidente Erdogan. Também há uma formação de milícias armando os civis e a criação de novas estruturas paramilitares por meio das empresas privadas de segurança apoiados pelo governo. E ainda mais, existem máfias e grupos radicais que declararam fidelidade a Erdogan.

Ó meus irmãos. Os agentes de segurança do governo sempre estarão de prontidão. Mas caso eles estejam incapazes de cumprir os seus deveres e se o povo tiver que proteger seus direitos, faremos o seguinte: Cortaremos a garganta de todos os inimigos para que o sangue deles se espalhe para o mundo inteiro! Sedat Peker, líder criminoso

‘SADAT corporação, nasceu para atender às necessidades dos países islâmicos, sob controle do nosso Estado. Reuniu os funcionários aposentados mais competentes, aqueles com bom senso dos valores nacionais das Forças Armadas da Turquia, visando as prioridades da política internacional do nosso país.’ Missão oficial da SADAT, empresa de segurança privada apoiado pelo governo

5) Mais conflitos internos

É possível também que os grupos perseguidos pelo governo entrem em revolta. O exército que agora está divido pode ter reações agressivas, talvez mais uma tentativa de golpe. Curdos separatistas podem aumentar ainda mais clima de tensão no país e a luta armada pode se expandir para os centros das cidades.

6) Aumento da radicalização

Como consequência da polarização no país, os fanáticos de Erdogan podem destruir os que não apoiam suas ideias, como uma tarefa dada pelo governo. As autoridades governamentais podem fechar os olhos para abusos e até incentivar o público a confiscar os bens e mulheres dos opositores como “despojos”. Por outro lado, numa sociedade em que Erdogan é visto como califa, há risco do aumento da vontade de entrar em ação contra os não-muçulmanos, com um entendimento semelhante ao do Estado Islâmico.

B) Possíveis consequências na economia turca

1) O atual ambiente de caos na Turquia já afeta negativamente a economia, a taxa de câmbio, avaliação de crédito, mercado de ações, receitas do turismo e outros setores.

2) A recente mudança na legislação abriu portas para a entrada de moeda estrangeira sem declaração. Nesse processo o país pode se tornar um paraíso fiscal.

3) Devido aos buracos na economia atual o governo irá buscar novos acordos com a Rússia, Israel e outros países da Europa, principalmente no setor energético.

4) A Turquia pode entrar mais em pauta no ambiente internacional com seu envolvimento no tráfico de armas e contrabando internacional de petróleo.

5) O governo pode tomar as instituições, mercadorias e contas bancárias de pessoas ou empresas que tenham qualquer tipo de ligação com o Movimento Hizmet, com a justificativa de ele ser um movimento terrorista. Assim o governo pode conceder as posses que foram confiscadas aos que suportam o atual governo.

Para onde vai a economia turca

C) Possíveis consequências na política externa

1) Mudança de blocos políticos e econômicos

Usando a base aérea de Incirlik como uma forma de barganha, a Turquia pode se aproximar da Rússia para remover os EUA da região. Ameaçando UE e EUA, a Turquia pode entrar no Bloco do Leste, saindo ou sendo expulsa da OTAN. Para fortalecer esta aproximação, a ela pode trocar de parceiro econômico, entrando na Organização para Cooperação de Xangai. Como alternativa, a Turquia pode procurar novos caminhos para fortalecer a cooperação entre os países muçulmanos por meio da OCI (A Organização para a Cooperação Islâmica).

OCX (A Organização para Cooperação de Xangai) é melhor e mais forte. Nos convide e daremos adeus à UE. Se formos chamados, aceitaremos. Erdogan disse a Putin

2) União islâmica e guerra sectária

Os países sunitas vizinhos à Turquia podem se reunir para provocar uma guerra sectária na região ao redor do projeto “Aliança Militar Islâmica” que foi criado recentemente pelos países muçulmanos. Após a reformulação do exército turco pelo governo islamista, a Turquia pode apoiar esses esforços.

Aliança Militar Islâmica é uma aliança militar intergovernamental composta por 34 países do mundo muçulmano unidos em torno de uma intervenção militar contra o grupo terrorista Estado Islâmico e outras atividades de combate ao terrorismo.  (Wikipédia)

3) Crescente conflito com os curdos na região

Erdogan, pode usar seu novo exército para testar o seu poder. Nesse sentido, considerando os curdos como um inimigo fraco, pode se passar por valente. A luta da Turquia com os curdos no território nacional pode se espalhar pela região.

4) Migração do povo turco

O governo atual tem apoio da metade da população turca. Usando a carta de vítima da tentativa de golpe, hoje exerce pressão sobre a outra metade. Por isso, os perseguidos podem dar um jeito de sair do país.

5) Aumenta o risco de segurança mundial

Há uma suspeita internacional de que o Erdogan está tolerando grupos radicais na Síria e no Iraque. Apesar de muitas conversas e documentos revelados ao redor desse tema, a relação do Erdogan com os grupos radicais não foi reconhecida até hoje. Depois da tentativa de golpe, há indícios de que o Estado Islâmico esteja considerando a nova Turquia como um espaço seguro para sua existência. Por outro lado, a participação dos turcos no EI está aumentando cada dia mais, algo que pode aumentar o risco à segurança mundial.

Link: Todo dia 100 jihadistas entram na Síria pela Turquia– Le Figaro

CAPÍTULO 3 – HISTÓRIA DA TURQUIA E ASCENSÃO DE ERDOGAN

A) HISTÓRİA DA TURQUIA

  • Do Império Otomano à Turquia

O Império Otomano foi uma potência soberana entre os poderes do mundo por 600 anos. Esse império que ocupou um território vasto na África, Europa e Ásia foi desfragmentado por conta das ondas nacionalistas. Ele foi derrubado na Primeira Guerra Mundial e o território passou a ser administrado por países europeus. Após a guerra de independência, um novo estado foi fundado com a liderança de Ataturk no território onde hoje é a Turquia.

  • Turquia e a nova ideologia do Estado

Após a luta pela independência, com ideias positivistas, Ataturk, junto a seus companheiros de luta, estabeleceu as bases de um novo estado laico e democrático. Ele fez uma série de reformas no país com intenções de ocidentalizá-lo. Essa nova ideologia baseada nos conceitos nacionalistas glorificava a autoridade central enquanto destacava um perfil padronizado de cidadão. As diferenças étnicas foram ignoradas e as atividades religiosas foram controladas através de Chefia de Assuntos Religiosos ligada ao governo.

