Quem arquitetou o golpe na Turquia?
A história política turca tem um legado de intervenções militares que desmoralizou a liderança civil e democrática de nossa República em 1960, 1971, 1980 e 1997.
Apesar de autoridades civis eleitas democraticamente terem sido desacreditadas em cada um desses golpes, a estrutura política preexistente sempre foi capaz de formar novos partidos políticos e estabilizar operações governamentais para uma retirada militar.
De acordo com muitos analistas militares renomados, o golpe recente na Turquia, em 15/7, parece ter sido planejado para fracassar e fornecer ao presidente Recep Tayyip Erdogan um pretexto para constituir seu próprio regime, com a instituição de um estado de emergência.
Assim, para alguns especialistas, a vitória tramada de Erdogan sobre a suposta tentativa de golpe tinha o objetivo de mostrar ao mundo que ele ainda é poderoso.
No artigo intitulado “A Turquia Entra em Parafuso”, o professor Umit Cizre, um renomado acadêmico turco, especialista em relações cívico-militares, apontou que a falta de informações sólidas é uma das características perturbadoras desse tipo de golpe.
“Três semanas após o 15 de julho, nem os eventos ocorridos na noite do golpe nem as identidades dos instigadores e seus colaboradores foram esclarecidos de forma satisfatória. Não é surpresa que teorias da conspiração encontrem solo fértil para crescer. O governo promove uniformemente uma dessas teorias -gulenistas [referência aos seguidores do clérigo Fethullah Gülen] organizaram o complô com apoio da CIA e da administração Obama. O clamor geral, em todos os níveis políticos e sociais, demonizando a ‘organização terrorista’, faz parecer que o caso contra os gulenistas está encerrado”, escreveu Cizre.
No artigo “Um Golpe Muito Previsível?”, Philip Giraldi, um proeminente especialista em inteligência e segurança, observou que ninguém em Washington acredita que Gülen esteja por trás dos atos.
“É conveniente, para Erdogan, culpar o seu principal oponente, pois isso facilitará a prisão de qualquer pessoa não relacionada ao golpe, afirmando que ela é gulenista. Erdogan tornou-se hábil em prender oponentes, com frequência jornalistas, sob acusações falsas, incluindo traição, e dessa vez não será diferente”, escreveu.
Para Giraldi, a tentativa de golpe foi, basicamente, uma armação: “Erdogan e seu governo vinham dando sinais, há meses, a respeito da possibilidade de um golpe. O evento em si não deveria surpreender ninguém. Entretanto, está claro que, de fato, havia um golpe sendo tramado, aparentemente apoiado por setores do Exército que defendem um Estado laico”.
O expurgo na Turquia, avalia o pesquisador, não está limitado aos seguidores de Gülen -inclui todos os segmentos da sociedade que possam ser críticos ao governo.
Erdogan exterminou a democracia na Turquia. Centenas de veículos de comunicação foram fechados, dezenas de jornalistas foram presos, mais de 80 mil pessoas das Forças Armadas, do serviço público, do Judiciário e das universidades perderam seus empregos ou foram detidas. De acordo com a Anistia Internacional, algumas foram torturadas e estupradas.
O governo também tomou posse, sem qualquer base legal, de propriedades privadas e de contas bancárias de cidadãos.
Ao descrever os acontecimentos de 15 de julho como “um presente de Deus”, Erdogan tornou claro seu intuito de perseguir qualquer pessoa, seja ela gulenista ou não.
BAYRAM OZTURK, jornalista turco. Foi membro do conselho editorial do jornal “Zaman”, fechado no final de julho pelo governo turco. O periódico era ligado ao grupo do clérigo Fethullah Gülen, a quem o presidente Erdogan acusa de instigar o golpe no país
Fonte:http://m.folha.uol.com.br/opiniao/2016/08/1804165-quem-arquitetou-o-golpe-na-turquia.shtml?mobile