Novelas da Turquia estão cativando a América Latina
O história de Sila, uma jovem turca criada em uma casa da elite de Istambul, cativou dezenas de milhares de espectadores por toda a América Latina no ano passado. No programa, o pai biológico de Sila, que ela pensava estar morto, aparece para levá-la para uma vila do sudeste da Turquia para se encontrar com sua mãe enferma. A partir daí, sua vida dá uma guinada para o pior quando ela é aprisionada em um casamento forçado. Como qualquer outra boa novela, Sila está repleta com relações problemáticas e chocantes reviravoltas – exatamente o que a audiência quer em uma região onde as novelas melodramáticas dominam.
Mas essa é importada. Depois de varrer o mercado televisivo do Oriente Médio na década passada, os líderes da florescente indústria de TV da Turquia estão mirando na expansão na América Centra e do Sul. Nos últimos meses, programas turcos foram ao ar ou estão marcados para irem ao ar em mais de uma dezena de países centro e sul-americanos, e algumas famílias argentinas e chilenas começaram colocar o nome de seus personagens turcos em seus filhos. Ao menos seis novelas quebraram recordes de audiência na América Latina, e programas turcos agora ocupam espaços no horários nobre em vários países, incluindo o Chile e a Argentina. A popularidade da televisão turca na América do Sul fez com que os analistas de mídia ficassem pasmados, mas muitos concordam: 2016 provavelmente será uma ano próspero para o entretenimento turco.
“Melodramas turcos são uma novo fenômeno, [aparecendo] apenas na última década”, disse Asli Tunç, professor de estudos de mídia na Universidade Bilgi de Istambul. “Eles começaram nas repúblicas turcas, depois nos Bálcãs, então no Oriente Médio, e agora na América Latina. Estão se espalhando por todo o mundo… mas [a América do Sul] possui sua própria produção doméstica, então porque importam dramas turcos?”
Uma década atrás, a exportação turca de séries de televisão angariou cerca de 1 milhão de dólares por ano. Hoje, essas exportações trazem pelo menos 350 milhões, relatou o jornal pró-governo Daily Sabah, fazendo da Turquia um dos maiores exportadores de séries de televisão. E a receita de exportação cresceu supostamente 25 por cento apenas no ano passado.
O avanço na América do Sul começou em 2014, quando a famosa novela turca “Mil e Uma Noites” foi ao ar na TV chilena. Ela rapidamente se tornou a novela mais vista do Chile no ano. Depois de seu sucesso lá, ela foi ao ar no Brasil, Peru, Uruguai, Bolívia, Paraguai, Equador, Colômbia, Costa Rica e está marcada para em breve ir ao ar na República Dominicana, Nicarágua, Guatemala, El Salvador, Panamá e Honduras.
“Como a terra das telenovelas, foi muito difícil entrar na América Latina, mas vimos o potencial do mercado e quisemos alcançar esse difícil objetivo”, disse Fahriye Sentürk, chefe de relações públicas na Global Agency, uma distribuidora das novelas mais populares da Turquia, em uma entrevista por e-mail. “O interesse ainda está crescendo e estamos recebendo várias propostas de negócio”.
O Oriente Médio, Europa Central e Oriental, e a América Latina hoje respondem pelos mais altos números de exportação de dramas turcos, de acordo com Sentürk. Ela disse que novelas turcas agora são exibidas em mais de 100 países e o que o negócio poderia lucrar 100 biliões em 2017.
Durante uma visita a vários países sul-americanos na semana passada, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan apontou a boa recepção das novelas Turcas como um exemplo das fortes relações entre as duas distantes regiões. A viagem foi feita com a intenção de expandir os laços econômicos entre a Turquia e a América Latina, que subiu para 10 biliões de dólares em 2014. Junto com um grupo de 100 empresários, Erdogan visitou o Chile, Peru e Equador para construir parcerias e oportunidades.
“Elas estão se saindo muito, muito bem na América Latina”, Yeidy Rivero, um professor de Mídia Latina na Universidade de Michigan, disse, se referindo aos dramas turcos. “Agora a indústria turca está prestando muita atenção”.
As novelas turcas, frequentemente ambientadas no Império Otomano histórico, tipicamente possuem um andamento mais lento e mais extenso que os programas de língua inglesa. Os homens são frequentemente retratados como excepcionalmente românticos e as emoções são exageradas. Mas isso não necessariamente funciona em todos os mercados. Uma cena de choro com quatro minutos teve que ser diminuída para 30 segundos para a televisão sueca, de acordo com o Middle East Eye.
