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Elif Shafak: A política turca do cansaço

Elif Shafak: A política turca do cansaço
março 05
14:01 2016

Antes de uma entrevista em Istambul, eu conversava com a jornalista sobre a política turca. Após 15 minutos, ela olhou para o chão e baixou a voz, como que contando um segredo: “Às vezes é cansativo demais ser turca”.

Esse esgotamento mental é causado em grande parte pela política. O presidente Recep Tayyip Erdogan e os seus correligionários optaram por uma estratégia de divisão, preferindo a hostilidade ao compromisso e a dualidade em lugar de uma cultura de convivência. Mesmo as questões mais triviais ou absurdas podem provocar um debate acalorado.

Gargalhar em público ameaça a modéstia da mulher turca? As aeromoças da Turkish Airlines devem ser autorizadas a usar batom vermelho, e, se não, qual cor pode ser permitida? Cidadãos patrióticos deveriam consumir ayran [uma bebida à base de iogurte] em vez de raki? Todas as mulheres que dirigem carros vermelhos votam na oposição?

O cansaço insuportável é particularmente acentuado entre mulheres e intelectuais liberais. Estes últimos não representam um grande número de turcos, mas são uma importante régua com a qual medir a trajetória do Partido Justiça e Desenvolvimento.

Quando o grupo chegou ao poder pela primeira vez, em 2002, os liberais apoiaram. O AKP, iniciais do partido em turco, era pró-reformas e pró-União Europeia.

Esperava-se que promoveria as liberdades civis, uma ideia animadora após três golpes militares desde 1960, cada um pior que o anterior. Mas, à medida que o partido dava uma guinada na direção do autoritarismo, os liberais foram atirados à deriva.

Na ceia de Ano-Novo, eu ouvia meus amigos liberais dizerem melancolicamente:

“Restam dois caminhos para quem não simpatiza com o AKP hoje: ou nos tornamos tolamente apolíticos, ou teremos de ser amargamente políticos. E, se você não quer ser nem tolo nem amargo, azar o seu!”.

Alguns liberais silenciaram, mas outros fazem oposição acirrada, enquanto um terceiro grupo se volta para a autocrítica.

“Nosso erro não foi apoiar acontecimentos mais pluralistas e democráticos. Foi não ver que os limites do AKP se estreitariam tanto”, escreveu a autora e socióloga turca Oya Baydar.

“Quem dizia que o AKP só fingia ser democrático e acabaria substituindo o despotismo militar por um civil tinha razão.”

Hoje, os liberais são vistos com desprezo pelo lado anti-AKP por serem brandos e ingênuos demais. “No fim das contas, não foram eles, assim como alguns intelectuais de esquerda nas décadas de 1950 e 1960 na União Soviética, os ‘idiotas úteis’ do AKP e de Erdogan?”, disse a jornalista francesa Ariane Bonzon, que cobre a Turquia e o Oriente Médio.

Entre as mulheres turcas não conservadoras -pelo menos metade dos 48% que não votaram em Erdogan na última eleição- há uma crescente preocupação com a intromissão do AKP em suas vidas privadas.

No passado, declarações machistas de políticos homens eram consideradas manifestações espontâneas. Hoje, são vistas como parte de uma campanha ideológica sistemática e sinistra que busca confinar as mulheres em seus papéis de gênero tradicionais.

Visitando o primeiro bebê de 2015, o ministro da Saúde, Mehmet Muezzinoglu, disse que “as mães não devem colocar qualquer carreira que não a maternidade no centro de suas vidas”.

A reação foi imediata. As mulheres turcas já ouviram altos funcionários do governo darem palpite sobre assuntos como aborto, cesariana, contracepção e vestuário. Protestos foram organizados em todo o país.

“Estou farta desses comentários machistas, constantemente dizendo a nós como vivermos nossas vidas”, escreveu Ayse Arman no jornal “Hurriyet”.

Quando eu falei sobre a necessidade de um movimento feminino independente e de uma nova narrativa de fraternidade feminina para superar as divisões políticas, algumas conservadoras de lenço na cabeça disseram que seria difícil trabalhar com as feministas, já que as ativistas haviam ignorado os interesses das conservadoras no passado.

Essa reação revela um dos maiores obstáculos turcos: como o passado molda o futuro. A vitimização assola a sociedade, e há um ciclo constante de retaliação que cria novas vítimas.

Após o terrível atentado no jornal “Charlie Hebdo”, em Paris, e em meio à ascensão simultânea da islamofobia e do antiocidentalismo, a Turquia poderia ter surgido como uma voz unificadora, um país islâmico moderno, democrático e pluralista, com forte tradição laica. Mas não é esse o ambiente predominante.

Erdogan culpou o Ocidente pelos assassinatos. “Como muçulmanos, nunca participamos de massacres terroristas. Por trás deles jazem o racismo, o discurso do ódio e a islamofobia. Estão jogando com o mundo islâmico, precisamos estar cientes disso.”

Quem critica o governo é acusado de não ser patriota, ou pior, de ser um peão das potências que tentam destruir a Turquia.

As vítimas mais recentes incluem a Miss Turquia 2006, Merve Buyuksarac, que foi interrogada por insultar Recep Tayyip Erdogan em sua conta no Instagram, e a jornalista e apresentadora de TV Sedef Kabas, detida pela polícia por tuitar sobre o acobertamento de um escândalo de corrupção no governo.

Um dos mais populares atores do país, Tamer Karadagli, disse: “Artistas, empresários… Estamos todos assustados”.

O cansaço persiste. A diferença entre a Turquia e o Ocidente se amplia. Se nós, os turcos, não conseguirmos encontrar uma maneira de abraçar os ideais de sociedade livre, debate aberto, cultura pluralista e igualdade de gênero, isso será não só um fracasso da democracia, mas também da imaginação e da vontade.

ELIF SHAFAK é autora, entre outros, do romance “De Volta a Istambul” (ed. Nova Fronteira).

Tradução de RODRIGO LEITE

Fonte: www.folha.uol.com.br

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