Frustrar golpe na Turquia não traz democracia automaticamente de volta
Manifestantes carregam bandeiras e otomanas na Praça Taksim em apoio ao governo – OZAN KOSE / AFP
No balanço de seu curso, que oscila como um pêndulo entre governos eleitos e intervenções militares, a Turquia foi governada por regimes militares durante aproximadamente seis anos (1960-1961, 1971-1973 e 1980-1983). Num fenômeno completamente familiar para a sociedade turca, o golpe de Estado foi caracterizado por uma tomada simultânea do rádio e da TV estatais, bem como de instituições burocráticas e políticas chave.
Ainda assim, desta vez, os eventos se desdobraram de uma forma não ortodoxa. Do lado dos golpistas, é realmente difícil entender como suas operações e táticas levariam a uma tomada do governo. Por exemplo, o edifício do Parlamento foi bombardeado pela primeira vez na História republicana do país. Além desse efeito desmerecedor, como isso serviria a seu propósito não está claro.
A maioria das tentativas de golpe começa com a detenção de líderes políticos. Mas, em vez disso, as primeiras ações dos golpistas foram o bloqueio do tráfego na ponte de Istambul e alguns ataques aéreos em Ancara. No momento, há muitos pontos desconhecidos sobre esse episódio.
A tentativa de golpe de 15 de julho também é original do ponto de vista de seus interlocutores. Desde as primeiras horas do dia, governo e oposição se uniram em torno da supremacia do regime civil. Pela primeira vez, tanto os políticos como as pessoas mantiveram-se firmes contra o complô. De fato, foram as pessoas nas ruas que frustraram o golpe, superando o número de soldados em campo e deliberadamente oferecendo resistência a eles.
Alguém pode esperar que isso possa intimidar outros generais ambiciosos e evitar que eles façam o mesmo no futuro. As Forças Armadas, longamente consideradas a mais confiável instituição aos olhos do público turco, talvez deixem de gozar desse prestígio agora.
Entretanto, frustrar uma tentativa de golpe não traz a democracia automaticamente de volta. O governo foi ágil em usar o 15 de julho para “limpar” os órgãos judiciais e militares de figuras ligadas à oposição, incluindo os seguidores de Gülen (o clérigo Fethullah Gülen, que reside nos EUA). Em poucas horas, milhares de oficiais militares e juízes foram afastados e muitos foram presos. A democracia turca já passou tempos turbulentos antes desta tentativa de golpe; e, agora, o governo poderá adotar medidas até mais autoritárias. Assim, qualquer pessoa da oposição pode facilmente ser rotulada como pró-golpe.
*Hakki Tas é doutor em Ciência Política e professor da Universidade de Ipek, em Ancara. Ele escreveu este artigo especialmente para O GLOBO