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Um encontro com Fethullah Gulen

Um encontro com Fethullah Gulen
julho 14
14:49 2016

Em uma entrevista exclusiva, o líder do movimento Gulen fala sobre anti-semitismo, seu próprio tipo de Islã, e o porque de ele estar recluso por 14 anos.

Fethullah Gulen é um líder espiritual religioso turco, alguns dizem, de milhões de turcos tanto na Turquia quanto por todo o mundo, e o cabeça do movimento Gulen. Sua rede de seguidores englobam o mundo todo e abriu escolas academicamente focadas em 90 países, incluindo os EUA.

O hocaefendi, que significa “líder respeitado”, é como o chamam. Ele deixou a Turquia em 1998 para evitar acusações do governo turco de envolvimento em atividades anti-seculares. Ele acabou se assentando em Saylorsburg, Pensilvânia, onde continua a pregar, escrever e guiar seus seguidores através da televisão e da Internet.

Ele está doente e não viaja, no entanto os turcos seculares temem quem sua influência nos escalões políticos aumentará a influência islamista na Turquia e transformar o país em um estado religioso. Ele é bem conhecido na Turquia e por toda a Ásia Central. Ainda assim aqui nos Estados Unidos, ele permanece um mistério.

O recluso espiritualista fica só em sua casa nos Poconos, auxiliado por crentes, orando, palestrando e alegando que sua influência não é tão ampla como seus críticos alegam que seja. Ele raramente dá entrevistas, mas fui permitido recentemente viajar ao idílico complexo parecido com um resort em que ele tem vivido por cerca de 14 anos e encontrar-me com Gulen para uma entrevista. Eis uma transcrição editada de suas respostas traduzidas:

The Atlantic: É tão raro ter uma entrevista com você, porque é assim?

Fethullah Gulen: Eu cresci em uma família humilde com uma personalidade tímida. Aceito esses tipos de oferta por respeito àqueles que estão pedindo essas entrevistas, de outra forma, preferiria viver uma vida reclusa apenas comigo mesmo.

Nós vimos suas acomodações, e vi uma cama muito pequena, um tapete pequeno, um quarto pequeno. Quando se pode ter todo o espaço que precisa, porque usa uma área tão pequena para si mesmo?

Minha vida inteira foi dessa forma. Durante meus anos de estudante, e mais tarde na vida, sempre vivi em espaços humildes assim. Isso porque eu gostaria de viver como meus concidadãos pois me considero como um deles. De maneira alguma me considero superior, em nenhum sentido. E também, essa é a minha natureza. Acredito na vida após a morte; creio que essa seja a verdadeira vida, portanto não quero me prender muito a esse mundo.

Você ainda ensina todo dia?

Tento passar o tempo com os estudantes aqui todo dia tanto quanto minha saúde me permite. Alguns dias minha saúde me impede que e faça isso, mas gostaria de continuar a estudar com eles enquanto eu estiver vivo.

Ouvi falar que você não tem estudantes mulheres.

Na Turquia, nossos amigos estão dirigindo um programa em que as estudantes estão fazendo cursos de graduação em teologia. Aqui, o mesmo sistema não poderia ser replicado, mas há senhoras que participam regularmente das palestras.

De acordo com a tradição islâmica, o papel da mulher é limitado à maternidade?

Não, não é. Fora a nobre posição da maternidade, nossa opinião geral sobre as mulheres é que, tomando em conta suas necessidades especiais, deve ser permitido a elas assumir todo tipo de papel, incluindo o trabalho de médica, oficial do exército, juíza e presidente de um país. Na verdade, em todos os aspectos da vida através da história, mulheres muçulmanas fizeram contribuições para suas sociedades. Na era dourada (se referindo aos anos durante a vida de Mohammed) começando com Aisha, Hafsa e Um Salama (as esposas do Profeta), as mulheres tinham suas posições entre os juristas e ensinavam aos homens.

Quando esses exemplos são levados em consideração, será entendido claramente que está fora de questão restringir as vidas das mulheres, afunilando suas atividades. Infelizmente, o isolamento das mulheres das atividades sociais em alguns lugares hoje em dia, uma prática que vem da má interpretação de fontes islâmicas, tem sido um dos temas de uma campanha mundial de propaganda contra o Islã.

Se existe uma coisa que você diria às pessoas aqui nesse país (EUA) que não sabem muito sobre você, suas crenças e seus ensinamentos, qual seria essa mensagem?

Não preciso me promover. Nunca busquei ser conhecido ou reconhecido pelas pessoas. Eu simplesmente compartilho ideias em que acredito com as pessoas ao me redor. Se as pessoas me reconhecem apesar disso, isso é uma erra delas. Mas minha crença central é buscar paz no mundo, ajudando as pessoas a eliminarem certas atitudes malévolas através da educação tanto quanto for possível. Um provérbio árabe diz: “Se algo não pode ser alcançado por completo, não deveria ser abandonado completamente”.

