Sem dinheiro para chegar à Europa, refugiados ficam retidos na Turquia
A cidade de Izmir, a 330 quilômetros (km) ao sul de Istambul, é a última parada para quem fugiu da guerra na Síria e no Iraque e sonha em cruzar o Mar Egeu para chegar à Grécia, porta de entrada para a Europa. Entretanto, com o endurecimento de medidas restritivas à chegada de novos imigrantes tomadas recentemente pelos países europeus, centenas de famílias ficaram encalhadas em terra firme, em quartos de hotéis superlotados ou em pequenas casas nos bairros mais pobres, pois estão sem dinheiro.
Em um quarto alugado na periferia da cidade, a jovem curda Zozan Khaled, de 26 anos, espera sua hora de partir, na companhia de dois filhos pequenos e de um bebê de apenas 7 meses. Ela fugiu com o marido e as crianças da cidade de Qamishli, onde viviam, no norte da Síria, quando a guerra forçou a saída da maioria dos moradores. Vieram de ônibus, em uma viagem de 1.500 km. O marido conseguiu chegar à Grécia em um bote e há 7 meses está na Finlândia. Agora, eles não têm dinheiro para reunir a família. O pouco que ela tem, paga de aluguel no pequeno quarto.
“Quero ver o meu marido o mais rápido possível. Se não, eu mesmo vou pegar um bote e ir atrás dele. Eu gostaria de voltar à minha cidade, mas a situação ainda não está calma por lá”, disse a jovem, que tem de lidar com um problema de saúde do bebê, uma hérnia na barriga, mas não tem recursos para a operação.
Situação igualmente difícil vivem dezenas de famílias, sírias e iraquianas, que se espremem em quartos de um hotel barato, onde esperam a hora de pegar um dos botes que os levarão à Grécia. A família do lavrador Wahed Sidi gastou US$ 3 mil para chegar à Turquia e agora precisa de outros US$ 3 mil para seguir caminho até a Europa. Sidi afirma que eles só têm US$ 2 mil e, por isso, não conseguem sair de Izmir. No quarto, forrado com tapetes, ele e a esposa vivem com os seis filhos, em idades de 1 a 15 anos, sem saber quando poderão sair dali. “O Estado Islâmico chegou e matou muitas pessoas onde vivíamos”, contou Sidi.
No quarto ao lado, o iraquiano Abdulah Mohamed também espera sua hora de poder chegar à Europa. Junto com a esposa e dois filhos, um deles com a espinha fraturada por causa de uma bomba, ele vê os dias passarem sem muita expectativa, depois de terem deixado o Iraque há mais de 50 dias. O ex-funcionário público agora busca tratamento para o filho na Turquia, mas sem sucesso.
O engenheiro Khere Naif precisou fugir do Iraque depois de soldados do EstadoIslâmico matarem seu único filho homem, de 9 anos. Segundo ele, a esposa conseguiu sair do país com as quatro filhas, mas que agora a família está separada. Ele conta que trabalhava em uma empresa petrolífera e que hoje “não é mais ninguém, pois seu coração está partido com a perda do filho”. “Eu quero chegar a qualquer país. O importante é me salvar do Estado Islâmico.”
Todas as pessoas entrevistadas nesta reportagem foram ouvidas antes do início do novo acordo entre a União Europeia e a Turquia. Desde o início de março, o compromisso tem permitido o reenvio de migrantes ilegais que chegaram à Grécia para a Turquia.
O acordo União Europeia-Turquia, fechado em 18 de março, tem suscitado várias críticas, especialmente por parte de organizações de defesa dos direitos humanos.
Em troca da cooperação da Turquia para conter a atual onda migratória, os líderes europeus concordaram em acelerar a liberação dos vistos para os visitantes turcos e duplicar, para 6 bilhões de euros, a ajuda que será concedida ao país, até 2018, para melhorar as condições de vida dos milhões de sírios já refugiados em território turco.
Cemitério
Para muitos, o sonho de recomeçar na Europa se encerra na travessia entre a Turquia e a Grécia, onde acabam se afogando nas águas do Mar Egeu. Embora a distância entre a costa de Izmir e a ilha grega de Lesbos não seja grande, em média 33 km, muitas vezes os botes infláveis, lotados além de seu limite, não conseguem superar as ondas e afundam. Mesmo os que têm coletes salva-vidas não suportam o frio da água, principalmente no inverno, e morrem afogados.
Para esses, foi criado um espaço no cemitério municipal de Izmir, onde são enterrados os náufragos. Segundo o religioso que faz os sepultamentos, Ahmet Altan, ali estão 530 corpos de refugiados que tentaram, sem sucesso, a travessia – quase metade é criança. Famílias inteiras são sepultadas lado a lado, mostrando a face mais perversa da tragédia.
“Nós estamos vivendo esta tristeza todos os dias. Tem que parar esta guerra, pois quando eles saem de suas cidades, acabam se arriscando. Na nossa crença, as crianças são inocentes e os que morrem na guerra, afogados no mar, são mártires”, disse Ahmet.
Do total de mortos no cemitério, cerca de 400 foram identificados, mas outros 130 seguem desconhecidos.
Posição do governo
O governo da Turquia, por meio da Embaixada no Brasil, informou que, apesar de todos os desafios, o país continua com sua política de portas abertas em relação aos sírios, que têm buscado refúgio nos últimos cinco anos.
De acordo com o governo, o total de refugiados sírios na Turquia chega a 2,7 milhões, sendo que 271 mil estão acomodados em 26 campos de proteção, o que torna o país a nação com o maior número de refugiados no mundo atualmente. Segundo a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), há 4,8 milhões de refugiados sírios no mundo.
“Os sírios nos campos de proteção recebem alimentos, itens de primeira necessidade, serviços de saúde e de educação, além de apoio psicológico, treinamento para trabalho e atividades sociais. Os sírios que vivem fora dos campos também estão sob proteção do governo e se beneficiam de atendimento médico gratuito e serviços de educação”, disse a embaixada, por e-mail.
De acordo com o governo turco, o país já gastou cerca de US$ 10 bilhões em ajuda humanitária, mas só recebeu US$ 462 milhões em ajuda internacional. Além dos sírios, a Turquia está recebendo cerca de 200 mil iraquianos, igualmente atendidos com serviços de saúde.
A Acnur alertou para a necessidade de um aumento de vagas para reassentamento de refugiados em países vizinhos da Síria e no norte da África. Segundo avaliação da agência da ONU, mais de 10% dos 4,8 milhões de refugiados sírios precisam ser reassentados em outras regiões do mundo.
A Acnur estima que, com a continuidade do conflito na Síria, mais de 450 mil vagas de reassentamento serão necessárias até o final de 2018.
Vladimir Platonow* – Enviado Especial
* O repórter viajou com um grupo de jornalistas brasileiros a convite do Centro Cultural Brasil-Turquia