“Turquia está se distanciando do bloco ocidental” diz jornalista turco
1. Quais são os riscos para a estrutura secular da Turquia com o governo de um presidente que se aproxima cada vez mais da religião?
A Turquia está passando por momentos parecidos com a revolução iraniana de 1979. O estado secular está sendo reformado pelo poder executivo com um olhar islamista mais pragmatista. O maior risco desta conversão é abrir espaço para uma onda de radicalização. A propaganda islamista do governo pode resultar na formação dos novos grupos radicais ou expansão dos que já existem. Por outro lado, a sua integração ao mundo ocidental fez a Turquia ser vista como um modelo para outros países muçulmanos. Hoje ela perdeu este título e está se tornando um país típico do Oriente Médio. A rota que a Turquia escolheu tem o mesmo destino que a do Paquistão. No final, como uma consequência, esta mudança pode aumentar a busca de Erdogan por liderança sobre os países muçulmanos. Recentemente países sunitas da região formaram uma aliança militar contra o Estado Islâmico. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Alian%C3%A7a_Militar_Isl%C3%A2mica) No futuro, esta aliança pode se desviar do seu motivo inicial e se tornar um bloco contra o Irã, algo que pode criar o risco de uma guerra de religiosa entre as divisões do Islã.
2. Como isso pode afetar a relação da Turquia com os países da União Europeia?
A chance de adesão da Turquia à União Europeia foi zerada após o contragolpe do governo turco. Há alguns anos, a UE tolerava a tendência autoritária do Erdogan devido à questão dos refugiados sírios. Hoje os lideres europeus o criticam duramente e adotaram uma postura mais rígida contra sua candidatura. Aliás, Erdogan tinha declarado que deseja entrar para a Organização para Cooperação de Xangai (OCX). Erdogan está reconstruindo relações com a Rússia e enviando mensagens para a UE para mostrar que, quando quiser, pode trocar seu parceiro politico e econômico. Isso ainda é uma chantagem e uma questão de barganha. Mas temos certeza de que hoje a Turquia está se distanciando do bloco ocidental e está se aproximando do bloco Eurásia, cujos principais autores são Rússia e China.
3. Erdogan é bem popular. Você acredita que a aprovação da população reflete o desejo por um país religioso?
Após a queda do Império Otomano, o estado secular da Turquia foi fundado por Ataturk e seus companheiros em 1923, com a ideia de ocidentalizar o país. Para manter esta ideia em funcionamento, durante os 90 anos da república, todos os grupos religiosos sofreram pressão e foram perseguidos pela força do estado representada pelos militares e burocratas kemalistas. Erdogan nasceu dentro desse cenário político, com a promessa e expectativa de acabar com a tutela militar no país e levantar a bandeira dos islamistas. Por isso ele recebeu um apoio popular. Ele consegui vencer a tutela militar em 2010, através de um referendo, fazendo com que os militares golpistas fossem presos. A história deveria ter acabado neste ponto e o país deveria ter encontrado o paz. Mas infelizmente Erdogan preferiu centralizar o poder e criar uma nova Turquia, baseada no Islã politizado, seguindo a mesma estratégia do Ataturk. Para conseguir realizar isto, ele apresenta todos seus adversários como inimigos do Islã, e ele como o defensor dela. Então o povo em geral não deseja um país islâmico, mas o que vem acontecendo é um puro abuso da religião pelos políticos.
4. Qual é a sua opinião sobre os esforços do Milli Gorus para manter o estado e a religião islâmica trabalhando juntos?
Quando política e religião se misturam, as duas sofrem, mas a religião sofre mais. O Islã é uma religião. Não é uma ideologia política. O Islã não especifica uma forma de governo, mas oferece princípios para orientar qualquer governo. São princípios como a proteção à vida, à religião, à saúde mental e física, à família, à propriedade e às liberdades básicas. Então o que importa mais não é o sistema de governança, mas a qualidade dos governantes segundo o aspecto humano e a aplicação da justiça quando estiver no poder.