Movimento Hizmet diz temer por liberdade na Turquia
Considerado por boa parte da opinião pública ocidental como misterioso e acusado pelo governo turco de estar por trás da crise política que afeta o país, o movimento Hizmet vem fazendo uma ofensiva de relações-públicas para mostrar o que é e o que faz esta organização. Esta entidade da sociedade civil é a maior da Turquia e garante que não tem fins políticos. Possui representações em 150 países – inclusive o Brasil. O Hizmet se baseia na ideia de “Islã moderno e compatível com a democracia”, difundida desde os anos 60 por Fethullah Gülen. Gülen hoje tem 75 anos, é um ex-imã, escritor, pensador e professor. Vive nos EUA num auto-exílio desde 1999, quando saiu da Turquia por conta dos sucessivos golpes militares. Mesmo de longe, continua influenciando milhões de turcos e muçulmanos pelo mundo.
Ao movimento Hizmet são ligados um grande número de empresários, atuantes dentro e fora da Turquia: há donos de hospitais, escolas e impérios de mídia. Como a agência de notícias Cihan, a maior do país, que possui correspondentes em 82 países, incluindo o Brasil, onde possui um escritório estabelecido em 2011 no bairro dos Jardins, em São Paulo. A agência produz conteúdo para o jornal impresso “Zaman”, ligado ao mesmo grupo, que é líder absoluto de vendas na Turquia, com 1,25 milhão de exemplares vendidos por dia, além de uma versão em inglês.
– Estamos, obviamente, muito preocupados com as recentes investidas do (premier turco) Recep Tayyip Erdogan contra a liberdade de expressão no país, controlando, por exemplo, a internet. O Gülen, aliás, está muito triste com o rumo que a Turquia tem tomado, porque ele sempre acreditou que o Islã é compatível com a democracia – diz Bayram Ozturk, doutor em teologia islâmica, que mora há dois anos no Brasil.
Ozturk é colunista do “Zaman” e discípulo de Gülen, com quem estudou por três anos nos anos 90. As atividades do Hizmet no Brasil são: a agência de notícias e o jornal, um centro cultural (CCBT) e uma associação-comercial Brasil-Turquia, além de um colégio (de ensino fundamental e médio) chamado Belo Futuro Internacional, localizado no bairro de Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo.
Yusuf Elemen, diretor do CCBT em São Paulo, rejeita rótulos de que o Hizmet (que significa “servir” em turco) é uma espécie de “Opus Dei turca”, como já foi definido.
– Nossa escola em São Paulo, por exemplo, é aberta para qualquer criança, de qualquer crença, não há ensino religioso. O Gülen sempre defendeu o diálogo entre as religiões – diz, lembrando que o ex-imã foi o primeiro líder do Islã a condenar os atentados de 11 de Setembro nos EUA. – Ele também condena qualquer ato de violência. O movimento não é religioso e nem ideológico, é um movimento civil mas com inspiração na fé (islâmica).
O Hizmet realiza ainda diversos trabalhos de caridade entre Rio e São Paulo, com foco na distribuição de alimentos nas favelas. Sobre a atual perseguição que o grupo sofre por parte do governo da Turquia, Ozturk lembra que Erdogan, logo que subiu ao poder, em 2003, tentou se aproximar de Gülen, que chegou a apoiá-lo para a elaboração de uma nova Constituição, apesar de, segundo o discípulo, o Hizmet nunca ter composto com o governo.
– O Erdogan insistiu várias vezes que o Gülen voltasse à Turquia, para fazer uma aliança. Mas ele nunca se sentiu seguro para voltar. Os acontecimentos recentes mostram que ele estava certo. O premier tomou uma série de decisões, de política interna e externa, desastradas. Ele culpa o Hizmet pela instabilidade porque simplesmente nossos ideais de democracia e modernidade encontram eco entre tantos turcos insatisfeitos – comenta Ozturk.
Segundo ele, Fethullah Gülen vive cercado por alunos, numa casa no estado americano da Pensilvânia. Para fazer o curso, precisa morar com o ex-imã: mulheres só são aceitas se forem casadas. Gülen não é casado e não tem filhos. Os cursos consistem em discutir como os ensinamentos do Alcorão podem ser aplicados no mundo moderno. Gülen tem problemas de pressão, coração e diabetes e, por isso, quase não sai de casa. Antigos discípulos como Ozturk lhe fazem visitas “de uma a duas vezes por ano”.
– Muita da instabilidade e da violência que o mundo islâmico vive hoje acontece porque há um retardo do nível intelectual de sua população. Esse atraso se dá no desenvolvimento dos países em si e na forma de pensamento: não dá mais para culpar o atraso à colonização ocidental, ao imperialismo. Nos primeiros séculos do Islã, fazíamos parte de sociedades muito avançadas. É preciso resgatar isso – atesta o discípulo de Gülen.
Mariana Timóteo da Costa
Publicado em O Globo