Europa é refém de Erdogan e precisa buscar alternativas
Kenneth Roth, diretor executivo da ONG de direitos humanos Human Rights Watch (HRW), esteve no Brasil nesta semana e conversou com a Folha sobre a liberdade de imprensa na Turquia, refugiados na Europa, e Erdogan. Abaixo, trechos da entrevista:
O acordo entre a União Europeia e a Turquia para estancar o fluxo de refugiados resolve a situação?
Um milhão de pessoas cruzaram o mar mediterrâneo em direção à Europa em 2015. É muita gente, mas representa apenas 0,2% da população europeia. Ou seja, o problema dos refugiados na Europa é político, e não de capacidade. As cenas de caos nas praias de Lesbos fizeram a Europa parecer que havia perdido o controle sobre suas fronteiras, o que, por sua vez, ajudou na ascensão da extrema direita. Havia uma percepção por parte de Angela Merkel, chanceler alemã, e outros de que algo precisava ser feito para que se recuperasse o controle. Parte do acordo com a Turquia é positiva: oferecer até US$ 6 bilhões ao governo turco para permitir que refugiados reconstruam suas vidas na Turquia, voluntariamente. Muitos dos 2,7 milhões de refugiados sírios na Turquia não conseguem, educar seus filhos, conseguir bons empregos, moradia ou assistência médica. Entre 300 e 500 mil crianças sírias na Turquia estão fora da escola – às vezes precisam trabalhar, as vezes é complicado matriculá-las…Então a UE deveria, sim, investir na Turquia, Jordânia e Líbano para ajudar esses refugiados. Mas há uma parte negativa no acordo: o plano de mandar os refugiados de volta para a Turquia parte da premissa de que a Turquia é um terceiro país seguro. A lei internacional de refúgio determina que, se você passar por algum país seguro antes de chegar a um outro país para se refugiar, você pode ser mandado de volta para esse primeiro país. Mas a Turquia não é segura para os refugiados – na realidade, o país ratificou a convenção do refúgio de forma muito restrita, de modo que, na Turquia, ela só se aplica a europeus. Então até os refugiados sírios estão lá de maneira apenas arbitrária, não têm direitos garantidos, não se trata de um país seguro para esses refugiados construírem suas vidas.
É necessário ter uma abordagem diferente, nós estamos conversando com líderes europeus para que haja uma triagem de refugiados na Turquia, Líbano e Jordânia. Assim, seria possível filtrar os imigrantes econômicos e aqueles que representam ameaças à segurança, e chegar àqueles que realmente têm direito a refúgio. A Alemanha considera continuar recebendo algumas centenas de milhares de refugiados por ano e os holandeses falaram em 250 mil…comando as várias ofertas, acho que a Europa pode continuar recebendo 500 mil por ano. Mas outros países, como o Brasil, também precisam assumir responsabilidades. O Canadá recebeu 25 mil refugiados sírios, e os canadenses reclamaram que não era suficiente. Aumentaram o número de acolhidos para 40 mil. Ah, se houvesse mais ‘Canadás’ no mundo. Já os Estados Unidos têm sido deploráveis, eles prometeram acolher 10 mil sírios e até agora receberam pouco mais de 2 mil, alguns Estados se recusam a acolhê-los.
Você acha que a Europa “se vendeu” a Recep Tayyip Erdogan, o presidente da Turquia? Ou seja, está fechando os olhos para o autoritarismo de Erdogan, porque ele ameaçou deixar todos os refugiados irem para a Europa?
No curto prazo, a Europa é refém de Erdogan. E ele está se aproveitando disso para silenciar a oposição, minar a democracia turca, encarcerar jornalistas, ameaçar legisladores e reviver a guerra contra os curdos. Normalmente, a UE criticaria tudo isso de forma muito franca. Mas os europeus têm se omitido, por medo de que Erdogan retalie e deixe os barcos chegarem. Mas Merkel está procurando alternativas.
Fonte: www1.folha.uol.com.br