Rivero disse que as novelas emplacaram em parte porque têm muito em comum com os dramas de telenovela que já são populares pela América do Sul. As telenovelas são induzem às lágrimas e são recheadas de drama, frequentemente focadas em atribuladas relações confrontadas problemas sociais como a violência ou o racismo. São produzidas por toda a América Latina, do México a Argentina, e frequentemente duram apenas alguns meses. Diferentemente das novelas americanas, que vão ao ar durante o dia, as novelas latino-americanas normalmente preenchem os espaços do horário nobre.
As similaridades entre as novelas das regiões não é coincidência. Por décadas, os turcos assistiram telenovelas importadas. Hoje em dia, as novelas turcas foram adaptadas para a televisão latino-americana para se encaixarem aos espaços de tempo diários mais curtos das telenovelas.
Mas existem alguns diferenças significativas. Os dramas turcos possuem um custo de produção relativamente alto – cerca de 200.000 dólares por episódio contra 100.000 ou menos para muitas telenovelas. E diferentemente da maioria dos dramas sul-americanos, a televisão turca é relativamente conservadora. Apesar de românticas, não há sexo, e tendem a enfatizar a unidade familiar. Drogas e violência são limitadas, e os personagens femininos normalmente lutam por relacionamentos que visam um casamento tradicional.
O contraste pode estar atraindo mulheres sul-americanas conservadoras fartas dos conteúdos algumas vezes inadequados das telenovelas tradicionais, disse Rivero.
“Elas são muito populares entre as audiências latino-americanas, mas alguns acadêmicos estão debatendo as mensagens”, disse ela. “Várias telenovelas são muito progressistas quanto as mulheres, mas nas novelas turcas temos de alguma forma uma representação mais conservadora”.
A difusão da televisão turca na década passada exemplifica o deseja da Turquia de aumentar sua influência no exterior, incluindo na América Latina. Quando o partido islamista moderado AKP veio ao poder em 2002, o então primeiro-ministro, agora presidente Erdogan, tinha a intenção de transformar a Turquia de um recebedor em dificuldade de ajuda para um grande, influente poder político e econômico. Ele em sua maior parte foi bem-sucedido, pois a produção doméstica bruta da Turquia pulou para acima dos 800 biliões de dólares, comparados aos 232 biliões em 2002.
As novelas turcas primeiros conquistaram o mundo árabe, onde elas ficaram no topo da audiência por cerca de uma década e começaram a influenciar uma mudança social, de acordo com Noha Mellor, um professor de Mídia Árabe na Universidade de Bedfordshire no Reino Unido.
Em alguns países do Oriente Médio, mulheres e meninas adolescentes começaram a usar o lenço no estilo turco. Nos noticiários árabes, houve relatos de mulheres árabes sedentas por romance se divorciando de seus maridos depois de serem fisgadas pelos dramas turcos, pois ofereciam um sentimento de liberdade para mulheres que passaram a maioria de suas vidas em casa.
“Elas são atraentes, especialmente para as mulheres”, disse Mellor. “Podemos ser modernos sem perdermos a parte conservadora de nossa religião… Elas são meio que adaptadas para as audiências árabes, combinando estilos de vida modernos e muito luxuosos com valores conservadores, algo que canais de televisão americanos ou até latinos não poderiam fornecer”.
Alguns especularam que a indústria da TV era parte de um programa intencional para disseminar a influência turca. O governo tem apoiado a indústria com subsídios, dizem os analistas. E em um país conhecido por suas infrações contra a liberdade de imprensa, pode existir pegadinhas, de acordo com Tunç, que foca na mídia e liberdade de expressão. Financiamento do governo, argumenta ela, significa que os funcionários do governo provavelmente possuem uma voz sobre o conteúdo.
“O governo definitivamente está encorajando a indústria; estão tentando mudar a imagem do país”, disse Tunç.
A preocupação de alguns também é de que o crescimento da indústria seja insustentável. O mercado da televisão turca hoje é extremamente competitivo e os atores frequentemente trabalham por cerca de 18 horas por dia para produzirem mais de 130 minutos de conteúdo por episódio – consideravelmente mais longos que a maioria dos programa de televisão americanos.
Isso despertou um debate dentro do país sobre o direito dos trabalhadores, e a indústria supostamente perdeu alguns de seus profissionais mais talentosos por causa das condições de trabalho. Mas se isso poderia limitar a habilidade de se expandir mais longe na América do Sul, os analistas disseram que era muito cedo para saber com certeza.
“Era um mercado muito fechado e acho incrível que um produto produzido em um país que, se você pensar a respeito, não possui mitas conexões culturais, seja capaz de dar certo na América Latina e ser bem-sucedido”, disse Rivero. “É uma coisa bem única”.
Texto de: Michael Kaplan
Tradução de: Renato José Lima Trevisan
Fonte: http://www.ibtimes.com/