Cai a última barreira para Erdogan controlar mídias sociais na Turquia
Em novo ataque do governo à liberdade de expressão, para silenciar opositores, Parlamento aprova lei que obriga provedores estrangeiros a armazenarem dados de usuários e removerem conteúdos.
O presidente turco, Recep Tayyp Erdogan, aplaude discurso de legisladores antes de votação de lei sobre controle de mídias sociais na Turquia, em Istambul, na quarta-feira (29) — Foto: Turkish Presidency via AP, Pool
Com o controle de 90% da mídia tradicional pelo governo, o Parlamento turco avançou em mais uma medida para coibir a liberdade de expressão, ao aprovar um projeto que regula as mídias sociais — a última válvula de escape do regime repressor imposto pelo presidente Recep Tayyip Erdogan.
A promulgação da lei é apenas uma questão de tempo. O projeto estabelece que as empresas estrangeiras de mídia social com mais de um milhão de usuários, como Facebook e Twitter, armazenem seus dados no país. O governo usa o pretexto de proteger os cidadãos da desinformação, mas o histórico de liberdade expressão da Turquia dos últimos anos demonstra o contrário.
Entidades de direitos humanos asseguram que objetivo é silenciar as vozes críticas. Como explicou Tom Porteous vice-diretor de programa da Human Rights Watch, a lei sinaliza uma nova era sombria da censura online, uma vez que a mídia social funciona como tábua de salvação para os turcos carentes de informação.
“A nova lei permitirá ao governo controlar as mídias sociais, remover conteúdo à vontade e segmentar arbitrariamente usuários individuais”, resume. Os provedores de mídia social que descumprirem as regras para bloquear ou remover conteúdos sofrerão multas de até US$ 1,5 milhão, além de restrições de banda larga e de publicidade, o que inviabilizaria qualquer plataforma no país.
A Human Rights Watch ainda teme o pior: que as empresas sejam obrigadas a entregar dados pessoais de usuários, caso a Justiça solicite. “A aprovação é o mais descarado ataque à liberdade de expressão na Turquia. Os usuários de mídias sociais terão que se policiar, com medo de ofender as autoridades”, denuncia o pesquisador Andrew Gardner, da Anistia Internacional.
De acordo com a plataforma Free Speech Debate, 408 mil sites foram bloqueados na Turquia em 2019. Sete mil contas foram removidas do Twitter e 10 mil vídeos bloqueados no YouTube. Este cerco ocorreu antes mesmo que a lei fosse aprovada no Parlamento, graças ao apoio da coalizão governista liderada pelo Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), do presidente.
No comando do país desde 2003, Erdogan perseguiu e prendeu centenas de jornalistas, fechou jornais e canais de TV e assumiu o controle de dezenas de meios de comunicação. A censura e os ataques à liberdade de imprensa intensificaram-se após uma tentativa de golpe contra ele, em 2016. O governo passou a exercer um controle mais agressivo sobre o conteúdo na internet.
Mas o presidente usou o nascimento do oitavo neto, filho de sua filha Esra, casada com o ministro das Finanças Berat Albayrak, como estopim de sua fúria contra o mundo digital. Em cadeia nacional, Erdogan ameaçou banir os sites de mídia social que publicavam insultos ao bebê: “Queremos que esses espaços sejam totalmente removidos, controlados.”
Ordem dada, missão cumprida. Em menos de um mês, o Parlamento dei seu aval para o governo policiar e censurar o conteúdo digital.