  • História das seitas religiosas

A Chefia de Assuntos Religiosos não pôde satisfazer as expectativas e assim surgiram novos grupos religiosos como uma necessidade. Entre esses grupos, o movimento “Nurculuk”, cujo fundador é Said Nursi, se destacou. No período seguinte o Hizmet, como uma ramificação do Nurculuk, veio se destacando com sua visão mais ampla, aberta ao mundo todo. Além do Nurculuk, existem vários outros grupos religiosos de diversos tamanhos com diferentes interpretações do Islã.

  • Histórico dos golpes

CHP (Partido Republicano do Povo) que foi fundado pelo Ataturk ficou no poder até 1945 como único partido. Com a transição para o sistema multipartidário, diferentes ideologias entraram na política turca através dos novos partidos. A partir disso, partidos da centro-direita ganharam mais espaço no parlamento. Soldados que se incomodaram com a governança dos outros partidos aplicaram 4 golpes bem sucedidos, em 1960, 1971, 1980 e 1997. Além desses, ocorreram outras tentativas de golpe que fracassaram.

  • Nascimento dos partidos islamitas

Fundado com a liderança do Nejmettin Erbakan, a Ordem Nacional (1970) foi o primeiro partido com agenda islâmica na política turca.  A ideia era agradar aos religiosos por meio da política e regularizar as leis conforme as ordens do Islã. Este movimento recebeu apoio popular e se intitulou como “Vista Nacional” que teve base nas escolas religiosas, onde Erdogan se formou.

B) ASCENSÃO DE ERDOGAN

  • Erdogan ingressa no cenário político turco

Erdogan era um discípulo jovem de Erbakan e coordenava a plataforma de jovens do partido de Erbakan. Ele começou a sua carreira política como prefeito de Istambul de 1994 até 1998. E depois foi preso por 4 meses por recitar um poema que ‘incitava ao ódio nas pessoas e à inimizade através das diferenças étnicas, religiosas, raciais’. Isto fez a imagem dele ser vista como de um político vítima de perseguição. Ao sair da prisão ele se tornou uma figura política que defende a liberdade de expressão, recebendo apoio dos grupos religiosos e minorias que sofreram da mesma perseguição. Em 2001, ele fundou AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento) junto a um grupo que se separou do partido do Erbakan.

Ele declarou que havia mudado da “Vista Nacional” para uma linha “liberal democrata e conservador moderado”. Houve uma crise econômica grave em 2002 e seu discurso que prometia saída dessa crise ajudou seu partido a chegar ao poder sozinho.

O poema que Erdogan recitou e fez ele ser preso

Oração do Soldado

Minaretes serão baionetas e cúpulas serão capacetes
Mesquitas serão quartéis e muçulmanos serão soldados
Este exército divino guarda a minha religião
Deus é grande, Deus é grande
Ziya Gokalp – 1912

  • Primeiro e segundo mandatos de Erdogan – (2003-2007) (2007-2011)

Após a conquista do poder, Erdogan e seu partido venceram a crise com um forte programa de economia. Pela primeira vez na história turca, o povo encontrou paz e prosperidade em um ambiente de estabilidade e diálogo. A candidatura de adesão da Turquia à União Europeia, a liberação de muitas coisas anteriormente proibidas, política interna pluralista, política externa pacífica, novos acordos comerciais que nunca haviam sido feitos, novos serviços públicos, investimentos na infraestrutura, novos programas sociais… Isso tudo fez com que ele virasse um herói perante a opinião pública.

  • Terceiro mandato de Erdogan (2011-2014)

O terceiro mandato de Erdogan foi palco de muitos incidentes que trouxeram o autoritarismo para dentro da Turquia e isolamento do exterior. Nesse período, Erdogan começou a abrir o caminho para ditadura, criando um círculo fechado e abandonando seus velhos companheiros.

  • Pós-presidência (2014- …)

Erdogan, que havia mudado diversas leis enquanto era primeiro ministro, tomou posse como presidente através do voto popular. Após se tornar presidente, ele construiu um palácio com 1100 salas e pôs o primeiro ministro sob seu domínio. Ele declarou que a Turquia em prática já transitara para o sistema presidencialista. E como resultado disso, o país se aproximou de um regime ditatorial. Nesse período, veículos de mídia foram fechados, empresários foram presos e os bens foram confiscados. Milhões de pessoas foram classificadas como “apoiadores” e “opositores” de Erdogan. O sistema judiciário, a burocracia e as forças de segurança foram totalmente controlados. O movimento Hizmet foi declarado como uma organização terrorista, e aumentaram os expurgos. Seguidores e entidades ligadas ao Hizmet foram perseguidos em uma caça às bruxas. Finalmente, ele conseguiu arrancar o Hizmet pela raiz e silenciar toda oposição depois da tentativa de golpe.

C) ANÁLISE DOS POLÍTICOS DE ERDOGAN

1) O caminho trilhado para a ditadura

Erdogan não se tornou um ditador da noite para o dia. Ele chegou no poder em 2003 com apoio de vários grupos e construiu lentamente seu caminho até a centralização do poder. Sem precisar de uma coalizão, ele governou o país por 12 anos, o que o ajudou a mudar as leis conforme a sua vontade.

No início, ele parecia mais inocente e faria mudanças no país a favor da democracia, mas também com pequenas ações que beneficiariam apenas a si próprio. Isto deixava os laicos e kemalistas furiosos pois queriam manter seu domínio sobre a política. A partir de 2010, que marcou início do seu terceiro mandato, Erdogan mudou seu caminho totalmente e se tornou mais duro. As ações antidemocráticas se aceleraram em 2013. Quando ele se tornou presidente através do voto popular, declarou que o regime acabara de mudar e tomou ações que não respeitavam as decisões judiciais nem a constituição. Aqui estão alguns seu atos autoritários a partir de 2010:

Referendo: Para fazer uma série de mudanças na constituição de uma só vez, Erdogan propôs um referendo bem arquitetado em 2010 para alcançar seus dois principais objetivos. 1) Julgar os militares nos tribunais civis para enfraquecer a tutela militar deles no país.  2) Eleger o presidente pelo voto popular para adquirir mais poder e garantir sua continuação no mandato do país.