Que mensagem você tem para americanos que estão preocupados com o números de escolas autônomas fundadas por pessoas que você inspira? Como você espera que essa influência reflita na vida desse educador?

Primeiro de tudo, deixe-me clarificar que nunca estive envolvido pessoalmente na fundação ou operação de qualquer escola. Minha influência, se existir alguma, tem sido através de meus sermões, palestras e seminários. Se tenho algum crédito entre as pessoas que ouvem minhas palavras, canalizei esse crédito ou credibilidade para encorajá-los a estabelecerem instituições de educação. Tentei explicar que podemos alcançar a paz e reconciliação por todo o mundo apenas através da criação de uma geração de pessoas que leem, pensam criticamente, que amam seus companheiros humanos e que oferecem seus recursos em serviço para a humanidade.

Você não busca ser notado, no entanto você foi um das 100 pessoas da TIME, e chamado de uma voz de moderação que é desesperadamente necessária. Porque? E o que mais outras vozes moderadas fazer para serem ouvidas hoje em dia?

Apesar de existirem vozes de moderação ao redor do mundo, às vezes é difícil alcançar um consenso entre eles. Talvez o que é mais importante é ser um exemplo. Poderia a Turquia ser um exemplo a esse respeito? Poderia este movimento ser um exemplo, poderia essa comunidade ser uma exemplo? Creio que se nos confrontarmos, nos perguntarmos, talvez porque não fomos capazes de estabelecer um bom exemplo e plenamente representar nossos valores, não tem havido grande interesse ou simpatia no mundo. Mas estamos esperançosos, que se Deus quiser isso acontecerá. Esses pontos de vista não foram bem-vistos na Turquia, mas agora eles estão sendo lentamente recebidos. Se você se lembrar, quando eu disse 20 anos atrás que democracia era um processo do qual não haveria retorno, certas organizações de mídia que agora são apoiadoras do presente governo (turco) eram céticas e criticavam-me severamente.

Você disse anteriormente que se alguém vive em uma democracia onde se em plena liberdade de expressão como um muçulmano, então não há necessidade para qualquer outro tipo de governo. Qual é o exemplo de ser um muçulmano sem essa liberdade de expressão, e o que se deve fazer nessa situação?

Em muitos lugares pelo mundo, incluindo a Turquia até os anos 50, as muçulmanos não tinham uma liberdade de religião plena. Até a prática pessoal não era permitida, e tinham que praticar em segredo. Lembro quando eu estava no ensino fundamental por volta dos 6 anos e uma vez quando fiz minha oração do meio-dia durante o recesso, fui trancado no porão como castigo pelo diretor. Esse tipo de pressão era real. Hoje em dia, de um lado, alguns muçulmanos enfrentam opressão e em resposta, certos indivíduos cometem ataques suicidas. A religião não aceita ou justifica responder àqueles que oprimem com opressão. Hoje em dia, os muçulmanos enfrentam condições opressivas em alguns lugares, e cristãos em outras. Algumas coisas levam tempo. Toda a humanidade deve adotar um atitude pacífica, mas isso só pode ser alcançado a longo prazo através da reabilitação da sociedade. Podemos alcançar isso? Alcançaremos qualquer coisa que pudermos, e para nossos objetivos não realizados, seremos recompensados por nossas intenções.

Muitas pessoas te amam, mas há também muitas pessoas que tem medo de você. Alguns querem que você retorne para a Turquia, e alguns tem medo do que você possa fazer se voltar para lá.

Não sou nem o primeiro nem o último a criar esse tipo de atitudes e perspectivas polarizadas. De fato, através da história, amigos da verdade enfrentaram obstáculos e inimizade, incluindo os mensageiros de Deus. Talvez, ao olharmos para essa situação, devamos dizer que talvez não nos representamos ou nos explicamos de forma precisa às pessoas. Quando refletimos sobre isso, devemos dizer: “Se conseguirmos deixar claro que não temos nada com que se preocuparem, então não alimentariam inimizade contra a gente”. Devemos dar aos outros o benefício da dúvida. Por todo o mundo, sociedades inteiras experimentam a paranoia. As pessoas na Turquia também são afetadas por isso. Devemos agir e nos expressar de tal forma que elimine todo pensamento negativo ou desconfiança. Mas também devemos aceitar o fato de que algumas pessoas possuem atitudes historicamente entrincheiradas e não conseguem mudar. Então não é possível ser louvado e amado no mesmo grau por todo mundo.

Algumas declarações a respeito de judeus ou Israel em seus primeiros sermões foram vistos como anti-semíticos. Como você responde a isso?

