Expurgos pós-golpe na Turquia abalam o ensino superior
Com as férias de verão quase terminadas, a estudante de ciência da computação Hande Tekiner deve estar se preparando para um ano de sessões de estudo intenso antes das provas e de lição-de-casa tarde da noite. Em vez disso, ela pode não ter um lugar para voltar, pois sua universidade foi fechada depois do golpe fracassado na Turquia.
As autoridades fecharam 15 universidades e cerca de 1.000 escolas de ensino médio ligadas a Fethullah Gulen, o clérigo muçulmano radicado nos EUA que está sendo culpado pela tentativa de golpe de 15 de julho. Gulen negou envolvimento e condenou o golpe.
Os fechamentos deixaram cerca de 200.000 estudantes na Turquia em um limbo acadêmico, se perguntando se podem continuar com seus estudos e preocupados com a mancha negra de uma escola ligada a Gulen em seu histórico escolar. Dezenas de milhares de acadêmicos e professores escolares também foram expurgados, aprofundando a preocupação com o cerceamento da liberdade acadêmica e da liberdade de expressão.
“Como estudantes de universidades que foram fechadas, estamos sendo vitimizados, mesmo que essas escolas tenham sido abertas com aprovação estatal”, disse Tekiner.
A jovem de 23 anos deveria ter começado seu quarto e último ano na Universidade Mevlana na cidade central de Konya antes do golpe. “Tenho dúvidas se vou conseguir terminar meus estudos”, disse ela.
Tekiner disse que ela e outras estudantes foram hostilizadas nas mídias sociais, rotuladas por acusadores anônimos como apoiadoras do golpe porque frequentavam escolas ligadas a Gulen.
O Presidente Recep Tayyip Erdogan e o governo dizem que a rede do clérigo usava as escolas para recrutar seguidores que então se infiltravam entre os militares, no serviço público e no judiciário. Gulen, que vive na Pensilvânia desde 1999, nega as acusações.
A Turquia pediu aos Estados Unidos que extraditassem ele mas Washington diz que apenas um tribunal federal pode tomas essa decisão. Desde o golpe, quando ao menos 240 pessoas morreram, a Turquia deteve cerca de 40.000 pessoas e prendeu formalmente metade delas.
Grupos de defesa dos direitos e algumas pessoas no Ocidente temem que Erdogan esteja usando os expurgos para sufocar a dissidência e reforçar seu controle sobre o poder.
Massas piedosas
Até uma briga pública em 2013, Erdogan e Gulen eram aliados. Erdogan inicialmente viu o clérigo como útil para domar a influência dos militares e da elite secular que haviam dominado a Turquia desde a fundação da república moderna.
Por anos os seguidores de Gulen têm mantido escolas por toda a Turquia e em lugares tão longe quanto a África e os Estado Unidos, misturando o Islã com uma ênfase na ciência e no diálogo inter-religioso.
As escolas ajudaram a abrir o ensino superior para a base eleitoral de Erdogan – as massas piedosas frequentemente de regiões mais pobres que estavam tradicionalmente barrados das universidades de elite em Istambul e Ancara.
Erdogan, ele mesmo graduado em uma escola religiosa, lutou para popularizar a educação religiosa na constitucionalmente secular Turquia e trabalhou para derrubar uma proibição do lenço no parlamento e nas universidades.
Mas o fechamento de escolas ligadas a Gulen é preocupante para estudantes em cidades em que não existem universidades. Os estudantes com origens modestas – e as estudantes de famílias piedosas – não podem arcar com as despesas de viver longe de casa, ou podem não ter permissão.
“A razão de ter escolhido a minha universidade é para estar perto de casa”, disse outra estudante da Universidade Mevlana em Konya. “Por ser mulher, minha família nunca me permitiria estudar em outra cidade”.
O Conselho do Ensino Superior, conhecido como YOK em turco, provocou um indignação generalizada quando disse que os estudantes seriam colocados em novas universidades baseando-se nas notas das provas, o que significa que eles poderiam acabar em uma escola no outro lado do país.
Ele mais tarde acabou seguindo algumas campanhas nas mídias sociais, incluindo uma que usava a hashtag #YOKbizimagduretme ou “YOK, não nos vitimize”.
Expurgos
Por volta de 80.000 pessoas entre os militares, no serviço público e no judiciário foram demitidos ou suspensos nos expurgos. Cerca de metade dessas pessoas estiveram na educação, de acordo com a mídia estatal.
Os sindicatos dos professores e alguns políticos de oposição dizem que as autoridades estão focando em educadores baseando-se em evidências que são tênues na melhor das hipóteses – tais como terem aberto uma poupança no Bank Asya, uma financiadora agora defunta fundada por seguidores de Gulen.
O governo disse que as investigações e outras medidas são necessárias para se prevenir outro golpe.
Mas Kamuran Karaca, que presidência um dos maiores sindicatos dos professores da Turquia, disse que as pessoas erradas estavam sendo o alvo do expurgo. Desde o golpe, 88 membros de seu sindicato Egitim-Sen foram suspensos.
“Todos os nossos membros foram suspensos, ao invés de serem apoiadores de Gulen, pelo contrário são pessoas que lutam por uma educação secular e uma vida secular”, disse Karaca.
“Acreditamos que eles foram postos na lista negra porque depositaram seus aluguéis no Bank Asya, ou tomaram uma empréstimo dele, ou um parente tomou um empréstimo dele”.
Gaye Usluer, um legislador do partido da oposição, o Partido Popular Republicano, criticou o que ela disse que era uma repressão “avassaladora” que também prejudicou pessoas que podem se inocentes.
Candan Badem, um historiador marxista, foi detido brevemente por possuir um livro de Gulen em sua casa, seu advogado contou à Reuters. Ele foi solto mais tarde. Badem assinou a petição “Acadêmicos pela Paz” neste ano que criticava a ação militar no sudeste, que é de maioria curda.
Erdogan denunciou os mais de 1.000 signatários, que também incluía o linguista americano e ativista Noam Chomsky, e alguns acadêmicos turcos foram detidos por causa da petição.
Defendendo o expurgo
Vários acadêmicos e professores se recusaram a falar com a Reuters sobre o expurgo, dizendo que tinham medo de serem fichados.
“A liberdade de comunicação e a liberdade de colaboração são essenciais para uma boa ciência que funcione”, disse Rush Holt da Associação Americana para o Avanço da Ciência, que escreveu uma carta aberta a Erdogan pedindo com veemência a proteção dos direitos da comunidade científica.
A Associação das Universidades Europeias disse que as medidas introduzidas logo após o golpe “vão na direção errada”.
Ainda assim, alguns acadêmicos defendem a repressão.
“Ninguém sabe onde essa organização ilegal começa e onde termina”, disse Sedat Gumus, um professor associado da Universidade Necmettin Erbakan em Konya central.
“Em tal contexto, suspender várias pessoas de seus empregos é compreensível. Na investigação será revelado quem estava envolvido e quanto. Se há pessoas que foram acusadas falsamente, eles devem poder voltar para seus empregos”.
Seda Sezer
(David Dolan e David Stamp)
Fonte: uk.reuters.com