Sistema presidencialista: Pela primeira vez, durante a campanha para terceiro mandato, Erdogan mencionou implantar um tipo de sistema presidencialista à la turca que poria o poder na mão de apenas um líder.

Armadilha da promessa de uma nova constituição: Erdogan fez uma campanha prometendo uma nova constituição focada no aumento das liberdades e na democracia. Assim ele conseguiu um apoio mais forte da sociedade e chegou a um acordo com os partidos de oposição. Foi criada uma comissão, rascunharam a nova constituição e, na última fase, Erdogan colocou o sistema presidencialista como uma meta, juntamente às outras metas. Porém, a oposição discordou e assim a comissão foi abolida.

Expurgos iniciais na burocracia: Seduzido pelo poder após a vitória contra a tutela militar, Erdogan começou os expurgos pela burocracia, quebrando a aliança com os grupos que o apoiavam e centralizando o poder em si.

Pacotes de leis: Centenas de pacotes de leis que somente serviram para o bem dos adeptos do AKP e para fortalecer Erdogan passaram no parlamento. Os empresários pró-governo se beneficiaram com essas novas medidas enquanto a oposição sofria.

Controle da mídia pelo governo: Através das sanções financeiras aos donos dos meios de comunicação, Erdogan fez com que os grupos de mídia mudassem de mãos. A pressão do governo estimulou uma parte da mídia a se autocensurar após as manifestações populares.

Caricatura que demonstra o controle da mídia exercido por Erdogan

Caricatura que demonstra o controle da mídia exercido por Erdogan

Entrevista: Critias são boas, Akin Ipek

Link: RSF condena “caça às bruxas’’ contra jornalistas na Turquia.

Por outro lado, Erdogan requereu dos empresários aliados que criassem novos veículos de mídia, financiados através de desvios de dinheiro público. Além disso, o controle da mídia estatal e controle das redes sociais através do órgão regulatório fez Erdogan ganhar uma força midiática poderosa. Foi criado um cyber-exército financiado pelos recursos do seu partido para contra-atacar os críticos nas redes sociais. Mais de 2 mil jornalistas foram processados, sendo acusados de insultar o Erdogan. O governo cancelou credenciais de milhares deles e tomou com força policial a mídia que ainda resistia. Finalmente, Erdogan assinou um decreto para fechar 131 veículos de mídia no país.

A ascensão de Erdogan como Chefe de Mídia


Mudança da lei de segurança Interna: Erdogan mudou a lei de segurança e a definição de terrorismo para pressionar a oposição se utilizando da força policial.

Controle do sistema judiciário: Para reverter os processos abertos contra ele e seu círculo próximo, Erdogan mudou leis para que o sistema judiciário ficasse dependente do ministro da justiça. Assim, ele controlou todos os juízes e promotores através do conselho de magistrados, que era independente.

Criação de cortes especiais: Para facilitar a execução das novas leis e perseguir os opositores, Erdogan modificou o sistema judiciário, criando cortes especiais formadas pelos juízes fiéis a ele. A nova corte foi desenhada para impedir que os recursos subissem ao tribunal superior. Ainda mais, a corte atende somente os pedidos do governo.

Caça às bruxas: Para acabar com o Movimento Hizmet, Erdogan começou uma campanha de linchamento moral público, ordenando expurgos, detenção das pessoas, apreensão dos bens, exílios e alguns atos ilegais.

Estado de emergência: Após a tentativa de golpe, Erdogan declarou estado de emergência no país e assim a constituição foi suspensa.  Aproveitando este momento, fechou todos os veículos de comunicação de oposição, expurgou todos os adversários dos cargos públicos, inclusive no exército e no sistema judiciário, reconstruindo o estado conforme às suas necessidades.

Rompimento de relações com Israel (2009), Ataque à Flotilha da Liberdade (2010), Primavera Árabe (2010)

Depois de um período pacífico na política externa, as relações bilaterais entre a Turquia e Israel ficaram tensas após uma briga entre Erdogan e o presidente de Israel Simon Peres. Em 2009, Erdogan entrou em debate com Simon Peres no Fórum Econômico Mundial sobre assassinatos israelenses e terminou a discussão saindo do palco.

No ano seguinte, uma flotilha de ajuda humanitária, incentivada por uma ONG e apoiada pelo governo turco, tentou quebrar o embargo de Israel em Gaza. Forças israelenses atacaram a flotilha e mataram 9 ativistas turcos. Depois disso, as relações entre os dois países foram suspensas.

A ação de Erdogan contra o líder israelense e o ataque de Israel à flotilha aumentaram sua popularidade no mundo islâmico. Assim, ele quis aproveitar este momento para exportar seu papel como um líder influente sobre o mundo muçulmano. Em seguida, começaram as revoltas dos povos árabes e Erdogan considerou isto como uma oportunidade para difundir o seu poder no Oriente Médio. Com este intuito, mudou a política externa do país e teve problemas com Israel, Líbia, Iraque, Egito, Síria, Rússia e Alemanha.

O caso dos processos jurídicos “Ergenekon”: Entre documentos encontrados em uma batida existiam alguns que apontavam a presença de uma organização criminosa chamada de ‘Ergenekon’. Após investigações, ela foi considerada como uma organização secreta formada por militares, policiais, jornalistas, acadêmicos e agentes do serviço de inteligência, permeando todos os setores da sociedade turca. Esta organização foi acusada de ser responsável pelos diversos acontecimentos por toda a Turquia, como assassinatos, atentados e planos de golpe.

Uma vez que os promotores descobriram a ligação dos casos separados com a Ergenekon, eles juntaram os processos para que os membros fossem julgados no mesmo tribunal. Após a revelação dos planos de golpe contra o AKP, Erdogan conseguiu validar uma lei através do referendo que permitia que os militares fossem julgados em tribunais civis, os mesmos responsáveis pelo caso Ergenekon.

Tendo o apoio do povo contra a tutela militar Erdogan queria excluir os soldados do cenário político. Assim os militares que fizeram planos de golpe e centenas de civis que fizeram parte da Ergenekon foram presos. Sendo uma ferramenta útil, Erdogan usou da Ergenekon para aumentar seu apoio popular e castigar diversas pessoas, inclusive inocentes.