Podemos considerar esse assunto a partir de diferentes ângulos. Primeiro, é sempre possível para uma pessoa passar por uma evolução em seu pensamento. Em uma artigo que escrevi anos atrás perguntei: Você é hoje a mesma pessoa que era ontem? E são seus interlocutores as mesmas pessoas que eram ontem? Nenhum de vocês é exatamente a mesma pessoa, nem a são os seus interlocutores, o que significa que amanhã também nenhum de vocês será a mesma pessoa.

As ações e atitudes de seus interlocutores afetam suas perspectivas e expressões. Durante o processo de diálogo inter-religioso dos anos 90, tive a chance de vir a conhecer melhor praticantes de crenças não-muçulmanas, e precisei revisar minhas expressões de períodos anteriores.

Eu sinceramente admito que eu possa ter compreendido mal alguns versos e dizeres proféticos. Eu percebi e então declarei que as críticas e condenações que são encontradas no Alcorão ou na tradição profética não são direcionadas contra pessoas que pertençam a um grupo religioso, mas como características que podem ser encontradas em qualquer pessoa.

Em alguns casos minhas palavras foram tiradas de contexto. Algumas vezes pessoas com intenções questionáveis extraem seletivamente afirmações de meus discursos e de coisas que escrevi sem levar em consideração o contexto ou circunstância. Meus esforços pelo diálogo inter-religioso foram criticados por suavizarem as perspectivas dos muçulmanos sobre os judeus e cristãos. Não fiz qualquer coisa que não acreditei seguir os passos do Profeta Mohammed. Ele foi aquele que ficou de pé para um cortejo fúnebre de um residente judeu de Medina, mostrando respeito por um companheiro humano falecido.

É um fato que critiquei certas ações de Israel no passado. Mas em meus sermões nas mesquitas, eu também categoricamente condeno o terrorismo e atentados suicidas que atingem civis inocentes.

Porque escolhe ficar na Pensilvânia?

Apesar de não existirem obstáculos legais para a minha volta à Turquia, preocupo-me que certos círculos estejam esperando por uma oportunidade de reverter as reformas democráticas que foram iniciadas no começo dos anos 90 e que aceleraram na última década. Preocupo-me que esses elementos tentarão tomar vantagem de meu retorno ao colocarem o governo em uma posição difícil. Tenho que sacrificar meu intenso desejo de voltar para minha terra-natal no interesse tanto da Turquia quanto no do bom trabalho de voluntários do movimento (Gulen) por todo o mundo. Sinto que preciso viver com meu sofrimento pela vontade intensa de voltar e permanecer aqui até que não haja mais preocupações quanto à consolidação das reformas democráticas. Ainda mais, eu buscaria correções e possíveis ações legais contra difamação e calúnia. Aqui, estou longe dessas perturbações, e sou menos afetado por elas. Acho esse lugar mais tranquilo.

Como você vê as atuais ambições políticas da Turquia e seu lugar no mundo?

A Turquia está negociando sua ascensão à União Europeia. Parte da Turquia está na Europa, e a outra parte está na Ásia, e algumas vezes como parte do Oriente Médio. Ela fica em um lugar muito importante geograficamente e politicamente. É crucial para a Turquia preservar e avançar suas conquistas na democratização, graças em parte pela sua contínua relação com a União Europeia.

A Turquia também precisa fazer uso de certas dinâmicas para tomar um papel mais ativo na região. Por exemplo, se existe uma visão favorável e uma percepção positiva da Turquia devido aos seus laços históricos na região, a Turquia deve ser cuidadosa em proteger essas percepções. Ela deve proteger sua reputação. Boas relações e influência dependem do amor, respeito e boa vontade, e colaboração em objetivos mutuamente aceitáveis. A Turquia está fazendo isso plenamente hoje em dia ou não? Isso é uma questão que merece ser discutida. Se a Turquia é de fato capaz de desenvolver boas relações diplomáticas na região, creio que será do interesse da Europa, dos Estados Unidos e do mundo. Mas não acredito que a Turquia esteja fazendo o que poder para esse fim no momento.

Como você definiria sua visão do Islã e o tipo de muçulmano que é?

Eu me considero um muçulmano comum que está constante mente trabalhando para se colocar na estrutura estabelecida pelo Alcorão e a tradição do Profeta Mohammed. Estudo as obras de peritos em jurisprudência, comentário alcorânico, comentário dos hadith e do Sufismo. No passado me perguntaram sobre meu ponto de vista quanto a dimensão espiritual do Islã. Perguntaram-me se eu pertencia àlguma ordem sufista e nunca tentei estabelecer uma, posso dizer que os mestres justos do Sufismo influenciaram-me grandemente.

Por fim, minha compreensão e visão do Islã não pode ser entendida apenas através de minhas palavras. A obra de minha vida e os projetos pelos quais meus amigos e eu esperamos servir a humanidade também devem ser consideradas. O diálogo educacional, iniciativas de assistência humanitária representam nossa visão melhor do que as palavras.

Fonte: www.theatlantic.com

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