Turquia considera se retirar do tratado sobre violência contra as mulheres
O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) do presidente Recep Tayyip Erdoğan está considerando a possibilidade de retirar a Turquia de um acordo internacional destinado a proteger as mulheres, informou a Reuters, citando autoridades do partido, alarmando ativistas que veem o pacto como a chave para o combate à crescente violência doméstica.
As autoridades disseram que o AKP deve decidir na próxima semana se desistirá do acordo, poucas semanas depois que o cruel assassinato de uma mulher por um ex-namorado reacendeu uma discussão sobre como conter a violência contra as mulheres.
Apesar de ter assinado o acordo do Conselho da Europa em 2011 se comprometendo a prevenir, processar e eliminar a violência doméstica e promover a igualdade, a Turquia teve 474 feminicídios no ano passado, o dobro do número visto em 2011, de acordo com um grupo que monitora assassinatos de mulheres.
Muitos conservadores na Turquia dizem que o pacto, ironicamente forjado em Istambul, incentiva a violência ao minar as estruturas familiares. Seus oponentes argumentam que o acordo e a legislação aprovada em seu rastro precisam ser implementados com mais rigor.
A disputa vai até não apenas dentro do AKP de Erdoğan, mas também até mesmo sua própria família, com dois de seus filhos envolvidos em grupos em ambos os lados do debate sobre a Convenção de Istambul.
O AKP decidirá na próxima semana se iniciará medidas legais para se retirar do acordo, disse um alto funcionário do partido à Reuters.
“Há uma maioria apertada [no partido] que argumenta que é certo se retirar”, disse a autoridade, que argumentou, porém, que abandonar o acordo quando a violência contra as mulheres estava em alta seria um sinal errado.
Outro oficial do AKP argumentou o contrário que a maneira de reduzir a violência era se retirando, acrescentando que uma decisão seria alcançada na próxima semana.
O argumento se cristalizou no mês passado em torno do assassinato brutal de Pınar Gültekin, 27, estudante na província de Muğla, que foi estrangulada, queimada e jogada em um barril – o último em um número crescente de mulheres mortas por homens na Turquia.
Um ex-namorado foi acusado de assassinato e preso enquanto aguarda o julgamento, tendo confessado o assassinato, de acordo com relatos da mídia.
Os oponentes do acordo dizem que é parte do problema porque mina os valores tradicionais que protegem a sociedade.
“É nossa religião que determina nossos valores fundamentais, nossa visão da família”, disse a Fundação da Juventude Turca, cujo conselho consultivo inclui o filho do presidente, Bilal Erdoğan. Ele pediu que a Turquia se retirasse do acordo.
A Associação de Mulheres e Democracia (KADEM), da qual Sümeyye, filha de Erdoğan, é vice-presidente, rejeita esse argumento. “Não podemos mais falar sobre ‘família’… em um relacionamento em que um lado é oprimido e sujeito à violência”, disse KADEM.
Muitos conservadores também são hostis ao princípio da igualdade de gênero na Convenção de Istambul e consideram-na como promotora da homossexualidade, dado seu princípio de não discriminação com base na orientação sexual.
Os críticos da tentativa de se retirar do pacto dizem que isso colocaria a Turquia ainda mais em descompasso com os valores da União Europeia, à qual buscou aderir há décadas.
“Isso realmente separaria a Turquia do mundo civilizado, e as consequências podem ser muito graves”, disse Gamze Taşçıer, legislador do principal partido de oposição, o Partido Popular Republicano, à Reuters.
A Turquia não seria o primeiro país a abandonar o acordo. A mais alta corte da Polônia deve examinar o pacto depois que um membro do gabinete disse que Varsóvia deveria desistir do tratado, que o governo nacionalista considera liberal demais.
Fonte: Turkey considering quitting treaty on violence against women, ruling party official says