2) Crises enfrentadas por Erdogan

Durante sua carreira política, Erdogan combateu a tutela militar e passou por tempos difíceis. Porém, com o apoio popular do qual o Movimento Hizmet também participou algumas vezes, ele superou essas crises. No final das contas, ele foi visto como um super-herói que sobreviveu a vários momentos difíceis.

Ressurreição política de Erdogan: Em 2002, quando o AKP entrou na primeira eleição, Erdogan estava proibido de atuar na política. Quando seu partido venceu as eleições, seu amigo Abdullah Gul se tornou o primeiro ministro e fez passar uma lei que o permitiria atuar na política. Quando ele se tornou elegível, apareceu uma oportunidade para se candidatar como deputado na cidade de Siirt onde um parlamentar acabara de ser caçado. Sendo eleito, ele conseguiu entrar no parlamento e depois Abdullah Gul renunciou para que ele chegasse ao poder.

Crise da eleição de um novo presidente: Em 2007, a candidatura para presidência de Abdullah Gul, que era um dos fundadores do AKP, provocou o boicote dos partidos de oposição. Para ele ser eleito, era preciso uma maioria de pelo menos 367 votos de um total de 550 votos no parlamento. No sistema parlamentar da Turquia, o cargo de presidente era um cargo simbólico que representa o povo, com poder de mediação, que deveria ser imparcial como cabeça do estado. Os candidatos à presidência eram eleitos pelo voto parlamentar até 2010 quando um referendo promovido por Erdogan decidiu que o presidente seria eleito pelo voto popular. Essa crise foi superada com o apoio do MHP (Partido do Movimento Nacionalista) logo após uma eleição antecipada.

Ameaça velada de golpe militar Durante o processo de eleição do presidente em 2007, as forças armadas da Turquia publicaram uma nota declarando a sua posição política e ameaçando o governo de Erdogan com um golpe. A crise foi superada com apoio dos populares e movimentos civis, inclusive do Hizmet.

Processo de fechamento do partido: Em 2008, foi aberto um processo no supremo tribunal para fechar o seu partido, o AKP,  acusado de se tornar “foco de atos contra laicismo”. Ele venceu com a diferença de apenas um voto e superou esse momento difícil com ajuda do povo e dos movimentos civis, como o Hizmet.

Planos de golpe: Em 2007, devido ao papel da mídia na revelação dos documentos, foi descoberto que o exército havia planejado 4 golpes para tirar o AKP do poder. Estes planos não foram executados porque o então chefe do exército não permitiu. Com apoio popular e dos movimentos civis inclusive o Hizmet, AKP processou os militares que planejaram os golpes.

Manifestações no Parque Gezi: Esta onda de manifestações poderia ser vista como uma reflexo da primavera árabe na Turquia. Os atos dos manifestantes e o tamanho dos grupos cresceram tanto que até se criou a expectativa de que o governo poderia ser derrubado. Erdogan interpretou este momento como uma guerra de vida ou morte, e assim adotou um discurso totalmente autoritário, tomando um caminho sem retorno. Conseguiu pressionar as manifestações usando força policial e acusou alguns outros países junto aos grupos econômicos e ao movimento Hizmet. Conseguiu sair da crise mais forte até então, mas foi parar em um beco sem saída.

Investigação sobre escândalo de corrupção: Em dezembro de 2013, uma investigação policial revelou um grande esquema de corrupção que envolvia 4 ministros do AKP junto a seus filhos, incluindo vários empresários e Erdogan com sua família. Erdogan chamou isto de uma tentativa de golpe e acusou o Hizmet. Se recusou a ir prestar esclarecimentos na justiça. E ainda mais, mudou a legislação para reverter o processo e conseguiu impedir o avanço da investigação, caçando os promotores e policiais envolvidos.

Tentativa de golpe: No dia 15 de julho de 2016, aconteceu uma tentativa de golpe frustrada na Turquia, organizada por um grupo de militares rebeldes. Erdogan fez uma convocação ao povo para sair às ruas. O golpe foi reprimido com ajuda da polícia e da resistência do povo. Como resposta, Erdogan deu um contragolpe que serviria para implantar o sistema de governança que acumula todo poder nas suas mãos.

4) Da onde vem o poder de Erdogan?

O poder atual do Erdogan vem através da mídia e do sistema judiciário, sendo portanto totalmente controlados e parciais. Por outro lado, com políticas populistas, discursos drásticos e apelo religioso ele tem uma base grande. Seu poder financeiro emana de seu domínio sobre as verbas públicas e doações de empresários beneficiados pelo governo.

Durante seu mandato de 14 anos, Erdogan teve apoio de diferentes grupos, dependendo da conjuntura política do momento. No começo, o apoio dos grupos, inclusive dos religiosos, reunidos contra a tutela militar e a proibição das liberdades de expressão, era unânime. Os seculares que eram a favor da adesão à União Europeia e os liberais que queriam reforma econômica no país também o apoiaram com expectativa de avanço na democracia. No decorrer do tempo, alguns aliados romperam o apoio por causa das mudanças na postura de Erdogan e começaram a fazer críticas. Sendo um político islamista, ele sempre atraiu apoio do público religioso. Como uma tática de governança ele sempre criou ‘inimigos para o estado’ e usou ameaças financeiras, de segurança e políticas.

Erdogan é um político que ganhou mais força como consequência dos diversos sofrimentos pelos quais passou. Sua prisão, o processo de fechamento do seu partido, ameaça dos militares, boicote dos outros partidos, manifestações populares, investigação de corrupção e por último a tentativa de golpe fizeram com que ele fosse visto como uma vítima de todo, um herói e um salvador do povo e da democracia.

5) Quem apoia Erdogan?

