Segunda Turma do STF nega extradição de Ali Sipahi, acusado de terrorismo pelo governo turco
Sipahi integra movimento de oposição ao governo Erdogan, e Turquia pediu extradição. Para relator do caso, não há garantia de que julgamento no país será independente e imparcial.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta terça-feira (6) por unanimidade o pedido de extradição de Ali Sipahi, apresentado pelo governo da Turquia.
Turco naturalizado brasileiro, Sipahi integra um movimento que faz oposição a Recep Tayyip Erdogan, e o governo turco o acusa de terrorismo.
Ele chegou a ser preso em São Paulo em 5 de abril, após pedido do governo da Turquia, mas foi solto duas semanas depois por determinação do relator do caso no STF, Edson Fachin.
Na ocasião, contudo, Fachin impôs as chamadas medidas cautelares, entre as quais uso de tornozeleira eletrônica. Depois, o ministro as revogou, e a decisão foi mantida nesta terça-feira pela Segunda Turma.
Comerciante, Sipahi vive no Brasil há 12 anos, é casado com uma turca e tem um filho brasileiro, de 4 anos.
Voto do relator
Durante a sessão desta terça-feira, Fachin votou contra a extradição. O voto dele foi acompanhado pelos demais ministros da Segunda Turma.
Edson Fachin argumentou que a lei brasileira de terrorismo não retroage e ainda não existia quando a conduta imputada ao turco teria ocorrido. “Ao tempo da prática, não havia tipificação”, enfatizou.
Além disso, o ministro entendeu que não há certeza de que Sipahi terá um julgamento independente e imparcial na Turquia.
“Pode ser considerado fato notório a instabilidade política e até mesmo demissões de juízes bem como prisões de opositores do governo”, afirmou.
“Em tais circunstâncias, há no mínimo uma justificada dúvida quanto às garantias de que o extraditando será submetido a um tribunal independente e imparcial”, acrescentou.
Ainda segundo Fachin, outro óbice à extradição é a “caracterização política da conduta imputada a Ali Sipahi”, que poderia, em tese, ser enquadrada na lei de Segurança Nacional como crime político.
“Do ponto de vista da extradição, há um longo percurso de construção para vedação às extradições por delitos políticos. Logo, mesmo se colhendo caracterização por crime político, encontrar-se-ia desde os primórdios a sustentação da vedação.”
Demais votos
O entendimento de Fachin foi acompanhado pelo ministro Ricardo Lewandowski. “A lei penal não pode ser aplicada a condutas anteriores a sua vigência”, disse.
O ministro Gilmar Mendes argumentou que não se descreve como o turco teria passado a integrar a organização criminosa, nem as funções exercidas, nem o papel no grupo. “A ausência da definição impede a extradição”, ressaltou.
Ministro mais antigo da Corte, Celso de Mello afirmou que a Constituição impede a extradição de estrangeiro por crime político. “Não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”, disse.
Última a votar, a ministra Cármen Lúcia também defendeu que o caráter político impede a extradição e as condições apresentadas pela Turquia não demonstram que se teria garantia ao devido processo legal.
Argumentos
O advogado do governo turco, João Batista Lira Rodrigues Junior, afirmou que o país se compromete a aplicar a pena base brasileira, apesar de, na Turquia, o crime ser punido com a prisão perpétua.
“Não podemos ignorar os fatos. Não permitir a extradição é criar uma salvaguarda para esse tipo de pessoa no nosso país”, disse o advogado. Segundo ele, trata-se de “organização terrorista já seria suficiente para a extradição”.
Elaine Angel, advogada de Ali Sipahi, argumentou que a Turquia não é um país que costuma ser tolerante. Segundo ela, há “risco de ser julgado por tribunal de exceção”.
“A escolha de Ali Sipahi é aleatória e sem fundamento. Trata-se de um homem comum convertido em terrorista por força máquina de propaganda do regime autoritário de Erdogan”, disse.
Depósitos
Ali Sipahi virou alvo do pedido de extradição por ter desenvolvido atividades no Centro Cultural Brasil-Turquia, entidade com vínculos com o Movimento Hizmet.
O Hizmet não é considerado um grupo terrorista pela Organização das Nações Unidas (ONU), mas o governo turco discorda dessa classificação.
A Turquia afirma que Sipahi depositou dinheiro em uma conta de banco vinculada ao grupo entre 2013 e 2014.