  • Os beneficiários dos programas sociais
  • Os empresários que recebem licitações do governo
  • As pessoas que fazem parte da organização do AKP
  • Os que se beneficiam da nomeação a cargos no estado e em empresas públicas através de suas ligações com o AKP, incluindo ligações de parentesco
  • ONGs que foram beneficiadas pelo governo, tornando-se dependentes do AKP
  • Os grupos religiosos que consideram Erdogan como líder do mundo muçulmano
  • Os imãs, mesquitas e escolas religiosas que são ligados ao Conselho dos Assuntos Religiosos, que é dependente do governo
  • Os curdos eram aliados do AKP até 2014 contra os nacionalistas, mas agora o jogo se inverteu e os nacionalistas se tornaram aliados do Erdogan contra os curdos
  • Os militares que foram expulsos do exército pelos Kemalistas
  • Os que guardam rancor do movimento Hizmet
  • Os que sonham com a volta do Império Otomano
  • A parte da população que considera ele como herói por influência da mídia
  • A parte da população que se auto policia por medo do que Erdogan pode fazer contra eles
  • A parte da população que compara os velhos governos ou outros partidos com o governo atual e acha que apesar dos problemas é a opção menos ruim
  • Os que falam “eles roubam mas fazem”
  • Amedrontados pela intimidação financeira, de segurança e de política
  • Criminosos e homens da máfia que foram soltos da prisão pelo governo
  • Líderes dos alguns partidos pequenos que foram assimilados pelo AKP em um acordo de cargos
Se a gente (AKP) cair, vocês não irão receber seus salários (Bulent Arinc, ex-ministro do AKP)
Se a gente (AKP) cair, os carros brancos (se referindo a organizações mafiosas em cooperação com estado) irão voltar (Ahmet Davutoglu, ex-primeiro ministro)
Votem a suficiente para eleger 400 deputados (para o AKP) para finalizar isto (implantar o sistema presidencialista) em paz. (Erdogan, presidente)

CAPÍTULO 4- OS MOTIVOS DO CONFLITO ENTRE ERDOGAN E HIZMET

A) Erdogan e Gulen são rivais?

Na Turquia, hoje em dia, a corrente islâmica política representada por Erdogan e a corrente islâmica social representada por Gulen englobam fundamentos opostos. Erdogan, sendo um político, tem sua base na política e Gulen sendo um erudito, tem sua base na vida social. As ideias dos dois não concorrem no mesmo plano, porém, os dois querem transformar a sociedade, um por meio de leis e ordens, o outro por meio da educação e do diálogo. A corrente islâmica política propõe que os muçulmanos se reúnem em torno de um líder político e religioso para governar o país e assim criar uma união islâmica e um bloco forte contra o ocidente. Porém, Gulen defende que a religião é um caminho para ligação entre Deus e o ser humano e que não deve se misturar à política. Para Gulen, os muçulmanos devem se integrar ao mundo moderno e não formarem um bloco à parte.

Erdogan não é contemporâneo a Gulen. O mentor e precursor de Erdogan, Nejmeddin Erbakan, em 1970, visitou Gulen e pediu sua participação no movimento islã político, mas Gulen se recusou e preferiu seguir seu próprio caminho. Por motivos semelhantes, como por exemplo sobreviver na tutela militar em um país governado pelos kemalistas, os dois movimentos não se cruzaram até 2010, quando Erdogan excluiu os militares da política e adotou um novo caminho em que não haveria espaço para outros movimentos independentes.

B) Qual é o papel do Gulen na política turca?

Gulen é uma figura que inspira as pessoas com suas ideias, se recusando a participar ativamente na política. Contudo, muitos partidos políticos, inclusive o de Erdogan, pediram apoio a Gulen desde o início da década de 1970. Porém, Gulen evitou dar apoio direto a partidos ou líderes políticos, mas apoiou seus projetos e discursos a favor da democracia, sem discriminá-los e adotando uma posição neutra. Sendo um formador de opinião respeitado, Gulen conversa com seus seguidores e responde às suas perguntas sobre diversos assuntos, incluindo as questões atuais na política. Os políticos também acompanham as suas conversas e os jornais levam suas palavras às manchetes. Apesar de não ser a intenção de Gulen, os políticos tomam as opiniões dele diretamente como “ataque” ou “apoio” às ações políticas que ocorrem no país.

Para muitos seculares, Gulen fez o povo acordar e realizou uma revolução na Turquia por meio da educação. Ao contrário dos países vizinhos, a Turquia ficou protegida da onda de radicalismo graças às ações de Gulen.

Quem é Fethullah Gülen?

 

C) Por que Erdogan vê o Movimento Hizmet como o arqui-inimigo?

Na base desta questão fica a tendência de Erdogan a dominar as entidades públicas, ONGs, grupos religiosos e partidos de oposição. Durante seu mandato de 14 anos, Erdogan conseguiu cercar a maioria desses grupos e submetê-los à sua vontade através de diversas ferramentas. Mas o Movimento Hizmet resistiu a essa força. Em resumo, os motivos dessa inimizade do Erdogan contra o Movimento Hizmet são as seguintes:

  1. Gulen é um erudito, fora do alcance político e é muito influente sobre as pessoas
  2. Hizmet tem uma organização cívica muito forte, financeiramente independente do governo e não se submete a Erdogan.
  3. Ao contrário de outros grupos islâmicos, o Hizmet não considera Erdogan como uma autoridade religiosa.
  4. O nível elevado de escolaridade dos seguidores do Hizmet dificulta para suas ações políticas correrem livremente.
  5. Erdogan se sente ameaçado pelo forte lobby do Hizmet no exterior
  6. Os órgãos de mídia do Hizmet são vistos como uma pedra no caminho do autoritarismo de Erdogan
  7. A participação dos seguidores do Hizmet na máquina do estado é vista por Erdogan como uma “infiltração”, enquanto que Gulen defende que isso é um direito de qualquer cidadão, desde que seja fiel às leis.

D) Por que os seguidores de Gulen escondem as suas identidades na Turquia?

A Turquia é um país cosmopolita com sua estrutura demográfica que abrange várias etnias, grupos religiosos e ideológicos. Desde sua fundação, a ideologia do estado não vê a sociedade por igual sob os aspectos dos direitos e da liberdade. Liderados por Ataturk, os militares fundaram a Turquia tendo o cidadão ideal como ‘turco, laico e nacionalista’. Os que ficaram fora desta definição foram considerados subcidadãos. Desde o início até hoje, os que tiverem o controle do poder do estado, se consideraram como “guardiões da pátria” e chamaram de “traidores” ou “infiltrados” os que não rezavam segundo sua cartilha. Por isso, deram 4 golpes nos anos 1960, 1971, 1980 e 1997 para manter vigentes e puros na sociedade turca seus valores kemalistas. Durante essa história, os curdos, alevitas, islamistas, grupos religiosos e minorias no país tiveram que esconder suas identidades para evitar  perseguições, pois, o estado fichava os cidadãos pelas suas características.

O que é o Movimento Gülen?

Chegando ao mesmo poder que Atatürk, hoje Erdogan está substituindo a definição do cidadão ideal por “turco, islâmica e nacionalista”. Os atuais expurgos estão incluindo todos aqueles que não dizem amém para suas políticas, inclusive os participantes do Hizmet. Mesmo depois do fracasso dos militares, os fichamentos nunca pararam na Turquia. Sabendo disso, os seguidores do Hizmet continuaram a se esconder para garantir sua segurança pessoal, como na Alemanha de Hitler nos anos 1930. Os governos, inclusive o de Erdogan, perpetuando vigilância dos cidadãos, sempre obrigaram os outros grupos a se esconderem.

Contudo, é um direito de qualquer pessoa exercer cargos públicos como um cidadão pagador de impostos e eleitor registrado, conforme às leis. Então esconder a identidade não é opcional, mas uma necessidade impelida pelas ações dos governos. Na verdade, o que é absurdo é os governos estarem categorizando a população, para impedir o exercício de cargos públicos e desenvolvimento deles na sociedade. Vamos supor que um governo no Brasil não aceite orientais, ou judeus, ou liberais para cargos públicos. Como eles iriam reagir a isso para sobreviver?

A definição mais sucinta do que está acontecendo na Turquia é um “massacre político”. Neste contexto, os seguidores do Gulen não são o único grupo que está sendo perseguido.

E) Histórico de apoios de Gulen ao AKP

Uma pergunta popular por parte da mídia internacional: “Porque o Hizmet apoiou Erdogan nas suas campanhas desde 2003 até 2010 e depois rompeu com ele?”

Na realidade, Gulen não foi a única figura que se aliava com as políticas do AKP até certo momento. Entre os que inicialmente elogiavam Erdogan, estavam a União Europeia, Estados Unidos, comunidade internacional, mídia internacional, mídia local, junto aos grupos religiosos.

Respondendo a esta pergunta, Gulen afirma que o apoio dos seguidores na forma de votos e de suporte midiático foi devido à promessa de reformas que levariam a Turquia à avanços democráticos que culminariam na filiação à União Europeia. Erdogan havia prometido que iria parar de classificar as pessoas com base em sua visão política, respeitar a liberdade de religião e conter a influência militar em questões domésticas. Tudo isso estava no programa do partido, e seus líderes anunciaram essas promessas inúmeras vezes. Durante o primeiro mandato, eles de fato implementaram essas reformas mas não continuaram nesse caminho.

Aqui estão alguns projetos do AKP de Erdogan apoiados pelos seguidores do Hizmet no contexto político:

Domesticar os militares: Gulen apoiou as decisões políticas sobre a retirada dos militares de um poder latente, que fizeram 4 golpes durante os 90 anos da república.

Remoção das proibições: A tutela militar havia proibido várias coisas na Turquia para manter alguns certos valores kemalistas que eram antidemocráticos. Junto a outros, Gulen também apoiou as políticas voltadas a remover essas proibições, como o uso de véu nas instituições públicas e a discriminação contra os formados em escolas religiosas, que polarizavam o povo.

Liberdade de expressão: O país sofria muito com condenações de acadêmicos e jornalistas por seus discursos ou artigos, que eram considerados como crimes de pensamento. Erdogan eliminou as leis que serviam como um chicote para controlar as ideias e criou novas leis para proteger a liberdade de expressão no país. Gulen apoiou tudo isso.

Adesão à UE: Com expectativa de fortalecer a sua democracia e se integrar ao mundo ocidental moderno, a Turquia se candidatou à União Europeia. O governo de Erdogan vinha cumprindo as exigências postas para adesão à UE. Gulen apoiou este projeto do governo e todas as reformas realizadas a respeito.

Constituição civil: A constituição atual da Turquia foi composta após golpe militar em 1982. Ela limita alguns direitos e liberdades, sendo um obstáculo para união do país. Em 2010, Erdogan prometeu uma nova constituição que seria composta com a participação de todos. Gulen apoiou fortemente este projeto, que, porém se tornou um fracasso.

A política externa pacífica de “zero problemas com vizinhos”: Nos primeiros dois governos, Erdogan adotou uma política externa baseada no diálogo com os vizinhos, para acabar com os problemas que vinham ocorrendo ao longo da história. Gulen apoiou esta aproximação do governo até que Erdogan rompesse primeiro com Israel e depois com outros.

Resistência contra fechamentos de partidos políticos: A tradição jurídica na Turquia sempre foi contra os partidos com agenda islamista, curda e de extrema esquerda. A Turquia foi um cemitério para vários partidos que foram sendo fundados e fechados, um atrás do outro. Em 2007, Abdurrahman Yalcinkaya, o então Procurador Geral da República abriu um processo na Suprema Corte para pedir o fechamento do AKP, que havia se tornado foco de acusações de ser contra laicismo. Hizmet apoiou Erdogan e seu partido durante este processo, pois, o fechamento de um partido seria um ato antidemocrático.

Negociações de paz com os curdos: Os curdos na Turquia, cerca de 18% da população total, foram discriminados e hostilizados pelo Estado durante os 90 anos da república. Em 2005, pela primeira vez na história, Erdogan, como um líder oficial, assumiu a existência de um problema com os curdos e deu sinal de que iria devolver seus direitos.

Por este motivo, em 2009, o governo começou um processo de diálogo com os líderes curdos, de forma oculta. Vendo isso como uma carta política,  Erdogan começou a negociar com os curdos, para devolver alguns direitos deles, em prol do sistema presidencialista. O processo foi encerrado por Erdogan em 2015, pois o AKP perdeu votos e os curdos ganharam poder no parlamento.

Durante este processo, o Hizmet apoiou o governo com intenção de recuperar as relações com os curdos, sob essas quatro condições:

  1. O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) não pode ser considerado como único representante dos curdos.
  2. O governo tem que ser transparente com suas ações em relação ao processo de paz.
  3. Os direitos humanos não podem estar sujeitos a negociações e devem ser restaurados completa e imediatamente.
  4. A dignidade nacional não deve ser desrespeitada.

F) Histórico de conflitos entre o Hizmet e AKP

Apoiando alguns projetos do AKP,  Hizmet foi visto como aliado de Erdogan dentro do país e fora. Mas na realidade, em várias ocasiões o Hizmet criticou o AKP e os dois entraram em desacordo sobre questões importantes. Essas críticas foram expressadas através das conversas de Gulen, pelos jornalistas que escrevem nos veículos de mídia do Hizmet e nas declarações das entidades inspiradas pelo Hizmet.

Desde que Gulen começou a divulgar suas ideias, ele vem defendendo os mesmos princípios e valores como democracia, paz, educação, liberdade de expressão, diálogo etc. Isso fez com que em determinado período Gulen e Erdogan caminhassem em paralelo. Porém, em certo momento, os discursos de Erdogan começaram a desviar, conforme seus interesses particulares.

Aparentemente, eles caminhavam juntos e se davam bem. Mas o tempo revelou que a simpatia de Erdogan pelo Hizmet só se manifestava conforme a conveniência da época. Confessado hoje pelos companheiros de Erdogan, seus elogios às atividades do Hizmet e convites para que Gulen retornasse à Turquia foram apenas táticas para manter uma relação próxima com o Hizmet.

Esses são alguns dos desacordos entre Hizmet e AKP:

A proposta da lei antiterrorismo: Em 2005, o AKP propôs uma mudança na lei antiterrorismo que poderia atingir vários grupos inclusive o Hizmet e partidos da oposição. Por causa da resistência do povo e críticas levantadas pelas entidades civis, o governo não teve coragem para insistir e seguir em frente com este projeto. Porém, ao longo do tempo, esta lei foi posta em prática de pouco em pouco, implicando o Hizmet como um grupo terrorista.

O caso Mavi Marmara (Ataque à Flotilha da Liberdade): Um grupo de ativistas de vários países queria levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza na Palestina, tentando furar o bloqueio imposto pelo estado israelense. Porém, o navio Mavi Marmara, em que os ativistas estavam abordo, foi atacado pelo exército israelense e 10 ativistas turcos morreram. Esta iniciativa foi apoiada indiretamente pelo governo turco. Nesse contexto, Gulen criticou isto e afirmou que os organizadores da ação deveriam ter solicitado a autorização de Israel, sendo um país soberano. Por esta razão, Erdogan acusou Gulen de estar a favor de Israel e trair seu próprio país.

Crise do MIT (Serviço de inteligência nacional da Turquia): Em 2012, foi descoberto que o KCK, um braço urbano do PKK, que representa os guerrilheiros curdos em geral, foi protegido pelo MIT. A respeito disso, o secretário geral do serviço de inteligência, Hakan Fidan, e mais 5 administradores da sua equipe foram chamados pelo tribunal para depoimento. O então primeiro-ministro Erdogan, rotulou esta ação de uma “tentativa de golpe” contra ele e impediu que o secretário fosse ao tribunal. Graças a uma manobra, ele conseguiu mudar a lei, colocando o MIT sob sua subordinação e fazendo necessária sua autorização para investigar qualquer atividade da agência. Durante este processo, Erdogan acusou o Hizmet de estar por detrás do processo judicial.

Manifestações do Parque Gezi: Em 2013, o governo turco queria refazer uma antiga construção de um quartel militar que ficava onde hoje em dia é um parque famoso que está localizado ao lado da praça Taksim, um dos principais pontos de Istambul. A ideia inicial era fazer um shopping naquele lugar. Por este motivo, a prefeitura começou a cortar as árvores dentro do parque e as pessoas que ficaram sabendo disso se manifestaram na praça contra o corte das árvores. Para acalmar a situação, o governo passou a afirmar inutilmente que na verdade faria um museu ali. Pois, milhares se reuniram na praça para reagir à tendência autoritária do governo, que começou a reprimi-los com forte truculência, taxando os manifestantes de “vagabundos”. Assim, as manifestações cresceram e se espalharam por todo o país. Sob a ordem de Erdogan, a polícia silenciou as vozes críticas nas ruas e o regime se tornou mais autoritário.

Neste contexto, Gulen criticou este comportamento de Erdogan, aconselhando o governo a estabelecer um diálogo com os manifestantes. Negando esta proposta, Erdogan acusou as instituições financeiras internacionais, a Alemanha e seus aliados no país, inclusive o Hizmet, de estarem por detrás das manifestações, chamando isto de uma tentativa de golpe.

Fechamento dos cursinhos: Visto como uma ameaça a sua força política, Erdogan queria acabar com a influência de Gulen divulgada no país principalmente através das instituições educacionais. Por isso, em 2013, propôs uma lei bem calculada que na prática resultaria no fechamento dos cursinhos do Hizmet. Isto foi a primeira ação repressiva de Erdogan contra Gulen que foi criticada duramente pela mídia do Hizmet.

A investigação de corrupção: Em 17 de dezembro de 2013 a Turquia entrou em uma nova fase. Depois de uma investigação que durou cerca de 2 anos, os procuradores da justiça junto à polícia lançaram a primeira fase de uma mega operação contra a corrupção. Emitiram ordem de busca e apreensão para 71 suspeitos, incluindo alguns empresários, burocratas, 4 ministros do AKP e seus filhos. Somente uma semana depois, a segunda fase da operação atingiu o então Primeiro-Ministro Erdogan e sua própria família.

Porém, manipulado pelo governo, a Procuradoria Geral de Istambul implantou mais dois promotores fiéis ao governo, para desativar o promotor original do caso. Assim, Erdogan conseguiu barrar a investigação com diversas manobras e inverter o jogo a seu favor. A investigação foi encerrada depois de 73 dias, os que haviam sido detidos na investigação foram liberados e o governo iniciou um contra-processo.

Logo depois, todas os policiais, juízes, promotores e jornalistas que fizeram parte da investigação foram gradualmente substituídos, afastados, processados e presos. Erdogan chamou isto de uma tentativa de golpe e acusou o Hizmet de ter orquestrado a investigação através dos seus seguidores no judiciário e na polícia. Quando a situação foi controlada, o governo iniciou grandes expurgos na burocracia e Erdogan lançou uma campanha de “caça às bruxas”.

Artigo: O que está acontecendo na Turquia?

Governo acusa Hizmet de conspiração contra o exército: Para poder sair da crise que resultou da investigação de corrupção, Erdogan e seu governo começaram uma campanha para difamar Gulen. Neste período, foram levantadas muitas acusações e criadas muitas teorias da conspiração para manchar o Hizmet e apresentar ele como uma organização criminosa. Uma dessas ações do governo foi culpar o Hizmet pela fabricação de evidências falsas para pedir a prisão dos chefes do exército julgados dentro do processo da Ergenekon. Assim, o governo liberou os que foram presos sob julgamento da Ergenekon e fez um acordo com eles para lutar contra o Hizmet.

Processo dos caminhões da MIT: Conforme o relato da oposição, desde o início da guerra civil na Síria, o governo turco ajudou os grupos de oposição, talvez o Estado Islâmico, enviando armas pelos caminhões. Em 2014, alguns desses caminhões que estavam sob controle do MIT, serviço de inteligência turca, foram parados por procuradores da justiça e polícia militar quando estavam a caminho da fronteira. Os oficiais negaram que estavam enviando armas e afirmaram que a carga dos caminhões era ajuda humanitária.

Com o passar do tempo, as fotos das armas nos caminhões foram publicadas no jornal Cumhuriyet e as autoridades do governo começaram a dizer que as armas se destinavam aos turcomanos na Síria, atacados pelo Estado Islâmico. Os turcomanos negaram o recebimento dessas armas e finalmente Yasin Aktay, um porta-voz do AKP confessou que elas foram para o Exército Livre da Síria. O governo não deixou espaço para que a justiça ou a mídia investigasse o caso. E ainda mais, os procuradores e militares que se envolveram com a operação foram acusados de espionagem. Can Dundar, o jornalista que publicou as imagens das armas foi preso logo em seguida. O governo do AKP responsabilizou o Hizmet por essa revelação.

G) Os esforços de Erdogan para acabar com o Hizmet

A perseguição do AKP contra o Hizmet não é recente, mas tem um histórico. Como seu precursor Nejmettin Erbakan fez, Erdogan também visitou Gulen e pediu apoio após fundar o AKP. Ele foi recusado. Ao término de sua visita, os que acompanhavam Erdogan relataram que ele dissera no elevador: “Quando chegarmos ao poder, precisamos primeiro acabar com este movimento Mesmo fingindo que apoiava, Erdogan se esforçou para acabar com o Hizmet desde o início das suas atividades políticas. Ou seja, nos seus discursos abertos, ele nunca falou mal do Hizmet, mas com as pessoas ao seu redor expressava seu rancor.  

<strong>Jornal Taraf publicou documento que mostra o acordo entre militares e Erdogan para acabar com Gulen</strong>

Jornal Taraf publicou documento que mostra o acordo entre militares e Erdogan para acabar com Gulen

Em 2004, somente um ano depois de ser eleito como primeiro ministro, Erdogan assinou um acordo secreto com militares, um plano de ação para paralisar as atividades do Hizmet na Turquia e no mundo. Este documento foi revelado em 2013, um pouco antes do maior escândalo de corrupção no país, que envolvia os ministros do AKP, inclusive Erdogan. Olhando pra trás, entendemos que este plano estava sendo executado há muito tempo. Aqui estão alguns exemplos das ações tomadas para esse fim: 

 

  • Engajar outros grupos:  Erdogan esperou que todos os grupos influenciados por ele, apoiassem, sem condições, as atividades do seu partido. Porém, ao contrário de outros grupos, o Hizmet criticou as atividades que não gostava.
  • Copiar: Ao reparar que não poderia engajar Gulen em sua política, Erdogan criou instituições que poderiam rivalizar ao Hizmet, porém não teve sucesso.
  • Dividir: Erdogan tentou submeter alguns nomes de destaque do Hizmet a si mesmo, para que pudesse dividi-lo, porém, exceto por alguns casos, não teve sucesso.
  • Difamação: Ao perceber que não poderá acabar com o Hizmet por pressão externa, Erdogan começou a atacar ele através da mídia que domina, procurando ligações do Hizmet com as maldades no país e assim criando um “bode expiatório”. Por isso, o movimento foi responsabilizado pelas atividades ilegais do governo, por mortes cujos autores não foram descobertos etc. Essas acusações foram generalizadas e chegou a um nível que até um motorista bêbado teve coragem de acusar o policial, que o parou, de ser do Hizmet
  • Caça às Bruxas: Toda vez que Erdogan agia fora das leis, o judiciário, as ONGs, a polícia e o exército avisavam ele. Erdogan sempre usou Gulen como um escudo para desviar as reações e finalmente em 2013 declarou uma guerra aberta contra o Hizmet. Em relação a isso, praticou expurgos, exílios, prisões, sanções econômicas, fechamento das instituições, confiscou os bens dos envolvidos no movimento, etc.
  • Acusação de terrorismo: Como uma sanção contra o Hizmet, Erdogan acusou o movimento de terrorismo em várias ocasiões. Mudou as leis para denominar o Hizmet como terrorista e executou uma campanha agressiva para fazer o povo comprar essa ideia. Mas, por não ter apresentado evidências, ele ainda não convenceu boa parte das pessoas. Posteriormente, Erdogan declarou que a tentativa de golpe foi um “presente de Deus” para ele concretizar este plano.
  • Acusação de ser golpista: Em vários ocasiões Erdogan acusou com evidências rasas o Hizmet de tentar derrubar o governo. Não surpreendentemente, ele acusou Gulen de estar por detrás da tentativa de golpe militar e aproveitou este momento para exterminar as atividades do Hizmet na Turquia.

MAIS LEITURA SOBRE O ASSUNTO

Entrevistas de Gulen

Governo turco nos enganou e faz caça às bruxas – Folha de S. Paulo

O inimigo preferido – Revista Veja

Eu sempre fui contrário a golpes – Correio Braziliense

Não me arrependo de nada – Politico

Artigos de Gulen

Condeno todas as ameaças à democracia turca – New York Times

Convoco uma investigação internacional sobre o golpe fracassado na Turquia – Le Monde

Artigos sobre Gulen

O golpe do golpe – Por Cristovam Buarque – O Globo 

Hizmet em prol da convivência pacífica – Luiz Henrique Pereira da Fonseca – Conferência sobre Hizmet

Tentativa de golpe é uma oportunidade para conhecer o Hizmet – Liza Dumovich – Voz da Turquia

Related Articles

Mailer